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Baleias cariocas: o desafio de conservação para manter o corredor azul longe do turismo predatório
Jubartes voltam a ser avistadas no litoral do Rio de Janeiro em rota migratória e de reprodução, despertando o interesse de observadores, mas ainda sem regulação específica no estado
Está comprovado: é impossível ser indiferente ao salto de uma baleia fora d’água. Não importa quantas vezes sejam avistadas. No dia 24 de julho, durante o pico da temporada de observação e monitoramento, a entrada para o píer da Marina da Glória já estava cheia às 5h30 da manhã. O sol ainda nem tinha nascido e saiam duas operadoras com turistas, educadores e pesquisadores a bordo das expedições.
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O motivo? O aumento da visibilidade e da população de jubartes passando em nosso litoral, em especial próximo às Ilhas Cagarras e Águas do Entorno, local reconhecido como pontos de esperança pela Mission Blue (Aliança Mundial para a Conservação Marinha) por sua alta biodiversidade. Somente em um dia, 10 baleias foram avistadas.
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Veja o que já enviamosDesde o início da temporada, as duas operadoras já haviam transportado quase 1000 pessoas e havia mais 150 na fila de espera para próximas datas com a Nas Marés. A observação começou em meados de junho e vai até este mês de agosto. Este é o segundo ano de operação e a tendência é de crescimento na procura para os próximos anos. Majoritariamente: turistas brasileiros.
Da Antártica até Abrolhos
As baleias jubarte são animais altamente migratórios, o que significa que elas percorrem grandes distâncias para completar seu ciclo de vida. A população que se reproduz ao longo da costa brasileira migra anualmente para os mares antárticos para se alimentar durante o verão, e retornam para nossas águas no inverno e primavera para acasalar, parir e amamentar seus filhotes – uma jornada de ida e volta de quase 9.000 km, segundo o Projeto Baleia Jubarte. Na costa brasileira, elas passam do litoral de São Paulo ao Rio Grande do Norte.
A população, que chegou a ter cerca de 1.000 animais na década de 1980, hoje está em franca recuperação da caça predatório, com um número estimado de 35 mil baleias. Essa contagem é feita através do padrão na nadadeira caudal que funciona como se fosse a impressão digital das jubartes. Para isso, a fotografia tem papel fundamental no monitoramento, por isso o site do projeto tem uma área destinada a receber doações de fotoidentificação para o banco de dados.
Os números positivos refletem um esforço coletivo de conservação e resultado da vitória de pesquisadores, ambientalistas e poder público. A caça comercial de baleias foi proibida em 1986 pela Comissão Baleeira Internacional. No Brasil, a lei federal n.º 7643 proibiu a pesca e qualquer forma de molestamento intencional de cetáceos (baleias, botos, golfinhos, cachalotes, orcas) em águas brasileiras já no ano seguinte. Os animais – que têm um filhote a cada dois anos – em 2014, foram retirados da Lista Oficial de Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção.
Liliane Lodi, doutora em Biologia Marinha, pesquisadora do Projeto Baleia Jubarte e do Instituto Mar Adentro, contou à reportagem que, desde 2022, foram ministrados cursos e oficinas de capacitação na Marina da Glória sobre as normas para operadores de turismo que oferecem o serviço. A bióloga marinha também publicou um livreto com material educativo para a observação de cetáceos na cidade do Rio de Janeiro, disponível online com ações para a conservação e dicas práticas. “Os cetáceos são acolhidos e apreciados em todo o mundo. São valorizados como espécies sensíveis, inteligentes, sociais e inspiradoras. Portanto, não devemos negar às futuras gerações a oportunidade de vivenciá-los”, relata na publicação.
As baleias têm inclusive papel importante na mitigação das mudanças climáticas e na fertilização marinha. As fezes (ricas em ferro) e a urina (que contém nitrato, composição de nitrogênio e oxigênio) favorecem a proliferação do fitoplâncton. Essa proliferação retira carbono do ar atmosférico por meio da fotossíntese, aumentando a produtividade da cadeia alimentar marinha e, consequentemente, a produtividade pesqueira. O turismo embarcado para a observação de cetáceos no ambiente natural, é uma forma de agregação e sensibilização ambiental, gerando renda para as operadoras e comunidade local por meio de serviços. Estudos apontam que a receita gerada com essa atividade ultrapassa dois bilhões de dólares no mundo.
Atenção aos riscos e a segurança no avistamento
Apesar das boas práticas divulgadas, não existe hoje na cidade um credenciamento ou regulação para embarcações que façam a atividade. Perguntada sobre o assunto, Lodi crava: “Com toda certeza deveria existir (credenciamento), afinal são 10, 20, 50 barcos na água? Qual o limite?”. E aconselha turistas que estejam em busca dessa experiência: “Procure sempre se informar sobre as operadoras que seguem as boas práticas para observação”, orienta.
O engarrafamento de embarcações para o avistamento é um cenário fácil de ser encontrado aos fins de semana com lanchas e infláveis fazendo uma aproximação perigosa. Os riscos são tanto para os humanos, caso não se aproximem até uma distância segura de 100 metros de distância, quanto para o animais, que podem escolher mudar de rota caso se sintam ameaçados.
Através do projeto Ilhas do Rio, é possível ter acesso às informações essenciais para observá-las, como a importância de respeitar o limite de duas embarcações próximo aos animais observados ao mesmo tempo; não perseguir qualquer espécie de cetáceo por mais de 30 minutos, ainda que respeitadas as distâncias estipuladas; e não interromper o curso do animal, dividindo-os ou dispersando-os. Existe uma legislação que coíbe distúrbios e molestamentos das baleias e prevê multa em caso de desrespeito.
Ainda em julho, no dia 23, um barco afundou nos Estados Unidos após o salto de uma baleia, arremessando dois pescadores na água, que precisaram ser resgatados. Por sorte, as jubartes são pacíficas e não tem dente, apenas cerdas que utilizam para segurar o alimento. Segundo Nathan Lagares, Biólogo e gerente de projetos do Instituto Mar Urbano, o acidente aconteceu porque o motor estava desligado e não em ponto morto, como é o recomendado para o animal perceber que existe uma embarcação próxima por meio do som.
“Basicamente é uma responsabilidade civil, nós temos que ter noção que não podemos mergulhar com esses animais nem nos aproximarmos demais. Hoje nós somos a única espécie que ameaça qualquer outra, até nos mesmos. Se não houver um turismo responsável, há o risco de que esses mamíferos passem mais distante. A baleia não é só um bichinho bonitinho, ela tem papel fundamental no equilíbrio dos oceanos, mantém o ambiente marinho saudável. O crescimento do turismo se feito de forma responsável pode ser ótimo, pois cria uma sensibilização e aproxima as pessoas da natureza”, explica.
O Instituto Estadual do Ambiente (INEA), órgão ambiental do estado do Rio de Janeiro, afirmou que está em etapa de planejamento para a elaboração de uma Normativa sobre o assunto, mas ainda em etapa inicial e sem prazo. Já o ICMbio introduziu a observação de cetáceos no Plano de Uso Público do Monumento Natural das Ilhas Cagarras (MoNa Cagarras), em 2021, para prever estratégias, orientar o manejo, aprimorar as experiências e diversificar as oportunidades de visitação dentro da Unidade de Conservação e no raio de um quilômetro. “Temos interesse que essas atividades aconteçam de forma sustentável, se forem no entorno imediato contabilizamos e estamos de olho para eventual irregularidade. Mas o território do MoNa é pequeno em relação a toda área que passam as jubartes. A prefeitura também não tem os instrumentos para fazer esse controle. O que as pessoas devem fazer é reportar aos órgãos competentes, como o Ibama, que tem uma portaria desde 1996 que define normas específicas para a atividade e proíbe o molestamento intencional de qualquer espécie de cetáceo. Por aqui, é tudo muito novo, os instrumentos estão sendo criados, estamos coletando dados sobre o impacto da visitação para pensar futuramente nesse limite”, compartilhou Tatiana Ribeiro, Mestre em ecologia e atual chefe do MoNa Cagarras.
Ribeiro participou de três turmas de capacitação para a atividade que reuniram 20 participantes cada. Dany Goldberg, de 40 anos, proprietário no Veleiro Sagarana, foi um deles. “Fez toda diferença pra gente, eu fiz ano passado e esse ano eu coloquei a equipe toda para fazer o curso, justamente para trabalhar com turismo consciente. A gente aprendeu muito sobre o comportamento delas, o tempo de mergulho, tempo de retorno, a forma como elas estão mergulhando, muita coisa do comportamento. Eu estou há 20 anos no mar, já vi baleia, mas nem imaginava, por exemplo, se tem três ou quatro baleias juntas pulando, podem ser vários machos disputando a fêmea e por ser um momento de agressividade é aconselhável ficar ainda mais distante do que os 100 metros. São vários detalhes que fazem muita diferença”, explica.
O mar nem sempre foi de calmaria
Hoje já ressignificada, a Pedra do Arpoador tem um passado que nada combina com uma das áreas mais famosas da cidade para assistir ao pôr do Sol. Arpoar, segundo o dicionário Houaiss, é cravar o arpão em. Acredita-se que, desde quando os tamoios dominavam o litoral do Rio de Janeiro ao Brasil colônia, a ponta de pedra era um point estratégico de caça às baleias.
Por isso, o Patrimônio Natural do Rio está ligado a história da pesca comercial, que tinha como objetivo principal a gordura da baleia. O óleo era utilizado da construção civil à iluminação pública. Depois, a língua, foi considerada iguaria, as barbatanas usadas para confecção de leques e espartilhos e os ossos viravam botões e farinha. Prática insustentável que – ainda bem – ficou no passado!
Fim de temporada
As expedições para o avistamento variam de R$350,00 a R$500,00 de Niterói, a Zona Sul do Rio Janeiro até Barra de Guaratiba com duração em média de seis horas. Apesar da maioria afirmar ter tido 100% de aproveitamento, sempre há o risco de não conseguir vê-las. Se as baleias não têm celular para avisar seu paradeiro, os barqueiros têm, e nessa rede, se um barco viu, informa aos outros que vão se dividindo.
Algumas operadoras oferecem parte do dinheiro de volta caso os mamíferos não apareçam, outras focadas na educação ambiental, transformam o passeio também em uma vivência no mar, levando biólogos para compartilhar informações sobre esses grandes mamíferos, além de aves, golfinhos e até pinguins. “Depois de 10 de agosto pode ser que fique arriscado. Só teve um dia que a gente não viu baleia, mas vimos golfinho e pinguins, então conseguimos deixar os clientes felizes”, brinca Goldberg.
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Natalia Figueiredo é jornalista, ambientalista e co-fundadora da Outlab, hub criativo de Comunicação de Impacto. Formada em Comunicação pela UFRRJ, Videojornalismo na Universidade de Columbia (EUA) e Big Data e Inteligência de Marketing na ESPM. Foi repórter de O Dia, é apresentadora do OutCast e contribui para o Nexo Jornal e Le Monde Diplomatique Brasil. Escreve sobre cultura, tecnologia, sustentabilidade e direito das mulheres