Petição em prol do Cerrado

Petição em prol do Cerrado. Foto de Divulgação

Luta para transformar o bioma em Patrimônio Nacional já dura nove anos. O desmatamento na região supera o da Amazônia, que tem o dobro de tamanho

Por Liana Melo | ODS 12ODS 13 • Publicada em 12 de setembro de 2019 - 11:20 • Atualizada em 14 de setembro de 2019 - 12:21

Petição em prol do Cerrado. Foto de Divulgação
Povos tradicionais do Cerrado, representantes de ONGs e parlamentares entregam petição para transformar o bioma em Patrimônio Nacional. Foto de Divulgação
Povos tradicionais do Cerrado, representantes de ONGs e parlamentares entregam petição para transformar o bioma em Patrimônio Nacional. Foto de Divulgação

Lá se vão nove anos desde a primeira tentativa de transformar o Cerrado e a Caatinga em Patrimônios Nacionais. A demanda é histórica, já foi aprovada pelo Senado, mas emperrou na Câmara dos Deputados. Ontem, no Dia Nacional do Cerrado e abertura do IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, a Campanha em Defesa do Cerrado entregou no Congresso Nacional uma petição, com pouco mais de meio milhão de assinaturas, solicitando a tramitação da PEC 504 — a proposta de emenda constitucional que visa corrigir o erro cometido na Constituição, que concedeu o status apenas para a Amazônia, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal e Zona Costeira. Coube à deputada indígena Joênia Wapichana (Rede), de Roraima, entregar a petição ao presidente da casa, o deputado Rodrigo Maia (DEM).

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Se mesmo com este respaldo da lei o bioma Amazônia arde em chamas, o Cerrado, que não conta com a mesma proteção, já perdeu 52% do seu território, porque o Matopiba, região territorial que incorpora todo o Cerrado dentro dos limites dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é uma das maiores fronteiras agrícolas do Brasil. Conhecido como a “savana brasileira”, ocupando cerca de 25% do território nacional, o Cerrado é um gigante que agoniza: as queimadas na região cresceram 44,35% entre janeiro e meados de setembro em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — no começo do mês, enquanto o mundo se comovia e se indignava com as queimadas na Amazônia, o fogo devastava 12% do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, na região Centro-Oeste do país.

Joenia Wapichana e Rodrigo Maia. Foto de Divulgação
A deputada Joênia Wapichana entrega petição ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Foto de Giovanni Mockus/ Divulgação

Cerca de 10 mil km² são devastados na região por ano, o que corresponde a 1 milhão de campos de futebol – área equivalente a quase duas cidades de Brasília. Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) confirmam que o Cerrado está sendo desmatado cinco vezes mais rápido que a Amazônia, que é um bioma com o dobro de extensão.

O Cerrado está, particularmente, mais vulnerável, pois é menos protegido que a Amazônia, por exemplo, no âmbito do Código Florestal

“O Cerrado está, particularmente, mais vulnerável, pois é menos protegido que a Amazônia, por exemplo, no âmbito do Código Florestal”, destacou Mercedes Maria da Cunha Bustamante, bióloga e professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB). Em Brasília, ao participar da abertura do IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, ela destacou que o bioma tem um percentual menor de áreas protegidas e sofre maior pressão de expansão do agronegócio, principal vetor de conversão de áreas naturais no Cerrado.

Cerrado. ACERVO ISPN BENTO VIANA
As populações tradicionais do Cerrado estão sofrendo com a extinção de diversos órgão no âmbito federal. Foto de Bento Viana/ Acervo ISPN

Considerado a “caixa d´água” do país, por abrigar oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras e responsável por abastecer seis das oito grandes bacias hidrográficas, o Cerrado ainda conta com grande diversidade social que depende da conservação dos recursos naturais para sobreviver. São povos indígenas, num total de 80 etnias, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e quebradeiras de coco babaçu. O bioma abriga cerca de 25 milhões de pessoas.

Nestes oito meses de governo, os povos tradicionais vêm sofrendo na pele com as decisões tomadas pelo presidente Bolsonaro. Com o fim da Secretaria de Extrativismo, por exemplo, o temor é que a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas tenha o mesmo fim. “Sem uma atuação responsável do setor na busca do balanço entre as várias demandas de uso do território, os conflitos tendem a se acentuar e os prejuízos afetarão o próprio setor do agronegócio”, alertou a bióloga.

Altera o nosso modo de vida e a prática da agricultura tradicional. Há mudanças de comportamentos e de hábitos, principalmente por parte dos jovens. Eu não sou contra. O problema é que eles violentam o nosso modo de viver e não levam em consideração a diversidade que há entre os povos indígenas

As represálias contra os povos indígenas já foram traduzidas em números pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi): seis invasões e ameaças de invasão nestes primeiros oito meses de governo. O cerco feito pelo agronegócio, “altera o nosso modo de vida e a prática da agricultura tradicional. Há mudanças de comportamentos e de hábitos, principalmente por parte dos jovens. Eu não sou contra. O problema é que eles violentam o nosso modo de viver e não levam em consideração a diversidade que há entre os povos indígenas”, externou preocupação Hiparidi Toptiro, coordenador geral da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC).

A nossa luta é comum à luta dos indígenas e de todos os povos tradicionais. Nossos territórios são os mais conservados. Precisamos do Cerrado não só para a nossa sobrevivência, mas pra a sobrevivência de todos. Conservar o Cerrado é dever de todos os brasileiros

Desde que passou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a alçada da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf), o povo quilombola perdeu a paz. “Nós lutamos para fazer valer os nossos direitos previstos na Constituição Federal. Nós temos direito de continuar em nossas terras, de cultivar a partir dos nossos modos de vida, como nós aprendemos com os nossos ancestrais. E isso precisa ser respeitado”, destacou Sandra Pereira Braga, coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). Sandra vive no Quilombo Mesquita, localizado na Cidade Ocidental (GO): “A nossa luta é comum à luta dos indígenas e de todos os povos tradicionais. Nossos territórios são os mais conservados. Precisamos do Cerrado não só para a nossa sobrevivência, mas pra a sobrevivência de todos. Conservar o Cerrado é dever de todos os brasileiros”.

*A repórter viajou a convite da Action Aid 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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