ODS 1
Fome e seca ameaçam indígenas Xakriabá em Minas
Povo Xakriabá - com 11 mil pessoas - resiste confinado e afastado do rio São Francisco, enquanto luta por demarcação de suas terras
Povo Xakriabá - com 11 mil pessoas - resiste confinado e afastado do rio São Francisco, enquanto luta por demarcação de suas terras
Com fotos de Flávio Tavares
São João das Missões (MG) – Quando encontramos Laurinha Gomes, perto da hora do almoço, ela cozinhava um macarrão em um fogo de lenhas no chão, do lado de fora da casa de barro e pau a pique, com telhado de palha. Era apenas aquele macarrão que ela comeria naquele dia. Não tinham mais alimentos guardados para a próxima refeição. Laurinha mora com o filho adolescente e os dois vivem com R$ 150 do benefício Bolsa Família.
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Veja o que já enviamosEm setembro e outubro do ano passado, passamos por cerca de 50 casas na Terra Indígena Xakriabá, em São João das Missões, no Norte de Minas Gerais. As famílias que encontramos conviviam com a incerteza da comida na mesa todos os dias. A Reserva fica a quase 700 km da capital Belo Horizonte, em uma região conhecida como “sertão mineiro”. Naqueles meses, a mata seca e o chão vermelho indicavam o clima semiárido – cada dia mais árido. A falta de asfalto na BR–135 por 30 quilômetros antes de chegar na cidade apontavam as primeiras ausências governamentais por ali.
Agora, abril de 2020, o cenário que encontramos no fim de 2019 torna-se ainda mais grave. Com o novo coronavírus, a Reserva foi fechada para prevenir contaminação nas aldeias mas a miséria é uma ameaça ainda maior para eles. “Já tem gente passando fome aqui e não sabemos como vamos fazer ainda; estamos pegando com Deus para o vírus não derrotar nossas vidas”, afirmou Rogério Lopes, indígena Xakriabá, que conhece e percorre sempre cada canto das aldeias.
Confira todas as reportagens da Série Especial sobre a Terra Xakriabá
[g1_quote author_name=”Rogério Lopes” author_description=”Indígena Xakriabá” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
Já tem gente passando fome aqui e não sabemos como vamos fazer ainda; estamos pegando com Deus para o vírus não derrotar nossas vidas
[/g1_quote]Uma portaria (nº 419) da Fundação Nacional do Índio (Funai), de 17 de março de 2020, suspendeu as autorizações de entradas em terras indígenas por trinta dias. O isolamento da Reserva Xakriabá, porém, já foi desrespeitado pela própria Polícia Militar (PM) que, no último dia 4 de abril, entrou no território para realizar abordagens.
Em nota, publicada no site do Conselho Indigenista Missionário, lideranças e caciques denunciam que a polícia colocou em risco a saúde coletiva do povo ao entrar com efetivo e viaturas, sem equipamentos de proteção individual, para realizar atividade de vistoria de veículos (muitos possuem motos nas aldeias), e isso “não se caracteriza como essencial para a comunidade na conjuntura de pandemia”. A reportagem não conseguiu contato com a PM de São João das Missões.
Os indígenas Xakriabá estão fazendo tudo que podem, se sacrificando para evitar o contágio pela Covid19. As atividades comunitárias nas aldeias foram reduzidas, bem como a entrada de voluntários que levavam doações, principalmente de alimentos e roupas para eles.
[g1_quote author_name=”Célia Xakriabá” author_description=”Professora e ativista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
Nem existe isso (máscaras e álcool gel) por aqui: para as famílias, a questão básica é alimentação
[/g1_quote]Há pelo menos quatro anos, a organização não governamental (ONG) Amigos de Minas leva cerca de 800 cestas básicas para doar em São João das Missões de três em três meses. Eles estavam com tudo pronto para irem no dia 20 de março, mas tiveram que adiar a viagem por conta do coronavírus.
As famílias mais necessitadas esperam essas cestas todo trimestre, quando a ajuda chega, as casas já costumam estar com as despensas de comidas vazias como a de Laurinha. A professora ativista indígena Célia Nunes Correa, conhecida como Célia Xakriabá, conversou rapidamente com o Projeto Colabora, dizendo que estava engajada em uma força tarefa emergencial nas aldeias nesse momento delicado.
Célia comentou que não houve nenhuma ação do governo voltada para a população indígena. “É grave: não estamos sendo nem pautados”. Sobre medidas de higiene, uso de máscaras e álcool gel nas aldeias, ela respondeu: “Nem existe isso por aqui: para a família, a questão básica é alimentação”.
O povo Maxakali, localizado no Vale do Mucuri, Nordeste de Minas Gerais, também passa graves necessidades. Junto aos Xakriabá, estão construindo documentos para o Ministério Público Federal, a fim de obter uma cesta emergencial, elaborando projeto de lei com políticas públicas para as reservas e acionando os Diretos Humanos. Célia também citou a operação policial “arbitrária e desrespeitosa. Abordaram várias pessoas, levaram motos. Só porque não estavam com documentos (do veículo) na hora”.
Até o dia 12 de abril, não havia nenhum caso de coronavírus nas aldeias Xakriabá. A equipe médica da reserva estava bastante preocupada e com medo da chegada da doença em uma área onde o povo já tem vários outros problemas sanitários e de saúde.
Enquanto jornalistas, pudemos constatar um pouco dessa realidade quando estivemos nas aldeias por alguns dias no ano passado e, em uma longa apuração, buscamos entender mais sobre a história deles, a resistência do povo, a ligação com o território e a origem da situação em que eles vivem hoje, consequência das ações de uma sociedade branca e do Estado brasileiro. Você pode conhecer mais sobre os Xakriabás e acompanhar essa reportagem, que começou em setembro do ano passado, nos próximos textos.
Para ajudar agora a Reserva Indígena, uma das formas é uma vaquinha online que está sendo feita pelos Xakriabás para enfrentar a pandemia: http://vaka.me/956218?utm_campaign=whatsapp&utm_medium=website&utm_content=956218&utm_source=social-shares
Outras matérias do especial Fome, seca e resistência na Terra Indígena Xakriabá
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Joana Suarez é pernambucana mineira, viveu metade da vida em cada estado. Atualmente, como jornalista freelancer, decidiu habitar os dois lugares para se sentir completa. É formada e sempre atuou dentro de redações. Como repórter recebeu quatro prêmios (regionais e internacionais) pelos trabalhos aprofundados na área de saúde. Desde 2018, vem se dedicando de maneira independente a cobrir também pautas de gênero, direitos humanos e meio ambiente. Publica em veículos brasileiros e estrangeiros reportagens feitas no Nordeste e no Sudeste do país. Agora é também podcaster. Produz e apresenta o Cirandeiras Podcast sobre mulheres e suas lutas em cada canto do Brasil.