Invista em felicidade, reduza o aquecimento global

Os resultados de pesquisas sobre índice de felicidade comprovam que a mera acumulação de bens não traz bem estar

Criar um novo padrão de consumo, compartilhar bens e serviços ajuda a promover o bem-estar e a reduzir as emissões de gases de efeito estufa

Por Suzana Kahn | ArtigoODS 13 • Publicada em 13 de janeiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 16 de janeiro de 2016 - 11:04

Os resultados de pesquisas sobre índice de felicidade comprovam que a mera acumulação de bens não traz bem estar
Os resultados de pesquisas sobre índice de felicidade comprovam que a mera acumulação de bens não traz bem estar
Os resultados de pesquisas sobre índice de felicidade comprovam que a mera acumulação de bens não traz bem estar

Muito já foi dito acerca do grande desafio contemporâneo que é a redução das emissões de gases de efeito estufa, sendo o dióxido de carbono (CO2) o principal gás. De forma simplificada, é possível admitir a existência de um orçamento global de carbono de, no máximo, 1,8 trilhão de toneladas a ser emitido, ou “gasto”, por todo o planeta ao longo do século 21. A emissão atual é de cerca de 50 bilhões de toneladas anuais, o que significa que o orçamento previsto até o ano de 2100 será atingido em meados deste século. O acordo de Paris – assinado durante a COP21, e recém-celebrado – não traz segurança de que o mundo ficará com suas emissões dentro deste patamar.

Fomentar uma economia de mais satisfação à população, sem estar atrelada ao consumo, é uma importante estratégia de mitigação. Serviços ao invés de produtos e compartilhamento de bens trazem enormes benefícios.

Não é fácil adotar medidas de mitigação de carbono em um mundo com população, renda e consumo por bens e serviços crescentes. Tanto é assim que, há mais de 20 anos, sabemos o que precisa ser feito para combater a mudança climática e, ainda assim, nossas emissões hoje são 60% acima do que eram em 1990. Como alento, vemos em curso o início de uma transição – ainda muito suave, para um mundo sem energia fóssil, e baseado em fontes renováveis e aumento de eficiência energética. Só que todo este esforço não será suficiente para compensar a entrada de novos consumidores no mercado com o padrão de consumo existente nos dias de hoje.

É imperativo promover um novo padrão de consumo. Não é necessário grande conhecimento de psicologia para entender que, muitas vezes, o consumo se dá para suprir algum vazio, compensar e preencher lacunas, dando uma falsa sensação de bem-estar e de felicidade. Para alterar o padrão de consumo é preciso se identificar outras necessidades que gerem o bem-estar. Várias pesquisas comprovam que o aumento do consumo – especialmente após certo patamar, onde as necessidades básicas já estão atendidas – não se correlaciona com melhoria nos indicadores de felicidade. Ou seja, os resultados de pesquisas sobre índice de felicidade comprovam que a mera acumulação de bens não traz bem-estar.

Fomentar uma economia de mais satisfação à população, sem estar atrelada ao consumo, é uma importante estratégia de mitigação. Serviços ao invés de produtos e compartilhamento de bens trazem enormes benefícios.

O conceito de economia compartilhada implica em colaboração social, que, por si só, já contribui para o bem-estar, envolve também a indústria de tecnologia da informação e do conhecimento, que tem alto valor agregado e baixo impacto ambiental. A forma mais conhecida de economia compartilhada é protagonizada pelas bicicletas – o meio de transporte que mais cresce no mundo. Outro serviço que tem se destacado é o “couchsurfing” – site que aproxima viajantes de pessoas locais, e é, atualmente, um serviço de hospitalidade em franca expansão. O mesmo se dá com compartilhamento de escritórios, veículos e outros bens. De um modo geral, fazer parte de um grupo de compartilhamento traz mais bem-estar e felicidade do que a simples posse de um bem. A sensação de “pertencimento”, de acordo com vários estudiosos do tema, faz muito bem ao indivíduo, promovendo conforto e satisfação.

Um nível mais elevado de satisfação faz com que as faltas ao trabalho sejam menores e melhore a produtividade e desempenho. Os custos com saúde diminuem. Solidariedade e respeito ao bem comum aumentam, gerando uma maior riqueza material para a comunidade em questão. Um grau mais alto de confiança na sociedade em que se vive reduz os “custos de transação” desta sociedade, que passa a ter menores gastos com fiscalização, burocracia, corrupção, litígios, contratos e regulações.

Assim, um meio alternativo de mitigação de gases de efeito estufa é atuar na busca da felicidade, revendo os conceitos de progresso e desenvolvimento. O progresso não é uma mera acumulação interminável de bens de capital, que provoca danos à felicidade da coletividade, seja através da destruição do ambiente que se vive, a ruptura das relações sociais ou ainda o elevado nível de ansiedade individual.

A alternativa de mitigação de gases de efeito estufa contemplando a busca da felicidade e bem-estar da sociedade via compartilhamento, redução de consumo e valorização de bens imateriais, complementa as propostas nacionais de mitigação insuficientes apresentadas em Paris na COP21.

Suzana Kahn

Engenheira mecânica com doutorado em engenharia de produção. Professora da COPPE/UFRJ, presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ.

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