Tempos novos, carros novos

A Tesla, único fabricante americano de automóveis exclusivamente elétricos, também vem acelerando seus processos. Foto de Zhou Junxiang/Imaginechina

Veículos autônomos se preparam para ocupar as ruas

Por José Eduardo Mendonça | Mobilidade UrbanaODS 16 • Publicada em 9 de setembro de 2016 - 09:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 22:56

A Tesla, único fabricante americano de automóveis exclusivamente elétricos, também vem acelerando seus processos. Foto de Zhou Junxiang/Imaginechina
A Tesla, único fabricante americano de automóveis exclusivamente elétricos, também vem acelerando seus processos. Foto de Zhou Junxiang/Imaginechina
A Tesla, único fabricante americano de automóveis exclusivamente elétricos, também vem acelerando seus processos. Foto de Zhou Junxiang/Imaginechina

Em 1962, ao lançarem sua série de animação Os Jetsons, a genial dupla Hanna-Barbera projetou uma utopia em um futuro no qual a automação tinha lugar em todo canto. Previram pessoas voando em transporte pessoal. Uma imagem possível vislumbrar dada a tecnologia da época, mas impraticável. Mas esta mesma tecnologia ainda não deixava território para uma outra inovação: carros que dirigiam a si mesmos.

No ano passado, o Uber contratou 50 pessoas do Centro Nacional Carnegie Mellon de Engenharia Robótica, e os carros vinham sendo estudados antes de meados do ano. A Bloomberg Businessweek diz que os novos carros serão acessados como os outros da companhia, através de seu app, e que por um tempo as corridas serão de graça. Serão 200 veículos até o final do ano.

Pouco mais de 54 anos depois, anuncia-se que o Uber vai colocar nas ruas sua primeira frota de carros automatizados, em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Logo, eles poderão ser chamados na cidade, embora por enquanto ainda venham com motoristas humanos. Os motoristas de verdade, claro, estão furiosos, da mesma forma que ficam taxistas em todo mundo com a chegada da empresa e seu modelo de negócios.

No ano passado, o Uber contratou 50 pessoas do Centro Nacional Carnegie Mellon de Engenharia Robótica, e os carros vinham sendo estudados antes de meados do ano. A Bloomberg Businessweek diz que os novos carros serão acessados como os outros da companhia, através de seu app, e que por um tempo as corridas serão de graça. Serão 200 veículos até o final do ano.

Os Volvos XC90, modificados, são equipados com dezenas de sensores que usam câmeras, lasers, radar e receptores de GPS. As duas empresas têm um pacto de gastar US$ 300 milhões para desenvolver um carro totalmente autônomo que estará nas ruas em 2021. Este acordo não é exclusivo.

As mudanças vão ser muitas, a começar pelo mercado de trabalho. O Uber tenta automatizar um setor que tinha 1,8 milhão de empregos em 2014, tensionando ainda mais uma preocupação existente.

No começo deste ano, a comissão paga aos motoristas Uber já havia sido reduzida. E a tendência é que eles sejam completamente varridos do mapa. Ou seja, estão ajudando a financiar seu próprio desaparecimento.

O CEO da Uber, Travis Kalanic, acha que o próximo passo é fabricar seus próprios carros autônomos, mas isto está distante. Calcula-se que cada um deles, partilhado, pode suplantar até dez carros, podendo cortar o número de veículos nas ruas em 65% durante as horas de pico.

Serão necessários novos componentes para a revolução, e o setor automotivo terá de passar por um processo de padronização para ganhar escala. A Ford, por exemplo, vai expandir seu centro de pesquisa no Vale do Silício junto com a chinesa Baidu e investe U$ 175 milhões para o desenvolvimento de sensores de luz e distância. A Nvidia, conhecida pelos chips usados em games de alto desempenho, está levando para as montadoras processadores gráficos para testes.

O Google, pioneiro no conceito de carros autônomos, desenvolve chips chamados unidades de processamento de tensores, destinados a acelerar aplicativos de seus data centers. A Tesla, único fabricante americano de automóveis exclusivamente elétricos, também acelera seus processos. E os desenvolvedores tradicionais de chips, como Qualcomm, ganharão mais segmentos de mercado. Mas todos estes componentes terão de encolher, para que veículos não tenham de ter um data center no banco de trás.

As tentativas de padronização não implicam que não exista um grau de incerteza no setor. O que já se sabe, porém, é que o papel dos veículos autônomos com relação à economia, mobilidade e sociedade pode ser profundo. A consultoria McKinsey ouviu mais de 30 especialistas na Europa, Estados Unidos e Ásia sobre estes impactos, e o estado de desenvolvimento e adoção, agora e no futuro.

É pouco provável que veículos totalmente autônomos estejam nas ruas antes de 2022, mas são uma realidade em aplicações em ambientes controlados, como mineração. Esta autonomia permite, por exemplo, a redução de CO2, com a otimização do ato de dirigir. No médio prazo (até 2040), caminhões serão os primeiros com tecnologia plena nas estradas.

Há muito mais em jogo que apenas os veículos autônomos. Para dar mais clareza e segurança ao desenvolvimento de um novo setor, as montadoras em todo o mundo vão ter que definir suas posições estratégicas nos próximos dois a três anos. Além dos carros autônomos, há diversas outras tecnologias e modelos de negócio no mercado, estão atraindo investimentos e experimentando taxas altas de crescimento, como no caso do próprio Uber.

A visão que a dupla Hanna-Barbera tinham, em 1962, de como seriam os carros do futuro. Foto Kobal /The Picture Desk
A visão que a dupla Hanna-Barbera tinham, em 1962, de como seriam os carros do futuro. Foto Kobal /The Picture Desk

Em uma segunda fase de adoção, no caso dos carros autônomos, seguradoras terão de alterar seus modelos de negócio, focando principalmente em proteger fabricantes de acidentes causados por falhas técnicas. Montadoras mudarão suas redes de fornecedores, otimizando a logística na medida em que usarem automação para aumentar eficiência e flexibilidade.

Em uma terceira fase, motoristas terão muito mais tempo livre. Carros autônomos podem liberar até 50 minutos por dia, que podem ser usados para trabalhar, relaxar ou até jogar videogames. Somado, globalmente, este tempo chegaria a um bilhão de horas. As taxas de acidentes cairão e os novos veículos acelerarão o desenvolvimento da robótica para outras aplicações.

“Estamos finalmente chegando naquele momento seminal da história humana na qual podemos falar com nossas máquinas e elas nos entenderão em linguagem regular e natural”, diz Erik Brynjolfsson, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Os impactos serão muito mais amplos do que se descreveu até agora. Com mobilidade partilhada, serviços de conectividade e desenvolvimentos futuros, novos modelos de negócios gerariam 30% a mais de receita para o setor automotivo, ou US$ 1,5 trilhão. Apesar das mudanças, as vendas de unidades vão continuar a crescer, mas provavelmente a uma taxa menor, de 2% ao ano (hoje é de 3,6%). As áreas urbanas densas, com uma base  estabelecida de veículos, serão o território fértil para estes novos serviços de mobilidade. Podem resultar em vendas mais baixas de veículos privados, mas a queda deverá ser compensada pela venda maior de veículos partilhados, que necessitarão ser trocados com maior frequência pela maior utilização e desgaste.

O comportamento do consumidor está mudando, fazendo com que potencialmente um de cada 10 carros vendidos em 2030 seja um carro partilhado.

O tipo de cidade vai substituir país ou região como a mais importante dimensão de segmentação a determinar o comportamento da mobilidade e a determinar a velocidade e a amplitude da revolução automotiva.

Resolvidos os problemas tecnológicos e regulatórios, até 15% de novos carros vendidos em 2030 podem ser plenamente autônomos. Os carros elétricos se tornam viáveis e competitivos, mas a velocidade de sua adoção vai variar fortemente a nível local.

E quem já está no mercado vai mudar de postura, em um cenário mais complexo e diversificado. Vão competir simultaneamente em diversas frentes e cooperar com a concorrência.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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