Brasil: uma potência submergente

Em tempos de G20, país segue perdendo relevância no cenário internacional

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 8 • Publicada em 5 de dezembro de 2018 - 08:11 • Atualizada em 8 de dezembro de 2018 - 14:44

O presidente Michel Temer, ao lado do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, saúda o presidente americano Donald Trump. Foto Ludovic Marin/AFP
O presidente Michel Temer, ao lado do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, acompanha a passagem do americano Donald Trump. Foto Ludovic Marin/AFP
O presidente Michel Temer, ao lado do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, acompanha a passagem do americano Donald Trump. Foto Ludovic Marin/AFP

O Brasil e os maiores países do mundo se reuniram na Cúpula do G20 em Buenos Aires, nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro de 2018. A expectativa era grande, pois o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) rebaixou as projeções do crescimento global em 2018 e 2019 e a persistente guerra comercial entre os Estados Unidos (EUA) e a China ameaça jogar a economia internacional em uma nova recessão, exatos 10 anos após a quebra do banco Lehman Brothers, que deu início à crise de 2008 e 2009, maior recessão ocorrida desde a Segunda Guerra Mundial.

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Desde 1981, a economia brasileira cresce menos do que a média da economia internacional e muito menos do que a média dos países emergentes. Em termos relativos, o Brasil diminui de tamanho em relação ao resto do mundo

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As reuniões dos chefes de Estado do G20 tiveram início exatamente em 2008, constituindo o fórum mais amplo para tratar da governança global, antes limitado ao G8 (os 7 países capitalistas mais ricos mais a Rússia). O G20 teve papel importante na superação da última recessão mundial, contudo, não tem se mostrado à altura do momento atual e parece não estar preparado para lidar com os desafios econômicos, sociais e ambientais que se descortinam no horizonte.

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O mundo desgovernado

O comunicado final da Cúpula da Argentina, divulgado pelo presidente Maurício Macri, não foi capaz de condenar o protecionismo comercial e nem incluiu a palavra multilateralismo no documento de consenso. Nada foi dito sobre a presença do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman (MbS), que tem sido acusado de crime contra a humanidade devido a interferência saudita na guerra do Iêmen, assim como foi acusado pela própria Agência de Inteligência dos EUA de ser o mandante do assassinato do  jornalista saudita (e opositor ao regime) Jamal Khashoggi, no consulado da Arábia Saudita, em Istambul, no dia 2 de outubro de 2018. Também não foram questionadas as últimas medidas adotadas por Vladimir Putin contra a soberania da Ucrânia.

O G20 abdicou da busca de soluções para evitar uma guerra comercial e os problemas foram terceirizados para a Organização Mundial de Comércio ou deixadas para o entendimento bilateral entre as duas potências globais (o chamado G2). Assim, após o término dos trabalhos coletivos, os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, com suas respectivas equipes, reuniram-se num jantar fechado, na noite de sábado. Horas depois foi anunciada uma trégua de 90 dias, sendo que a Casa Branca se propôs manter as tarifas sobre as importações da China em 10%, prometendo não aplicar as taxas de 25% sobre um total de 200 bilhões de dólares das exportações chinesas, enquanto a China se prontificou a comprar produtos agrícolas e industriais dos EUA com o objetivo de reduzir o desequilíbrio comercial entre os dois países.

Os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, com suas respectivas equipes, reunidos em um jantar fechado durante o encontro do G20. Foto Saul Loeb/AFP
Os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, com suas respectivas equipes, reunidos em um jantar fechado durante o encontro do G20. Foto Saul Loeb/AFP

Na questão ambiental, a declaração final destacou a irreversibilidade do Acordo de Paris, mas os EUA (o segundo maior emissor de gases de efeito estufa) se manteve em desacordo com o consenso global. O G20 também prometeu avançar nas áreas de migração e de refugiados. Todavia, as restrições à livre mobilidade das pessoas continuam fortes em todo o mundo, sendo que milhares de pessoas da caravana de imigrantes de países da América Central estão alojadas, em péssimas condições humanitárias, na cidade de Tijuana, no México, enquanto o presidente dos EUA coloca o exército na fronteira e tenta construir um muro para barrar o fluxo de imigrantes.

Desta forma, os resultados da Cúpula do G20 na Argentina foram bastante modestos comparados com os anos anteriores, mostrando que a governança global está em crise e ao invés de um fortalecimento das alianças multilaterais, o quadro internacional é de desgoverno e salva-se quem puder.

O Brasil no G20

O presidente brasileiro Michel Temer teve presença apagada e não fez nenhuma reunião bilateral relevante. Ele se limitou a participar de uma reunião do grupo BRICS – quando apoiou a declaração sobre a irreversibilidade do Acordo de Paris – e decidiu voltar ao Brasil antes do encerramento oficial do evento. O presidente eleito Jair Bolsonaro – que tem dado declarações contra o multilateralismo, contra o Acordo de Paris e a favor de um alinhamento preferencial com os EUA – foi convidado, mas alegou complicações de saúde para não viajar à Buenos Aires (embora tenha ido à São Paulo participar da entrega da taça de campeão ao Palmeiras).

O isolamento ou o alinhamento unilateral do Brasil na comunidade das nações não é a melhor alternativa para o país diante do complexo quadro de interesses regionais e nacionais. Existe uma mudança da correlação de forças globais. A tabela abaixo, com dados do Fundo Monetário Internacional, mostra alguns indicadores demográficos e econômicos (em poder de paridade de compra – ppp, na sigla em inglês) para os 19 países do G20 (a União Europeia é o vigésimo membro e não entrou na tabela para não ter dupla contagem). Os 19 países têm, em conjunto, uma população de 4,5 bilhões de habitantes (60,2% dos 7,6 bilhões da população mundial) e um PIB conjunto de US$ 99,3 trilhões, representando 73,5% do PIB total.

População, PIB, Participação no PIB mundial e PIB per capita para os países

do G7, do G12, do G19 e para o total global: 2018

Países e grupos de países População (milhões de habitantes) PIB (em bilhões de US$ ppp) Participação no PIB mundial PIB per capita (em US$ ppp)
Total do G7 767,2 40.642,04 30,1 52.975,12
Estados Unidos 328,4 20.412,87 15,1 62.152,07
Japão 126,5 5.619,49 4,2 39.567,25
Alemanha 82,8 4.373,95 3,2 47.026,31
Reino Unido 66,5 3.028,57 2,2 40.582,41
França 65,1 2.960,25 2,2 40.500,51
Itália 60,8 2.399,83 1,8 35.179,56
Canada 37,1 1.847,08 1,4 44.331,33
Total do G12 3.777,2 58.616,13 43,4 15.518,41
China 1.397,0 25.238,56 18,7 16.090,58
Índia 1.334,2 10.385,43 7,7 6.932,58
Rússia 144,0 4.168,88 3,1 25.790,56
Indonésia 265,3 3.492,21 2,6 11.722,90
Brasil 209,2 3.388,96 2,5 14.427,55
México 124,7 2.571,68 1,9 18.361,87
Turquia 81,9 2.320,64 1,7 25.246,41
Coreia do Sul 60,8 2.138,24 1,6 36.861,34
Arábia Saudita 33,0 1.844,75 1,4 49.749,99
Austrália 25,1 1.312,53 1,0 46.482,87
Argentina 44,6 959,53 0,7 19.174,18
África do Sul 57,4 794,71 0,6 12.326,51
Total do G19 4.544,4 99.258,17 73,5 26.278,24
Mundo 7.550,2 134.981,04 100,0 17.878,28

Fonte: FMI, WEO, abril/2018 http://www.imf.org/external/datamapper/datasets/WEO

Nota-se que, em 2018, o G12 (países emergentes, na definição do FMI) com uma população de 3,8 bilhões de habitantes e um PIB de US$ 58,6 trilhões, já era bem maior do que o G7 (economias avançadas) que tinha um total de 767,2 milhões de habitantes e um PIB de US$ 40,6 trilhões. Ou seja, o G12 representa 43,4% do PIB global e o G7 representa 30,1% do PIB global.

Em termos de renda per capita (também em ppp), o G7, com renda de US$ 52,9 mil, leva uma grande vantagem sobre o G12, com renda de US$ 15,5 mil. No total, em 2018, a renda per capita do G19 é de US$ 26,3 mil, bem superior à renda per capita mundial de US$ 17,8 mil.

A maior renda per capita é a dos EUA, com um valor de US$ 62,1 mil e a menor renda per capita é a da Índia, com um valor de US$ 6,9 mil. O Brasil tem a 5ª maior população, mas apenas a 16ª posição em termos de renda per capita (só ganhando da Índia, Indonésia e África do Sul). Portanto, mesmo considerando que o Brasil é uma potência regional na América Latina, é um país de renda média, que se destaca muito mais pelo tamanho de sua população e de seu território, do que pela qualidade da sua economia ou pelo bem-estar e desenvolvimento de sua sociedade.

A dinâmica demográfica e econômica dos países do G20

A tabela apresentada acima fornece uma ilustração estática da posição relativa dos países no ano de 2018. Para se ter uma ideia da evolução nacional nas últimas quatro décadas, os gráficos apresentados a seguir, também com dados do FMI, mostram a evolução da participação da população e do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país no total global, no período compreendido entre 1980 a 2023.

A China possui a maior população e o maior PIB do mundo atualmente. O gigante asiático apresentou um crescimento fenomenal nas últimas 4 décadas e, a despeito da queda relativa do peso da população (que representava mais de 20% da população mundial e agora representa menos de 20%), o PIB chinês deu um salto de 2,3% do PIB mundial em 1980 para 18,7% em 2018, devendo chegar a 20,8% em 2023. A renda per capita chinesa que estava muito abaixo da média mundial, está no rumo de ultrapassar a renda per capita mundial.

Os gráficos seguintes mostram que todos os países do G7, mais a Rússia, tiveram perda relativa do peso da população (ou seja, a população destes países cresceu menos do que a média da população mundial) e também perda relativa do PIB (o crescimento econômico destes países foi menor do que o crescimento médio da economia mundial). Contudo, todos os 8 países possuem uma participação relativa do PIB maior do que a participação relativa da população. Isto quer dizer que eles possuem renda per capita nacionais acima da renda per capita mundial. Ao contrário da China que está em ascensão, são países que estão em declínio relativo, mas que são ricos e possuem alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A Coreia do Sul é o exemplo perfeito de um país emergente, pois tinha renda per capita nacional abaixo da renda per capita mundial no início da década de 1980 e teve um grande crescimento relativo do PIB, a despeito da perda relativa da população. Entre 1980 e o ano 2000 a Coreia do Sul se tornou um país rico (alto IDH) e tem se mantido nesta posição desde então. A Turquia aumentou a participação relativa não só da população, mas também da economia. Com uma renda per capita acima de US$ 25 mil, a Turquia está a caminho de ser um país rico e com alto IDH, caso mantenha as tendências recentes de crescimento.

A Arábia Saudita teve um grande crescimento relativo da população e uma redução relativa do PIB (devido à queda do preço do petróleo), mas continua sendo um país de alta renda. Já a Austrália manteve o tamanho relativo da população e teve uma redução relativa do PIB, mas continua sendo uma economia de alta renda e apresenta um dos 5 maiores IDHs do mundo.

O México e a Argentina não tiveram grandes alterações relativas do peso de suas populações, mas tiveram queda relativa do PIB. Contudo, os dois países continuam tendo renda per capita acima do valor da média da renda per capita mundial. São países de renda média, mas estão em posição superior à média global.

A Índia e a Indonésia são casos de países de renda média baixa, mas que estão a caminho de atingir uma renda per capita acima da média mundial, podendo, inclusive, tornarem-se economias ricas, caso mantenham as tendências de desenvolvimento dos últimos 40 anos. Ambos os países tiveram crescimento relativo da população, mas, principalmente, tiveram crescimento relativo do PIB. A Indonésia (que já ultrapassou o PIB brasileiro em valor absoluto) caminha para ultrapassar o Brasil em termos de renda per capita, pois tem uma economia mais dinâmica e que cresce acima da média global.

A Índia (que já é a terceira economia do mundo quando medida em poder de paridade de compra – ppp) apresenta um dos maiores crescimentos econômicos da comunidade internacional. A Índia contemporânea cresce mais do que a China e, embora tenha a renda per capita mais baixa do G20, apresenta uma mobilidade ascendente que contrasta com o baixo desempenho dos países do G7 e da maioria dos países do G20.

Os dois grandes destaques (negativos) do G20 são o Brasil e a África do Sul, pois são os dois países que tinham renda per capita acima da média mundial, mas que tiveram perdas relativas tão grandes que atualmente possuem renda per capita abaixo da média global e com tendência de declínio. A África do Sul tem a terceira menor renda per capita e o Brasil tem a quarta menor renda per capita do G20. Mas enquanto a Índia e Indonésia (as menores rendas per capita) estão em processo de crescimento, o Brasil e a África do Sul estão em processo de decrescimento e de declínio relativo. O Brasil é a maior economia da América Latina e a África do Sul é uma das maiores economias do continente africano. Ambos os países fazem parte do grupo BRICS (incluindo Rússia, Índia e China) e também do G20. São duas nações estratégicas do mundo em desenvolvimento, mas, nas últimas décadas, estão presas na armadilha do baixo crescimento. Por isto, podem ser consideradas “potências” submergentes do G20.

Brasil: de país emergente a potência média submergente

Em 1822, quando da Independência do Brasil, o país tinha uma população de cerca de 4,5 milhões de habitantes, representando 0,4% da população mundial e um PIB também representando 0,4% da economia mundial. Ao longo das décadas seguintes o Brasil cresceu em termos demográficos e econômicos até se transformar na 5ª maior população global e ficar situado entre as 10 maiores economias do mundo. O pico da participação brasileira foi em 1980 quando tinha 2,8% da população e 4,3% no PIB mundial.

Mas a partir de 1981 a curva se inverteu e o país começou a crescer, consistentemente, abaixo da média mundial. Com a grande recessão ocorrida no governo Figueiredo, entre 1981 e 1983, a participação relativa caiu para 3,8% e voltou a subir com a retomada do crescimento e o Plano Cruzado, atingindo 4,2% em 1986. A partir de então, a trajetória de declínio foi se acentuando, atingiu 3,2% no ano 2000, chegou a 2,5% em 2018 e deve cair para 2,3% do PIB mundial em 2022, nos duzentos anos da Independência.

Ou seja, em pouco mais de 4 décadas o PIB brasileiro terá se reduzido, praticamente, pela metade, em relação ao valor de 1980, enquanto a população se manteve em torno de 2,8% do total global. A renda per capita brasileira que estava acima da renda per capita mundial agora encontra-se abaixo. Ou seja, o brasileiro médio atual é mais pobre que o cidadão médio global. No Índice de Desenvolvimento Humano, de 2017, o Brasil apresentou valor de 0,759 e ficou em 79º lugar no ranking global.

O sonho de transformar o Brasil no país do futuro com alto padrão de vida para os seus habitantes está cada vez mais distante da realidade. O Brasil está preso na armadilha do baixo crescimento e com a produtividade econômica estagnada desde o último governo da ditadura militar, passando por todos os governos da chamada Nova República. Desde 1981, a economia brasileira cresce menos do que a média da economia internacional e muito menos do que a média dos países emergentes. Em termos relativos, o Brasil diminui de tamanho em relação ao resto do mundo.

Para mudar esta triste realidade, que transformou o Brasil de potência média emergente em potência média submergente, não basta apenas uma revolução interna, pois também seria necessária uma inserção soberana no processo de globalização e uma participação construtiva nos fóruns multilaterais para criar uma sinergia com todos os países, especialmente aqueles das regiões mais dinâmicas. Infelizmente, o atual governo não tem tido a força e nem a clarividência de interagir de forma relevante na integração regional e internacional. Para piorar o quadro, o próximo governo, que toma posse em janeiro, decidiu não sediar a Conferência do Clima (COP-25), arrisca alijar o apoio dos países árabes ao propor transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, tem se posicionado contra o Mercosul, além de colocar o nacionalismo em oposição ao multilateralismo.

Nenhuma dessas medidas contribui para reverter o processo de apequenamento da economia brasileira que já dura cerca de quatro décadas. Neste período, o que tem diferenciado um governo do outro é o grau e a rapidez da trajetória submergente. Dificilmente este quadro irá mudar. Portanto, o que fica em aberto é se nos próximos quatro anos o novo governo instalado no Palácio do Planalto irá acelerar ou desacelerar a trajetória de declínio relativo da economia e da sociedade brasileira, especialmente neste momento em que impera o clima de mudanças e desgoverno na velha ordem internacional.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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