Os desafios do mercado da reciclagem no Brasil

Trabalhadoras de uma cooperativa separam o lixo para reciclagem em São Paulo. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

Falta de viabilidade econômica, estrutura, pessoal qualificado e informação impedem o crescimento do setor no país

Por Letícia Maria Klein | LixoODS 6 • Publicada em 17 de abril de 2019 - 10:53 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:08

Trabalhadoras de uma cooperativa separam o lixo para reciclagem em São Paulo. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Trabalhadoras de uma cooperativa separam o lixo para reciclagem em São Paulo. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Trabalhadoras de uma cooperativa separam o lixo para reciclagem em São Paulo. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

A taxa de reciclagem hoje no Brasil é baixíssima. Falta de viabilidade econômica, de estrutura física de coleta e triagem, de profissionais, de informação para as pessoas e de logística reversa são alguns dos muitos obstáculos ao crescimento do setor no país. O Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos sobre o ano de 2017, lançado pela Secretaria de Saneamento, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, em fevereiro, revelou que somente 5,4% dos materiais potencialmente recicláveis coletados pelo setor público nas casas e ruas das cidades são, de fato, recuperados (não entram na conta os números de entidades privadas que trabalham com reciclagem ou compostagem).

Papel, vidro, metal e plástico são resíduos completamente recicláveis e, juntos, representaram 68% da coleta seletiva no Brasil em 2018, segundo o Cempre Review 2019, estudo elaborado pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). Porém, dependendo da combinação desses materiais, do peso e do volume, a reciclagem de alguns produtos torna-se cara, difícil e, portanto, muito pouco abrangente no país. Esses resíduos viram rejeitos e respondem por 26% da coleta seletiva, sem contar os que vão direto para lixões e aterros na coleta tida como “comum”.

O aumento da reciclagem depende de movimentos de baixo para cima, é a conscientização das pessoas que leva à mudança de estrutura, porque nem governo nem indústria querem educar. O negócio deles é vender, não pegar de volta, por causa do custo

Resíduos sólidos como embalagens plásticas de salgadinho, esponjas de lavar louça, tubos de pasta de dente e isopor são itens com baixo peso específico e baixa densidade, o que significa que são leves e que é necessária uma quantidade muito grande de materiais para que o processo seja viável economicamente. Para se ter uma ideia, um caminhão cheio de isopor vale R$ 200,00 e um quilo daquelas embalagens de salgadinho para a reciclagem custa R$ 0,25 – para chegar a um quilo são necessárias mil unidades.

“O problema é a logística reversa desses resíduos. Precisa de um caminhão, que é o tamanho mínimo por lote que a indústria aceita, e também capacidade para reunir os resíduos para encher um caminhão e encaminhá-lo à reciclagem. Quanto menor a cidade e mais longe de grandes centros urbanos, mais difícil é a existência da coleta seletiva desses resíduos”, explica Rodrigo Sabatini, presidente do Instituto Lixo Zero Brasil. A tecnologia existe, garante ele.

André Vilhena, diretor executivo do Cempre, conta que o setor de plásticos está desenvolvendo pesquisas sobre a reciclagem química como solução para reciclar esses resíduos. O processo químico, chamado de despolimerização, pode tanto reduzir macromoléculas de plástico até a sua menor partícula, chamada de monômero, que é a matéria-prima, quanto produzir óleo combustível. “A reciclagem desses materiais precisa agregar valor, assim o produto resultante terá um preço melhor de revenda, o que aumenta o interesse de cooperativas de reciclagem e empresas na coleta e comercialização”, afirma André.

Catador separa os resíduos para reciclagem no Aterro de Jardim Gramacho, no Rio. Foto Christophe Simon/AFP
O jovem catador separa os resíduos para reciclagem no Aterro de Jardim Gramacho, no Rio. Foto Christophe Simon/AFP

A reciclagem química, porém, não tem data para ser implantada em larga escala no Brasil, segundo o diretor. Quando se fala em isopor, o processo é mais fácil. O isopor é um tipo de plástico originado do petróleo, chamado de poliestireno expandido ou EPS. O processo conhecido como extrusão retira todo o ar das peças de isopor, que compõe cerca de 95% do material, para formar tarugos cilíndricos que serão remodelados e transformados nos mais diversos produtos, como rodapés, molduras, porta-retratos e solados para calçados, entre muitos outros. As duas maiores empresas que reciclam isopor estão em Santa Catarina, nas cidades de Braço do Norte e Joinville. Segundo a Comissão Setorial de EPS, há mais de 1.200 pontos de coleta no Brasil.

A reciclagem do isopor só não é mais difundida porque esbarra na dificuldade logística devido à leveza e volume do material. As cooperativas de catadores precisam de infraestrutura, caminhões e mão-de-obra para tornar o processo viável e vantajoso. Há cidades em que a cooperativa só coleta embalagens de proteção de eletroeletrônicos e não as de alimento, pois não há pessoal suficiente para fazer a limpeza das bandejinhas de comida – por isso a importância de separar os resíduos já na fonte (em casa) e deixá-los limpos e secos.

Além do papel das empresas de desenvolver tecnologias para aumentar a reciclabilidade e reduzir a quantidade de embalagens, os governos precisam ampliar a coleta seletiva e trabalhar pela conscientização da população

Por serem plásticos de origem não renovável, do petróleo, esses materiais levam centenas de anos para se decompor. Para piorar, eles não somem na natureza. Os plásticos se dividem em partículas cada vez menores, que são facilmente engolidas por animais nos mais diversos ambientes aonde podem chegar, especialmente rios e mares. Além de provocar a morte de aves e animais marinhos, as partículas plásticas atraem toxinas presentes no ambiente, tornando-as potenciais bombas nos organismos dos que acabam ingerindo-os, de plânctons a seres humanos. O relatório Plastics BAN – Better Alternatives Now considera o isopor um dos piores poluidores do planeta.

O BOPP, tão poluente quanto, está ainda mais presente na vida das pessoas. De rótulos de garrafa PET a embalagens de salgadinho, chocolate, café, biscoito, bolacha, ovo de Páscoa e barrinha de cereais. O BOPP, que é um tipo de plástico, é largamente utilizado pela indústria porque conserva bem os alimentos. É totalmente reciclável (mesmo as embalagens que contém uma lâmina de alumínio interna), mas a baixa reciclagem se dá pelos mesmos motivos do isopor: deficiência de mercado com poucos compradores, equação de peso e volume e falta de estrutura e equipe para agregar e limpar embalagens que chegam sujas.

Soluções e alternativas

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), lei 12.305/2010, prevê que todos os envolvidos têm responsabilidade no gerenciamento correto dos resíduos sólidos, dos produtores aos consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza, sendo necessário que cada um faça a sua parte para aproveitar os resíduos o máximo possível. Para que isso aconteça, a lei institui a elaboração de acordos setoriais entre poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes para implantar a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Um dos instrumentos disso é a logística reversa, que objetiva viabilizar a coleta e restituição dos resíduos sólidos à indústria para reaproveitamento ou outra destinação final ambientalmente adequada.

A reportagem entrou em contato com algumas empresas do ramo alimentício, de limpeza e de higiene para saber o que elas têm feito para aumentar o potencial de reciclagem dos produtos que vendem e que compõem grande parte dos itens consumidos pelas pessoas, especialmente os de utilidade básica, como pasta de dente e esponja de cozinha.

A ScotchBrite, produtora de esponjas para lavar louça, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que possui uma parceria desde 2014 com a TerraCycle, uma empresa especializada em desenvolver soluções ambientais para produtos e embalagens de difícil reciclagem. Os programas da TerraCycle são desenvolvidos em parceria com empresas, organizações sociais, órgãos públicos e sociedade civil. Qualquer pessoa pode participar através da coleta e envio de determinada quantidade de produto, gratuitamente. As remessas geram pontos que equivalem a uma quantia em dinheiro que é revertida para uma instituição sem fins lucrativos ou uma escola pública da escolha do cidadão. Atualmente, os programas ativos de reciclagem da TerraCycle abrangem embalagens de fraldas e absorventes, esponjas, instrumentos de escrita, cápsulas de café e embalagens de produtos de beleza.

O programa de reciclagem de esponjas pós-consumo recicla qualquer esponja de limpeza doméstica, independente da marca, e as transforma em pellets de plástico que são matéria-prima para diversos produtos. Esta reportagem do programa “Como será” mostra como o processo funciona. A 3M, proprietária da ScotchBrite, informou que é signatária desde 2015 do Acordo Setorial de Embalagens do Ministério do Meio Ambiente, por meio da participação no Programa Dê a Mão Para o Futuro, que contempla as embalagens das esponjas. Ela também assinou um Termo de Compromisso de Logística Reversa entre a Secretaria do Meio Ambiente, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e representantes de entidades para implantar o processo.

A PepsiCo informou que teve um programa em parceria com a TerraCycle de 2010 a 2013, quando 3.946.549 embalagens de BOPP foram recicladas, arrecadando R$ 90 mil para instituições sociais. Desde 2010, são produzidos anualmente 20 mil displays feitos a partir da reciclagem de BOPP, que são distribuídos para varejistas. Atualmente existe o programa Reciclo PepsiCo, que a empresa mantém em parceria com cooperativas, que recicla cerca de 120 toneladas de resíduos por mês. Em nível global, está em andamento uma parceria com a Danimer Scientific para desenvolver embalagens biodegradáveis, que foram testadas no mercado nos EUA e estão em fase piloto no Chile para entender tendências e atitudes dos consumidores em relação à reciclagem e compostagem, aceitação do consumidor e sua percepção da iniciativa.

André Vilhena afirma que “além do papel das empresas de desenvolver tecnologias para aumentar a reciclabilidade e reduzir a quantidade de embalagens, os governos precisam ampliar a coleta seletiva e trabalhar pela conscientização da população”. Para Rodrigo Sabatini, é essa última que de fato tem poder para mudar o cenário atual no país. “O aumento da reciclagem desses itens depende de movimentos de baixo para cima, é a conscientização das pessoas que leva à mudança de estrutura, porque nem governo nem indústria querem educar. O negócio deles é vender, não pegar de volta, por causa do custo”.

O relatório Cempre Review 2019 afirma que “o cenário inclui a formatação de modelos de negócio de impacto inovadores e soluções sustentáveis nas cadeias produtivas das empresas de modo a replicar ações na escala proporcional à necessidade de mudanças nos padrões de produção e consumo, tendo em vista, por exemplo, as demandas de uma nova economia de baixo carbono, no esforço global de mitigação climática”.

Sabatini acredita que a logística reversa deve ser prioridade para a indústria, que precisa investir em formas de agregar os materiais e encaminhá-los à reciclagem. “Já o governo deve regular e dar ferramentas para que as pessoas ajam e façam a sua parte”, que começa com a não geração, o primeiro passo no gerenciamento de resíduos sólidos previsto na PNRS. A ordem continua com redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos (reaproveitamento) e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (em aterro sanitário ou industrial). Assim, antes de pensar somente na reciclagem, o ideal é evitar produzir resíduos que não são reciclados na sua cidade – para saber quais são, entre em contato com a prefeitura ou a empresa responsável pela coleta.

Letícia Maria Klein

Jornalista formada, mora em Blumenau, Santa Catarina. É colaboradora do Um Só Planeta.

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