Arqueologia e tecnologia em meio à Caatinga

Pedra Furada no Parque Nacional da Serra da Capivara: mais de 1.400 sítios arqueológicos, com 40 mil pinturas rupestres, algumas com 12 mil anos (Foto: Eduardo Carvalho)

Novo museu na Serra da Capivara aumenta visitações, mas infraestrutura precária da região ameaça legado de Niéde Guidón

Por Eduardo Carvalho | ODS 9 • Publicada em 22 de abril de 2019 - 10:14 • Atualizada em 26 de abril de 2019 - 17:35

Pedra Furada no Parque Nacional da Serra da Capivara: mais de 1.400 sítios arqueológicos, com 40 mil pinturas rupestres, algumas com 12 mil anos (Foto: Eduardo Carvalho)
Novo Museu da Natureza leva mais visitantes ao Parque da Capivara mas infraestrutura não ajuda a atrair turistas (Foto: Eduardo Carvalho)
Novo Museu da Natureza leva mais visitantes ao Parque da Capivara mas infraestrutura não ajuda a atrair turistas (Foto: Eduardo Carvalho)

Um sopro de novidade atravessa o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, patrimônio da Humanidade pela Unesco e um dos maiores tesouros arqueológicos do Brasil. Em dezembro, a arqueóloga Niéde Guidón, 85 anos, inaugurou o Museu da Natureza, projeto que começou a ser desenvolvido no fim da década de 90, mas que tomou forma 20 anos depois. Em pouco mais de três meses após a abertura, o local atraiu mais de 19 mil visitantes, número que representa quase o total do público recebido pelo parque em 2018 – 20.872, segundo o Instituto Chico Mendes.

Quem trabalha no museu está surpreso com o grande movimento em tão pouco tempo. Mas a expectativa de um crescimento maior é frustrada por velhos problemas de infraestrutura. O aeroporto inaugurado em 2015 ao custo de R$ 22 milhões está fechado a voos comerciais; São Raimundo Nonato, cidade de 35 mil habitantes que serve de base para turistas atraídos pelo parque e agora pelo museu, tem poucos hotéis e pousadas; e a falta de estrutura rodoviária afastou planos de investimento de grandes redes hoteleiras.

Em todo o mundo, quando um sítio arqueológico é declarado patrimônio da humanidade, ele recebe investimento. Alguns locais aumentam o público para a casa do milhão. É preciso ter acesso bom e hotéis bons. Mas a cidade de São Raimundo não está preparada

Quem quer conhecer a região precisa ter força de vontade e paciência para enfrentar 522 quilômetros de estrada entre Teresina e São Raimundo – são quase sete horas de viagem. Ou sorte, se a jornada começar por Petrolina (PE), onde há um a aeroporto próximo: o caminho pela BR 324 é mais curto – a viagem dura cinco horas –, mas as pistas da rodovia estão em péssimo estado de conservação, principalmente no trecho que corta a Bahia.

“Em todo o mundo, quando um sítio arqueológico é declarado patrimônio da humanidade, ele recebe investimentos. Alguns locais aumentam o público para a casa do milhão. É preciso ter acesso bom e hotéis bons. Mas a cidade de São Raimundo não está preparada”, lamenta Niéde em entrevista ao Colabora.

Pedra Furada no Parque Nacional da Serra da Capivara: mais de 1.400 sítios arqueológicos, com 40 mil pinturas rupestres, algumas com 12 mil anos (Foto: Eduardo Carvalho)
Pedra Furada no Parque Nacional da Serra da Capivara: mais de 1.400 sítios arqueológicos, com 40 mil pinturas rupestres, algumas com 12 mil anos (Foto: Eduardo Carvalho)

O Parque Nacional da Serra da Capivara tem 251 km² de extensão e mais de 1.400 sítios arqueológicos – 980 abrigam, ao menos, 40 mil pinturas rupestres, algumas delas feitas com óxido de ferro há 12 mil anos. Tem importância mundial porque ali também foram encontrados restos de fogueiras datados de 50 mil anos atrás, o que sustenta a tese de que os humanos chegaram às Américas muito antes do que parte da ciência aceita atualmente – uma das teorias sugere que os primeiros americanos saíram da Ásia rumo ao Norte do continente pelo Estreito de Bering há 18 mil anos.

“Há 251 sítios preparados para visitação, com acessibilidade. Estou velhinha, não adianta mais brigar. Não quero perder tempo de ir à Brasília (pedir dinheiro). Acho aquela cidade horrível”, complementa Niede.

Portas abertas à natureza

 Além de oferecer treinamento e empregos aos moradores de São Raimundo – muitos são guias turísticos ou trabalham na cadeia produtiva ligada ao parque, que envolve a cerâmica e o atendimento em pousadas – a arqueóloga e sua equipe da Fundação do Homem Americano (Fumdham) mantêm, em meio à caatinga, o Museu do Homem Americano, com rico acervo arqueológico, e o recente Museu da Natureza, instalado em Coronel José Dias, pequeno município de menos de 5 mil habitantes, vizinho a São Raimundo.

Com investimento de R$ 13,7 milhões do BNDES – um orçamento apertado para erguer o prédio, desenvolver experiências e instalações tecnológicas – o MuNa foi criado para abrigar conteúdos que remontam à história dos ecossistemas daquela região, que já foi oceano, vivenciou a Era do Gelo e abrigou parte da megafauna brasileira. O prédio, em formato espiral, abriga 12 salas que representam essa evolução geológica e paleontológica do planeta, com a ajuda de vários aparatos tecnológicos.

Filas no Museu da Natureza: em pouco mais de três meses, lugar atraiu 19 mil visitantes, quase o total do público recebido pelo Parque Nacional da Serra da Capivara em 2018 (Foto: Eduardo Carvalho)
Filas no Museu da Natureza: em pouco mais de três meses, lugar teve 19 mil visitantes, quase o público do Parque Nacional da Serra da Capivara em 2018 (Foto: Eduardo Carvalho)

Com 11 funcionários, segundo Elizabete Buco, arquiteta do MuNa, a única fonte de renda tem sido o ingresso, que custa R$ 30. “A maior parte dos visitantes é daqui. Muita gente nunca foi em um museu na vida, muito menos ao Parque da Serra da Capivara”, explica.

Durante o feriado de Carnaval, havia filas para entrar no prédio. Muitos não se importavam de esperar mais de uma hora até chegar a vez. “É surpreendente. A população local está sentindo que tem alguma coisa diferente. Uma senhora falou para mim quando veio que agora valia a visita, porque antes só tinha mato para ver. Outros perguntam se estamos mesmo no Piauí ao conhecer o espaço”, afirma Rosa Trakalo, coordenadora da Fumdham e uma das responsáveis pelo projeto do museu.

Assim como Niéde, Rosa se preocupa com a infraestrutura precária da região. Ela explica que há um bom relacionamento com o governo do Estado, mas que é preciso agir para aumentar o fluxo de visitantes e manter a economia aquecida. O governo reconhece problemas na infraestrutura hoteleira e no funcionamento do aeroporto (leia mais abaixo).

“Ninguém quer investir em hotel de categoria em um lugar que não tem acesso. Existem projetos, inclusive de linhas aéreas que viriam do exterior direto para São Raimundo, mas precisaria do aeroporto funcionando e dos hotéis. Um levantamento empírico que fiz, mostra que há uma demanda reprimida de 400 mil pessoas, distribuídas em 123 cidades, que poderiam usar o aeroporto”, acrescenta Rosa.

Aeroporto luxuoso

 No lugar onde deveria ser ouvido o ruído de motores de aeronaves, há sons do cantarolar de pássaros. As vagas de estacionamento estão vazias, assim como o pátio de aeronaves e as esteiras para bagagens – que em vez de malas, abrigam urubus se escondendo do sol da Caatinga, em pleno meio-dia do verão brasileiro.

Aeroporto Serra da Capivara, obra de R$ 22 milhões até hoje sem voos comerciais: problemas de infraestrutura se estendem à rede hoteleira precária (Foto: Eduardo Carvalho)
Aeroporto Serra da Capivara, obra de R$ 22 milhões até hoje sem voos comerciais: problemas de infraestrutura se estendem à rede hoteleira precária (Foto: Eduardo Carvalho)

Esta é a realidade do Aeroporto Serra da Capivara no início de março de 2019. Entregue em 2015, ao custo de R$ 22 milhões (incluindo obras rodoviárias no entorno), seu funcionamento foi homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) no mesmo ano. Porém, o terminal nunca foi ativado a plena capacidade. Atualmente, não recebe voos comerciais e não possui tanque de combustível para abastecimento das aeronaves. Gerido pela Esaero Airports, com sede em Pernambuco, a empresa mantém o local com verba do governo do Piauí.

A reportagem do Colabora visitou as instalações do prédio e constatou que o aeroporto está em boas condições. Dois funcionários estavam no local e informaram que, mensalmente, há apenas poucos voos fretados que chegam ali, feitos por jatos particulares. O terminal tem espaços prontos para lojas e restaurantes, além de painéis que remetem às pinturas rupestres da Serra da Capivara. Claraboias instaladas no teto permitem a entrada da luz do sol, reduzindo o uso de eletricidade, e há elevadores e escadas rolantes que dão acesso ao piso superior.

O Governo do Piauí, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o local não funciona porque as companhias aéreas dizem não haver demanda para voos destinados a São Raimundo. De acordo com a Comunicação do governo, uma reunião está marcada com a Azul Linhas Aéreas sobre a possibilidade de estender voos até a cidade. O encontro foi confirmado pela companhia, que estuda a inclusão do destino em sua malha aeroviária, mas informou que não há conclusões sobre o assunto.

O governo do estado não informou quanto gasta anualmente para manutenção do prédio, nem se há um novo plano turístico para a região de São Raimundo, em virtude do novo museu. Mas reconheceu que há limitações de estrutura, principalmente na parte de hospedagem.

Eduardo Carvalho

Jornalista com pós-graduação em Jornalismo Científico pela Unicamp. Trabalhou nos jornais ValeParaibano e O Vale, além da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, em São José dos Campos (SP). Foi repórter de ciência do portal G1, em São Paulo.

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