Descobridores do Zika no Brasil enfrentam escassez de financiamento

Primeiros a identificar vírus na América Latina, pesquisadores da Ufba superam dificuldades e detectam causa de meningite viral

Por Thais Borges | ODS 3ODS 4 • Publicada em 1 de junho de 2019 - 10:35 • Atualizada em 4 de junho de 2019 - 15:16

O virologista Gúbio Soares no labóratío do do Instituto de Ciências da Saúde da Ufba: financiamento só veio depois da descoberta do Zika vírus no Brasil e pesquisas ainda sofrem com escassez de recursos (Foto: Christophe Simon/AFP)
O virologista Gúbio Soares no labóratío do do Instituto de Ciências da Saúde da Ufba: financiamento só veio depois da descoberta do Zika vírus no Brasil e pesquisas ainda sofrem com escassez de recursos (Foto: Christophe Simon/AFP)

O trabalho do virologista Gúbio Soares já era conhecido. As pesquisas sobre a dengue já tinham colocado o Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde (ISC), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), do qual é um dos coordenadores, entre as referências de sua área. Não foi à toa que, em março de 2015, foi procurado por um amigo infectologista para ajudar a responder uma incógnita.

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Era o início de uma das principais descobertas científicas da história recente da Ufba e que levou a instituição às principais manchetes nacionais: a descoberta do Zika vírus na América Latina. Naquele contexto inicial, ninguém sabia do que se tratava. Os sintomas eram parecidos com o de muitas doenças tropicais – febre, dor nos olhos e articulações, coceira, pele cheia de marcas vermelhas.

No entanto, os casos crescentes em Camaçari, cidade da Região Metropolitana de Salvador e uma das maiores do estado, chamavam atenção. Nas emergências lotadas, alguns pacientes chegavam dizendo que era um problema de contaminação na água. Nos consultórios, reclamavam da empresa de abastecimento local.

O médico levou 25 amostras de pacientes para o professor Soares e para a professora Sílvia Pardi, também coordenadora do laboratório, que deram início a uma investigação minuciosa. Ao contrário dos pacientes, os pesquisadores não suspeitavam da água. Desde o início, presumiam que era algo transmitido por um inseto. Testaram para mais de 10 doenças infecciosas. Por fim, cinco amostras deram positivo para Zika.

O nosso legado para a Ufba é mostrar que todo investimento feito na Ufba resulta num bem para a sociedade. O legado também é mostrar a qualidade do nível dos pesquisadores da Ufba, porque a descoberta do Zika coloca nosso laboratório a nível internacional, ao lado de universidade americanas, inglesas ou alemãs

Eles continuaram as análises. Amostras vinham de outros municípios baianos, inclusive Salvador. Fizeram testes com o método conhecido como RT-PCR, que significa reação de transcriptase reversa. Em termos gerais, é uma técnica de biologia molecular que identifica o material genético do vírus. No dia 28 de abril daquele ano, chegaram à conclusão final: a doença era mais uma ‘arbovirose’ transmitida por mosquitos como o Aedes aegypti, o mesmo da dengue, da Chikungunya e da febre amarela.

“Já existiam casos similares desde outubro de 2014 no Nordeste, mas o Ministério da Saúde não sabia o que era. Quando descobri que era o Zika vírus, comuniquei ao ministério. Pegaram minhas informações e pediram que enviasse minhas amostras. O (então) ministro (Arthur) Chioro confirmou que era isso e que nosso trabalho era algo sério, importante para o país e para a humanidade”, lembra Soares.

A descoberta foi publicada e o trabalho foi conhecido no mundo inteiro. Em poucos meses, a ex-doença misteriosa se tornaria uma epidemia nacional e o vírus ainda se espalharia por mais de 40 países. No ano seguinte, o Zika seria ainda o causador de outro drama nacional: em uma situação inédita no mundo, o vírus mostraria ter relação com a microcefalia em milhares de recém-nascidos.

O que nem todo mundo sabe é que, para encontrar o Zika, o Laboratório de Virologia não recebeu nenhum financiamento específico. Em 2015, não houve nenhum apoio do governo – seja federal ou estadual – para que continuassem pesquisando o vírus.

“A gente foi na raça, com o material que a gente tinha. Como a gente já trabalhava com dengue, tinha os reativos que poderiam ser usados para outros arbovírus. Já tínhamos os kits de biologia molecular. E o nosso laboratório continuou do mesmo jeito”, conta o pesquisador.

Os recursos só chegaram em setembro de 2016, quando o professor Soares ganhou um edital da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma fundação do Ministério da Educação (MEC). E isso só porque concorreu – como qualquer pesquisador do país. Com esse dinheiro, conseguiram bolsas para estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado.

Os professores Silvia Sardi Gúbio Soares, coordenadores do projeto sobre o Zika Vírus: identificação no sêmen, na urina e, agora, com causa de meningite (Foto: Divulgação/Ufba)
Os professores Silvia Sardi Gúbio Soares, coordenadores do projeto sobre o Zika Vírus: identificação no sêmen, na urina e, agora, com causa de meningite (Foto: Divulgação/Ufba)

Desde então, mesmo com financiamento escasso, o Laboratório de Virologia, que completou 19 anos, tem liderado pesquisas importantes sobre o Zika e suas consequências. O vírus já foi detectado por eles na saliva humana, na urina e, mais recentemente, foi identificado também como a razão de uma meningite viral.

Esse último foi detectado a partir da pesquisa de uma estudante de mestrado. Um artigo com mais detalhes sobre o achado deve ser publicado nos próximos meses. De 260 amostras coletadas no Hospital Couto Maia, que é referência para o tratamento de doenças infecciosas e parasitárias na Bahia, 16% deram positivo para o Zika vírus.

Em paralelo aos estudos com o Zika, o grupo continua estudando outras doenças. Desde 2015, também foram eles quem encontraram o vírus da Chikungunya no sêmen de um homem adulto e também no leite materno.

Os pesquisadores também foram responsáveis por encontrar o vírus da febre oropouche na Bahia. Transmitido pelo mosquito Culicoides paraenses (o popular ‘maruim’), o vírus é pouco conhecido no Brasil e nunca tinha sido registrado no estado. Os sintomas da oropouche incluem febre, mal-estar e dor de cabeça.

“O nosso legado para a Ufba é mostrar que todo investimento feito na Ufba resulta num bem para a sociedade. O legado também é mostrar a qualidade do nível dos pesquisadores da Ufba, porque a descoberta do Zika coloca nosso laboratório a nível internacional, ao lado de universidade americanas, inglesas ou alemãs”, analisa Gúbio Soares.

Pesquisador desde que o segundo semestre da graduação em Farmácia, o professor Soares vê com preocupação o cenário de contingenciamento de repasses do MEC às instituições federais de ensino. Atualmente, a Ufba passa por problemas financeiros. A própria reitoria já admitiu que tem dificuldades para pagar contas de água, luz, limpeza e vigilância – diretamente ligadas ao orçamento de custeio, que sofreu a maior parte da redução de recursos.

“Nós ficamos preocupados porque sempre trabalhamos com pouco dinheiro, mas sempre tivemos uma infraestrutura garantida. Hoje, a Ufba corre sérios riscos”, reflete. Ele explica que a falta de serviços básicos pode atrapalhar a rotina do laboratório, que é intensa. “Chego normalmente às 8h30 e saio 19h, 20h. Vou sempre aos sábados e a professora Sílvia também vai todos os sábados, porque, às vezes, durante a semana, a gente não dá conta”, explica que, trabalha ao todo, o Laboratório de Virologia conta com 15 pesquisadores associados, entre estudantes de graduação, mestrado e doutorado.

15/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância  das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil.

Thais Borges

Thais Borges é jornalista e baiana. Trabalha no Correio*, em Salvador, e gosta de escrever sobre o cotidiano.

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