Economia da América Latina perde espaço global e tem riscos crescentes

Bolsa de Valores de São Paulo: crescimento de 3% do PIB brasileiro não garante uma melhora nos indicadores da América Latina. Foto Cris Faga/NurPhoto via AFP

De acordo com a CEPAL, nos próximos anos, região manterá o baixo crescimento, a desaceleração na criação de empregos e o aumento da pobreza e da desigualdade

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 8 • Publicada em 22 de janeiro de 2024 - 09:01 • Atualizada em 24 de janeiro de 2024 - 09:05

Bolsa de Valores de São Paulo: crescimento de 3% do PIB brasileiro não garante uma melhora nos indicadores da América Latina. Foto Cris Faga/NurPhoto via AFP

A América Latina e Caribe (ALC) foi uma das regiões que experimentaram um notável crescimento econômico durante os chamados “30 anos gloriosos” (1950-1980), que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, desde 1980, a ALC tem perdido dinamismo, reduzido sua participação relativa na economia internacional e, ao longo da última década, tem enfrentado uma estagnação da renda per capita.

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A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) divulgou, em dezembro passado, o “Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe de 2023”, seu mais recente relatório anual. Neste documento, a CEPAL indica que a região manterá o caminho de baixo crescimento, resultando na desaceleração da criação de empregos, na persistência da informalidade e no aumento da pobreza e das disparidades sociais.

O gráfico abaixo, do relatório da Cepal, mostra que o Produto Interno Bruto (PIB) da ALC cresceu em média 5,5% ao ano entre 1951 e 1979, acima da média mundial que foi de cerca de 4,6% ao ano. Nos 30 anos entre 1980-2009, o PIB da ALC cresceu 2,7% aa, abaixo do PIB mundial que cresceu 2,9% aa. Nos 15 anos entre 2010 e 2024, o PIB da ALC deve crescer em média 1,6% aa, se distanciando da média do PIB mundial que deve ficar em torno de 2,7% aa no período. Se comparado com a média dos países em desenvolvimento o fosso é ainda maior.

Até 1980, a região da América Latina e Caribe poderia ser caracterizada como emergente, pois crescia acima do ritmo médio da economia mundial. Mas nas últimas quatro décadas tem crescido abaixo da média global, evidenciando uma trajetória submergente.

O gráfico seguinte, com dados da Divisão de População da ONU e do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra que a população da ALC era de 362 milhões de pessoas em 1980, representando 8,2% dos 4,4 bilhões de habitantes do mundo. No ano 2000, a população latino-americana passou para 523 milhões de pessoas, representando 8,5% dos 6,2 bilhões de habitantes globais. Em 2028, estima-se uma população da ALC de 689 milhões de habitantes, represente 8,2% dos 8,4 bilhões de habitantes globais. Portanto, o tamanho relativo da população latino-americana ficou aproximadamente estável, em torno de 8,2%, nos cerca de 50 anos cobertos pelo gráfico abaixo.

Porém, os dados econômicos mostram um declínio persistente da participação do PIB latino-americano no conjunto da economia internacional. Em 1980, o PIB da ALC representava 12% do PIB global. No ano 2000 já tinha caído para 9,1%. Em 2023, o PIB latino-americano representava somente 7,2% do PIB mundial e o FMI estima uma queda para 7% em 2028. Portanto, há um encolhimento relativo da economia da América Latina e Caribe nas últimas 5 décadas.

Os dados da renda per capita do FMI, a preços constantes e em poder de paridade de compra, indicam que a ALC tinha uma renda per capita de US$ 11,84 mil em 1980, aumentou ligeiramente para US$ 12,57 mil no ano 2000, atingiu o pico de US$ 16,13 mil em 2014 e diminuiu para US$ 15,82 mil em 2023. Portanto, a renda per capita da região está estagnada na último decênio. A ALC está presa na armadilha da renda média, com grandes dificuldades de promover a prosperidade de sua população.

Para efeito de comparação, o grupo ASEAN-5 (composto por Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia) tinha uma renda per capita de US$ 3,8 mil em 1980 e passou para US$ 15,13 mil em 2023, quadruplicando o poder de compra em 43 anos.

O relatório da Cepal prevê para 2024 um crescimento da economia menor do que ocorreu em 2023 em toda a região. Para o conjunto da ALC, o crescimento do PIB foi de 2,2% em 2023 e deve cair para 1,9% em 2024. Na América do Sul, o crescimento foi de 1,5% em 2023 e deve cair para 1,4% em 2024. A Argentina terá dois anos de recessão. O Brasil que teve um crescimento do PIB de cerca de 3% em 2023 (bem próximo da média mundial) deve cair para 1,6% em 2024.

Na América Central, o crescimento do PIB foi de 3,4% em 2023 e deve ser de 3,2% em 2024. Os números da Costa Rica são de 4,9% e 3,8% e do Panamá de 6,1% e 4,2%. O México cresceu 3,6% em 2023 e deve cair para 2,5% em 2024. O Caribe (sem a Guiana) teve um crescimento do PIB de 3,4% em 2023 e deve cair para 2,6% em 2024. O menor crescimento deve ocorrer no Haiti, que é o país mais pobre do hemisfério Ocidental. O grande destaque do crescimento na região veio da Guiana, que depois do início da exploração das jazidas de petróleo, apresentou um crescimento do PIB de 39,2% em 2023 e deve crescer 28,9% em 2024.

Este aumento expressivo do PIB da Guiana acirrou a ideologia nacionalista do governo da Venezuela que realizou um plebiscito interno, em dezembro de 2023, decidindo transformar o território de Essequibo (legalmente pertencente à Guiana), em um estado venezuelano. Evidentemente, uma possibilidade de guerra no norte da América do Sul pode trazer consequências nefastas para todo o continente.

Se a disputa entre a Venezuela e a Guiana evoluir para uma guerra terá consequências globais em um mundo já marcado por disputas militares, como ocorre nos conflitos entre a Rússia e a Ucrânia, Israel e Palestina, China versus Taiwan, tensões no mar da China etc. Forças rebeldes houthis do Iêmen têm trocado ataques com forças militares dos Estados Unidos pelo controle das rotas marítimas do mar Vermelho e do Canal de Suez. Após um ataque que matou 84 pessoas em Kerman, o Irã promoveu bombardeiros localizados no Iraque e no Paquistão, ameaçando espalhar a guerra pelo Oriente Médio. Há diversos outros conflitos armados, em diversas regiões do mundo, que aumentam a insegurança, elevam o preço do petróleo e dos alimentos e dificultam a possibilidade de progresso pacífico entre as nações.

O relatório “Situação Econômica Mundial e Perspectivas para 2024”, publicado pela ONU (04/01/2024), também estima que o crescimento econômico global deve desacelerar em 2024, apresentando uma perspectiva econômica negativa para o curto prazo. O crescimento dos países em desenvolvimento enfrentará pressões advindas de um aperto financeiro e fiscal, restrições do balanço de pagamentos, além dos efeitos danosos do fenômeno climático El Niño.

Para sair do baixo desempenho econômico e social, a região da América Latina e Caribe (ALC) precisa superar as baixas taxas de poupança e investimento, reduzir os déficits fiscais persistentes e insustentáveis, aumentar a participação nas cadeias globais de valor, diminuir os déficits em transações correntes, resolver os problemas estruturais na educação e saúde, erradicar o alto desemprego e a grande subutilização da força de trabalho, reduzir substancialmente as grandes desigualdades sociais e incrementar a produtividade dos fatores totais de produção.

Neste cenário, aumentam os desafios para se avançar na luta pela eliminação da fome e da pobreza e assume importância a centralidade das questões envolvendo a violência política e os conflitos sociais.

Riscos econômicos e políticos na América Latina em 2024

Os holofotes da América Latina e Caribe se voltaram para o Equador na primeira quinzena de janeiro de 2024. O Equador vivenciou uma das maiores crises de segurança da sua história. Houve um ataque repentino a uma emissora de televisão, sequestros de pessoas e policiais, invasão e desrespeito à autonomia de universidades, fuga de destacados líderes do crime organizado, coerção sobre os agentes públicos (inclusive com o assassinato de um promotor), violência extrema e controle dos territórios. Em apenas cinco anos, a taxa de homicídios no Equador aumentou em cerca de 800%, chegando a 46 mortes para cada 100.000 habitantes. Tudo isto levou o presidente equatoriano, Daniel Noboa, a declarar estado de “conflito armado interno”, pedindo ajuda às Forças Armadas do país para restabelecer a ordem.

No dia 14 de janeiro de 2024, data prevista para a posse do presidente eleito da Guatemala, Bernardo Arévalo, manifestantes ameaçaram invadir o Congresso depois que uma sessão para empossar legisladores recém-eleitos foi adiada. O país da América Central, mesmo experimentando um evento de menor dimensão, viveu uma experiência semelhante aos que ocorreram nos Estados Unidos na invasão do Capitólio em 06 de janeiro de 2021 e na invasão dos prédios localizados na Praça dos 3 Poderes em Brasília, em 08 de janeiro de 2023.

O Centro de Estudos Internacionais da Universidade Católica do Chile lançou, agora em janeiro, a quarta edição do relatório “Risco Político na América Latina 2024”, documento que mede os 10 principais riscos que a região enfrentará no corrente ano, como sintetizado nos itens abaixo:

  • Insegurança, crime organizado e tráfico de drogas

A América Latina e Caribe é a região mais violenta do mundo, pois 8 em cada 10 países com as taxas de homicídios mais altas do mundo estão na ALC. Por conta disto, o relatório considera que o principal risco político é o crime organizado, a insegurança pública e o tráfico de drogas. O crime organizado já controla muitas áreas onde o Estado não entra, principalmente nas grandes cidades da região.

  • Aumento da corrupção e da impunidade

O segundo lugar dos riscos é ocupado pelo aumento da corrupção e impunidade, com a região estagnada nessa questão e países como Uruguai, Chile e Costa Rica – tradicionalmente com bom desempenho – sendo vítimas desses episódios. A vulnerabilidade no controle das fronteiras territoriais e os baixos níveis de coordenação judicial têm facilitado a atuação de atores ilegais. Além disso, nos últimos anos, vários presidentes foram condenados pela justiça por corrupção: Juan Orlando Hernández (Honduras), Rafael Correa (Equador), Elías A. Saca (El Salvador), Cristina Kirchner (Argentina), Otto Pérez Molina (Guatemala), Horacio Cartés (Paraguai), entre outros.

  • Descontentamento democrático, avanço do populismo e do autoritarismo

O descontentamento democrático ocupa o terceiro lugar, com um sinal alarmante, pois mais da metade dos latino-americanos é indiferente ao regime político, desde que o governo resolva seus problemas, abrindo espaço para lideranças de viés populista e autoritário. Segundo o último relatório do Índice de Democracia de 2022, na região, apenas Uruguai, Costa Rica e Chile são democracias plenas, e Panamá, Argentina, Brasil, Colômbia e República Dominicana classificam-se como democracias incompletas. Além disso, oito países são regimes híbridos (Peru, Paraguai, Equador, México, Honduras, El Salvador, Bolívia e Guatemala), e quatro são regimes autoritários (Haiti, Cuba, Nicarágua e Venezuela). Assim, a América Latina está passando por uma recessão democrática nas duas últimas décadas.

  • Governabilidade sob pressão e rápida perda de apoio dos líderes

A lista de riscos é seguida pela governabilidade sob pressão e rápida perda de apoio dos líderes, deixando para trás a chamada lua de mel do primeiro ano de governo. A polarização política e uma profunda crise de representação está afetando a confiança nos partidos políticos tradicionais e transferindo as expectativas para novas lideranças com estrutura e experiência de gestão limitadas, o que dificulta a construção de bases sólidas de governabilidade ao chegar ao poder.

  • Aumento dos fluxos migratórios

O aumento dos fluxos migratórios tem exercido pressão adicional sobre os serviços públicos na América Latina. Atualmente, o mundo abriga 7,7 milhões de migrantes venezuelanos, dos quais 6,6 milhões residem na América Latina, concentrando-se principalmente na Colômbia (2,9 milhões) e no Peru (1,5 milhão). A falta de recursos suficientes para atender a essas crescentes demandas tem gerado tensões sociais e conflitos entre migrantes e comunidades receptoras, especialmente em países como Colômbia, Chile, Equador e Peru.

  • Radicalização dos protestos sociais

O sexto risco advém da radicalização das protestos sociais, em um cenário econômico medíocre e com altos níveis de desconfiança nas instituições públicas. Embora os protestos tenham sido “anestesiados” devido às quarentenas em 2020 e 2021, houve uma retomada em 2022 e 2023. Os protestos e sua radicalização continuam sendo um risco político na região. Para 2024, com uma economia desacelerada, altos níveis de desconfiança pública e dificuldades de governabilidade, as mobilizações populares podem retornar e espalhar.

  • Instabilidade internacional

A instabilidade internacional, com diferentes focos de conflito, ocupa o sétimo lugar na lista de riscos. O mundo entrou em uma fase de menor contenção de conflitos, e as potências parecem ter menor capacidade de direcionar as tensões globais. Enquanto Estados Unidos e China estão em confronto estratégico, a Rússia se destaca como um elemento desestabilizador global, e o sistema multilateral liderado pelas Nações Unidas parece impotente diante da crise humanitária sem precedentes em Gaza.

  • Deterioração do clima de negócios

Em oitavo lugar aparece a deterioração do clima de negócios devido à falta de segurança jurídica e políticas de atração de investimento estrangeiro. Apesar das condições favoráveis da região, como a alta disponibilidade de minerais críticos e alto potencial para o desenvolvimento de energias renováveis, ainda persistem medidas contrárias à liberdade para desenvolver negócios, a falta de um discurso mais robusto para incentivar a atração de investimento estrangeiro e o excesso de burocracia para o desenvolvimento de projetos.

  • Impacto da tecnologia (inteligência artificial, redes sociais, ameaças cibernéticas) na política

O impacto da tecnologia na política como forma de manipulação da opinião pública ocupa o nono lugar na lista de riscos. As últimas eleições na América Latina refletem uma sociedade que exige mudanças tão rápidas quanto a informação que recebe. Essa nova cidadania, carregada de informação, tem mobilizado seu apoio a líderes que podem construir um discurso fácil de digerir e viralizar, inclusive os discursos de ódio.

  • Vulnerabilidade às alterações climáticas

Por fim, a vulnerabilidade às mudanças climáticas representa o décimo risco. O ano de 2023 foi o mais quente em cerca de 125 mil anos e 2024 pode ser ainda mais quente. As ondas letais de calor e a degradação ambiental dificultam a solução de questões relevantes como a segurança alimentar e a escassez de recursos hídricos, além de dificultar o manejo dos eventos climáticos extremos em um contexto de uma capacidade de adaptação cada vez mais complexa por parte das comunidades mais vulneráveis.

O quadro parece desanimador e os desafios são realmente enormes. Mas a América Latina e Caribe também possui muitos ativos que podem ajudar no desenvolvimento humano e ambiental. A dinâmica demográfica é favorável, pois o 1o bônus demográfico deve prevalecer até aproximadamente 2040.

A região é rica minerais críticos para a economia do futuro, como cobre, cobalto, terras raras, níquel, lítio, etc. Existe um grande potencial para a descarbonização da economia e é grande a participação das hidrelétricas na matriz energética. A transição energética pode contar com enormes “jazidas” de sol e vento. Ao contrário da maioria das regiões do mundo, a ALC possui uma biocapacidade acima da pegada ecológica, tendo baixa capacidade de carga e um balanço que indica superávit ambiental.

A ALC tem enorme potencial para produção de hidrogênio verde (H2V) a custos competitivos. Com a redução do desmatamento, a região pode atingir as metas do Acordo de Paris, especialmente se mobilizar e reorientar o financiamento e os investimentos públicos e privados para as atividades econômicas com impactos ambientais, climáticos e sociais mais relevantes.

A despeito das dificuldades, a América Latina e Caribe possui um grande potencial para construir um desenvolvimento sustentável e regenerativo, com inclusão social e justiça ambiental. O esforço harmônico e coletivo cria sempre sinergias positivas e pode reverter situações desfavoráveis. Como disse Raul Seixas: “Sonho que se sonha só; É só um sonho que se sonha só; Mas sonho que se sonha junto é realidade”.

Referências:

Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), Balance Preliminar de las Economías de América Latina y el Caribe, 2023 (LC/PUB.2023/22-P), Santiago, 2023.

https://repositorio.cepal.org/server/api/core/bitstreams/3134f367-6f78-4e17-b22c-2120d1a73df1/content

  1. World Economic Situation and Prospects, DESA, 4 January 2024

https://www.un.org/development/desa/dpad/publication/world-economic-situation-and-prospects-2024/

Jorge Sahd K., Daniel Zovatto, Diego Rojas. Riesgo Política América Latina 2024, Centro de Estudios Internacionales UC, Santiago de Chile, enero de 2024

http://centroestudiosinternacionales.uc.cl/images/publicaciones/publicaciones-ceiuc/2024/Riesgo-Politico-America-Latina-2024_compressed.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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