Saneamento, uma triste exceção

Moradores tomam banho nas margens do Danúbio, em Viena. Os rios da Áustria estão entre os mais limpos da Europa

Apenas 27 países no mundo entregam água potável para 100% da população e fazem a coleta e o tratamento do esgoto de todas as casas

Por Flavia Milhorance | ODS 6 • Publicada em 22 de fevereiro de 2016 - 07:33 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:27

Moradores tomam banho nas margens do Danúbio, em Viena. Os rios da Áustria estão entre os mais limpos da Europa
Moradores tomam banho nas margens do Danúbio, em Viena. Os rios da Áustria estão entre os mais limpos da Europa
Moradores tomam banho nas margens do Danúbio, em Viena. Os rios da Áustria estão entre os mais limpos da Europa

A água no porto de Copenhagen, capital dinamarquesa, é límpida. A prática de esportes aquáticos e o banho são atividades populares, tanto no verão quanto no inverno. Já os rios e córregos da Áustria estão entre os mais limpos da Europa e, mesmo na capital, Viena, também são destinados ao lazer. Dinamarca e Áustria fazem parte de um grupo restrito de nações que conseguiu universalizar os serviços de saneamento. Em pleno século XXI, dos 195 países reconhecidos pelas Nações Unidas, apenas 27 conseguiram a façanha de entregar água potável para 100% da população e coletar e tratar os esgotos de todas as casas.

É ótimo poder descer do metrô e estar nas margens do rio. Geralmente eu vou para Kaiserwasser, onde o banho é gratuito. É um lugar bem agradável, onde nem sinto que estou numa grande cidade, exceto pelos prédios da ONU que podem ser vistos de lá.

O saneamento é desafio antigo do homem e as primeiras tentativas de afastar os dejetos das ruas aconteceu no século VI A.C. Não faz muito tempo que os moradores do centro do Rio esvaziavam seus pinicos nas janelas. Não foi à toa que a ONU incluiu o saneamento entre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) – uma série de metas estabelecidas para combater problemas sociais urgentes. Neste item específico, a intenção era desafiar os países signatários a reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso à água potável segura e esgotamento sanitário.

O resultado dos esforços foi publicado recentemente no relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). Dos 27 países que alcançaram a universalização, 11 estão na Europa. No entanto, um olhar mais atento para as 55 nações consideradas desenvolvidas, de acordo com os parâmetros da ONU, mostra que o problema do saneamento já foi resolvido para 95% dos seus moradores. Entre as nações em desenvolvimento, onde se  inclui o Brasil, 62% teriam saneamento e 89% acesso à água potável. No caso daqueles menos desenvolvidos, os índices são de apenas 38% e 69%, respectivamente.

Entretanto, os dados do governo brasileiro divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, não batem com os da ONU. São piores. Tomando como base o ano de 2013, último disponível, 82,5% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada; apenas 48,6% da população têm acesso à coleta de esgoto; e 39% dos esgotos do país são tratados. Num item, pelo menos, todos concordam, entre 1990 e 2015, o Brasil atingiu a meta dos ODM e reduziu em mais de 50% o número de pessoas sem água potável e sem esgotamento sanitário.

SaneamentoMundo/Fernando Alvarus

Mudanças na Europa começaram há menos de 20 anos

Nove em cada dez europeus, ou 900 milhões de pessoas, têm acesso à água potável e instalações sanitárias, segundo a OMS. Cada país é responsável por si, embora iniciativas conjuntas tenham alavancado o processo. E o exemplo do continente não é dos mais antigos. A Diretiva Quadro da Água, modelo de gerenciamento de recursos hídricos da Europa, começou em 2000, é um dos mais importantes e estabelece metas de proteção e melhorias nos serviços e na qualidade da água. O prazo previsto era 2015, e os resultados ainda estão para serem divulgados em meados do ano, mas avanços já podem ser notados.

Se comparado à década de 1990, todas as nações melhoraram suas instalações, embora existam disparidades entre as regiões. O Norte e a região Central da Europa são as que garantem maior acesso à coleta e tratamento terciário de esgoto (a última fase, também chamada de pós-tratamento), algo em torno de 60% a 70% da população, segundo dados de 2012 da Agência Europeia de Meio Ambiente. Nas porções Sul e Leste, o tratamento terciário chega em média a 40%. E no Sudeste europeu, que abriga parte da Turquia, Bulgária e Romênia, a menos de 10%.

– No ano de 2015, membros da União Europeia deveriam ter alcançado os objetivos da Diretiva Quatro da Água, e está claro que embora muito tenha sido conquistado, mais da metade das águas do continente ainda está poluída – cobra Friedrich Barth, presidente da organização Parceria Europeia da Água.

Banho nas águas das capitais

Não é o caso da Áustria, que vem investindo na despoluição de rios e córregos há algumas décadas e aumentou os esforços a partir da Diretiva Quadro da Água. Hoje, eles estão entre os mais limpos do continente. A água que abastece 1,7 milhão de habitantes de Viena é trazida de nascentes nas montanhas. Mas, além disso, o rio Danúbio que corta a capital tem em suas margens áreas recreativas.

A mestranda vienense Alicia Prager conta que a cidade é bastante orgulhosa da sua qualidade da água e usa qualquer oportunidade para trazer o tema à tona. Ela mesma costuma frequentar as áreas destinadas ao banho:

– É ótimo poder descer do metrô e estar nas margens do rio. Geralmente eu vou para Kaiserwasser, onde o banho é gratuito. É um lugar bem agradável, onde nem sinto que estou numa grande cidade, exceto pelos prédios da ONU que podem ser vistos de lá.

Alicia também cita outras opções como as áreas recreativas do “Alte Donau” e “Neue Donau”, onde há infraestrutura como restaurantes e espaços para guardar pertences.

Com 1,2 milhão de habitantes, Copenhagen tem experiência semelhante, mas não foi sempre assim. Até 1995, o porto da cidade recebia despejos constantes de esgoto. Desde então, a prefeitura ampliou o sistema de coleta e construiu reservatórios para armazenar águas residuais até que sobre espaço nas estações de tratamento. Em 2002, foi inaugurada a primeira área destinada a banho e lazer no porto, as ilhas Brygge. E outras três foram inauguradas em seguida.

Embora tenha praia na capital, o porto acaba sendo mais acessível à população, e sua qualidade da água é testada diariamente. As áreas recreativas lotam no verão, mas também são utilizadas por alguns corajosos no inverno, atividade que é parte da cultura escandinava.

Voltando ao Brasil, a Lei do Saneamento, aprovada em 2007, depois de anos de gaveta, prevê que todo o esgoto nacional seja coletado e tratado até 2033. O mesmo vale para o fornecimento de água limpa e para o recolhimento e destinação adequada do lixo urbano. Hoje, o investimento do governo gira em torno de R$ 8 bilhões por ano. Nesse ritmo, a meta de universalização só será alcançada depois de 2050. Falta muito ainda para os cariocas seguirem o exemplo dos dinamarqueses e tomarem um banho de mar seguro nas águas do porto.  Mesmo com frio. Veja o vídeo.

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

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