Vamos ter saudades do Jornal Nacional

Cid Moreira e Sérgio Chapelin na tradicional bancada do Jornal Nacional. Foto Arquivo da TV Globo

Em tempos de gritarias e notícias falsas, a certeza de que tudo pode ficar pior

Por Leo Aversa | ODS 12 • Publicada em 24 de novembro de 2017 - 08:18 • Atualizada em 25 de novembro de 2017 - 11:53

Cid Moreira e Sérgio Chapelin na tradicional bancada do Jornal Nacional. Foto Arquivo da TV Globo
Cid Moreira e Sérgio Chapelin na tradicional bancada do Jornal Nacional. Foto Arquivo da TV Globo
Cid Moreira e Sérgio Chapelin na tradicional bancada do Jornal Nacional. Foto Arquivo da TV Globo

Até a Dilma, a gente se informava pelas TVs e jornais. Tinha um ou outro blog mas o principal eram as TVs e os jornais. As redes sociais eram usadas para compartilhar e comentar o que líamos ou que assistíamos por lá. Como a imprensa era quase toda de direita a gente precisava dar uma filtrada para ter uma noção neutra do que estava acontecendo na política. Parece complicado, mas com a prática ficava fácil. Os fatos eram manipulados, distorcidos etc, mas inventar, criar notícias completamente falsas, isso ainda pegava mal. Depois da primavera árabe a gente acreditou que as redes sociais iriam, pouco a pouco, tomar o poder da imprensa, as informações seriam democratizadas, e a verdade fluiria na internet como um rio descendo a montanha.

Aqueles tempos da narrativa da imprensa ficaram para trás. Agora, cada um tem a sua, que é a que mais lhe convém. Tem realidades para todos os gostos. Se a gente achava que o Jornal Nacional era tendencioso, essa selva de notícias falsas e gritarias diversas consegue ser muito pior

Aí veio a eleição de 2014, o país rachou e o ódio tomou conta das redes. A briga que começou com coxinhas e petralhas se espalhou por qualquer assunto que fosse remotamente político. Qualquer post contra, a favor ou mesmo isento era respondido com porrada, tiro e bomba. O fato de a Lava Jato provar que estavam todos envolvidos com a roubalheira piorou a situação, deixou os haters dos dois lados ainda mais furiosos. Não tinha mais argumento, ponderação, sutileza, só gritaria e agressão. As pessoas mal liam a primeira linha de um post e já partiam para a guerra.

A imbecilidade online foi sendo fermentada nesse caldo de raiva e ressentimento. Surgiram coisas como o MBL, Alexandre Frota e os fundamentalistas evangélicos. Em resposta, os movimentos identitários se tornaram estridentes. Chegaram com tudo as fakenews, que fizeram a alegria dos descerebrados. Agora, a realidade é como você acha que é.

Alguns exemplos:

Tem uma página no Facebook que se chama “Jessicão, a feminista”. É, em teoria, uma sátira às feministas radicais. Publica posts como o boicote feminista à maionese Hellmann’s, que seria um produto misógino porque induz à concepção de que o inferno só pode ser masculino, nunca feminino. Com este tipo de post vocês devem imaginar que a página provoca a ira do movimento feminista. Não, os haters dela são os machistas, que não conseguem perceber a nada sutil ironia. Que, por sinal, também não é percebida por algumas feministas que compartilham com orgulho os posts de Jessicão. O boicote à Hellmans não é percebido como falso nem por um lado nem pelo outro.

Houve uma manifestação contra uma filósofa, Judith Butler, que tem estudos sobre identidade de gênero e feminismo. Os fundamentalistas evangélicos fizeram uma campanha online recheada de fakenews, coroada por uma manifestação na porta do Sesc, onde ela faria uma palestra. Puseram fogo num boneco representando Butler, aos gritos de “Queimem essa bruxa!”. Nenhum dos manifestantes leu uma linha sequer das obras de Butler. Nem dela nem de nenhum outro autor. As únicas coisas que leram e compartilharam foram as fakenews dos fundamentalistas.

Bolsonaro, o candidato da extrema direita, nunca respondeu a nenhuma pergunta sobre economia. Todo o seu programa de governo se resume a “matar os vagabundos” e nem isso ele explica como vai fazer, já que todo o seu projeto de segurança é baseado em factóides. Não faz diferença, seus eleitores não sentem a menor falta, ocupados que estão em compartilhar noticias falsas sobre ameaças imaginárias.

Aqueles tempos da narrativa da imprensa ficaram para trás. Agora, cada um tem a sua, que é a que mais lhe convém. Tem realidades para todos os gostos. Se a gente achava que o Jornal Nacional era tendencioso, essa selva de notícias falsas e gritarias diversas consegue ser muito pior.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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2 comentários “Vamos ter saudades do Jornal Nacional

  1. Americo Diniz disse:

    Pois é, acho que a imprensa de uma maneira geral, se perdeu. Seja por estar associada a alguma corrente ideológica ou por não saber qual será a direção a ser tomada. Uma pena. Trabalhei no O Globo muitos anos e foram muito bons. Conheci feras da redação, fotografia etc. Via a seriedade do trabalho. A briga com o JB. Tudo trazia a tona um jornalismo de qualidade. Deixei de ler o jornal por ver que a qualidade baixou, muito. Caras bons pularam fora. Com essa febre enlouquecida de notícias falsas então, ninguém mais sabe o que é, ou qual é a verdade, naquele contexto, só sabem espalhar as bobagens ao vento.
    Talvez esteja aí a oportunidade da imprensa, voltar a fazer jornalismo de qualidade e confrontar essas correntes. Mas concordo contigo, já sinto falta do Jornal Nacional…

  2. Elisabete Crispim disse:

    Achei seu artigo sensacional. Eu cai aqui de paraquedas procurando por Jessikão, a Feminista. Nesse país polarizado encontrar uma alma pensante é um alívio.

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