ODS 1
A cada segundo, 21 árvores são derrubadas na Amazônia
Desmatamento nos biomas do Brasil cresceu 22,3% em 2022 e supera dois milhões de hectares em um ano
O tempo de leitura deste texto é de mais ou menos 15 minutos. Enquanto você estiver cumprindo esta tarefa, cerca de 18.900 árvores, em média, terão sido derrubadas na Amazônia. Lamento informar, não adianta parar de ler na terceira linha, o desmatamento deve acontecer do mesmo jeito. O cálculo foi feito com base no mais recente Relatório Anual de Desmatamento (RAD2022) do MapBiomas, que consolida dados de todo o território nacional e seus biomas. Ao longo de todo o ano de 2022 foram identificados, validados e refinados 76.193 alertas de desmatamento, que totalizaram 2.057.251 hectares de devastação. Um crescimento de 22,3% em relação ao ano de 2021. Entre as principais constatações do levamento, três se destacam:
- A cada segundo, cerca de 21 árvores foram derrubadas na Amazônia;
- O dia com maior área desmatada foi o 25 de julho: em 24 horas, o equivalente a 8,4 mil campos de futebol de florestas veio abaixo;
- Surpresa: terras indígenas e comunidades remanescentes de quilombolas permanecem sendo os territórios mais preservados do Brasil
Entre os muitos e relevantes números do relatório do MapBiomas, os mais interessantes são aqueles que mostram as pistas, mais ou menos óbvias, de quem são os desmatadores, quem são os criminosos. Uma mistura de “Onde está Wally?” com “Siga o Dinheiro”, no caso siga os satélites e acompanhe os resultados. Vamos começar do geral para o específico. Em primeiro lugar, tem desmatamento em todo o Brasil. Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.471 (62%) tiveram pelo menos um evento de desmatamento detectado e validado em 2022. Entre os 3.471 municípios que tiveram alertas em 2022, apenas 50 responderam por 52% da área total desmatada no Brasil, sendo que 17 desses municípios estão no estado do Pará e oito no Amazonas.
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O município de Lábrea, no Amazonas, com 62.419 hectares desmatados, superou a área destruída do município de Altamira, no Pará, campeão de área desmatada nos últimos três relatórios. O mesmo onde fica a Usina de Belo Monte. Só por curiosidade, a cidade de Lábrea é governada pelo prefeito Gean Campos de Barros (PMDB), que já foi acusado de superfaturamento nas compras públicas e envolvimento com trabalho análogo à escravidão.
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É importante lembrar que os dados do MapBiomas se referem ao ano de 2022, o último do governo de Jair Bolsonaro. Havia, vamos dizer assim, uma certa pressa dos desmatadores para aproveitar a leniência do antigo governo com os seus crimes. Nos quatro anos de governo Bolsonaro foram reportados mais de 303 mil eventos de desmatamento totalizando 6,6 milhões de hectares, o que equivale a uma vez e meia a área do estado do Rio de Janeiro. Mas voltando à velocidade da destruição, ao longo de 2022 foram 234,8 hectares desmatados por hora, cerca de 5.600 hectares por dia, em média. Um crescimento de 24,3% em relação ao ano anterior. Só na Amazônia foram 3.267,5 hectares desmatados por dia, ou 136,1 hectares por hora. É daí que vêm as 21 árvores derrubadas a cada segundo. O Cerrado está em segundo lugar, com 1.807,3 hectares por dia, o equivalente a 75,3 ha por hora. O aumento da velocidade foi constatado em todos os biomas, menos na Mata Atlântica, onde se manteve estável.
Também houve um aumento de 19,3% na quantidade de desmatamentos grandes, com mais de 100 hectares. Apesar de representarem apenas 4,8% do total de alertas, eles respondem por 60,6% do total desmatado no país. As áreas desmatadas com menos de 25 hectares representam 81,9% do total de alertas, mas somente 15% da área desmatada.
A Mata Atlântica e o Pampa possuem as menores áreas médias por desmatamento (3,8 ha e 7,4 ha, respectivamente), o que pode ser explicado pela maior fragmentação da paisagem e pela estrutura fundiária, com propriedades rurais de menor tamanho, na comparação com os demais biomas.
Amacro e Matopiba: velhos focos de atenção
Duas regiões muito conhecidas dos fiscais do Ibama também aparecem em destaque no levantamento do MapBiomas. Em Matopiba, que reúne os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentrou-se 26,3% da área desmatada no Brasil em 2022. Foram 4.975 alertas e 541.803 hectares desmatados – um aumento de 37% em relação a 2021. A região do Matopiba foi onde se concentrou a maior parte dos desmatamentos no Cerrado: cerca de 82,1% da área de supressão de vegetação nativa do bioma. Também é no Matopiba onde estão os 10 municípios que mais desmataram no Cerrado em 2022.
Já na região de Amacro (Acre, Amazônia e Rondônia), foram 7.055 alertas e 231.955 hectares desmatados em 2022 – 11,3% da área desmatada no Brasil e aproximadamente 19,4% do que foi perdido na Amazônia. Houve um incremento de 12,3% do desmatamento nessa região em 2022 em relação a 2021.
Outra constatação relativamente óbvia é de que os desmatamentos ocorrem, majoritariamente, em áreas de floresta, com 64,9%. As regiões de Savana representam 31,3%, sendo o restante formações campestres, com 3,6%.
Quem mais preserva?
Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ) e Terras Indígenas (Tis) permanecem como os territórios mais preservados do Brasil. Os desmatamentos em TIs representaram 1,4% da área total desmatada no Brasil em 2022 e 4,5% do total de alertas validados no período. A maior parte dos alertas (91%) e da área desmatada em TIs (26.598 hectares) se encontra na Amazônia. Pelo segundo ano consecutivo, a maior área desmatada em Terras Indígenas ocorreu na TI Apyterewa, no Pará, com 10.525 hectares desmatados em 594 eventos de desmatamento.
Já os desmatamentos que se sobrepõem às Comunidades Quilombolas (CRQs) representaram 0,05% da área total desmatada no Brasil em 2022. Do total de 456 CRQs certificadas, apenas 62 (26,1%) tiveram pelo menos um alerta de desmatamento detectado e validado em 2022 com pelo menos 0,3 hectares. A maior área desmatada foi no Quilombo Kalunga (GO), onde 258 hectares de vegetação nativa foram suprimidos – parte dentro da Área de Proteção Ambiental Pouso Alto, no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
Quem mais desmata?
Como já vimos, ao longo de 2022, os alertas de desmatamento foram registrados em todo o país, mas apenas 50 municípios respondem por mais de 50% dos registros. Desses 50 municípios, 25 estão nos estados do Pará e do Amazonas. Sendo que a cidade Lábrea, no Amazonas, foi a campeã do ano passado. A região de Matopiba responde pela maioria dos casos do Cerrado. Mas, afinal, qual o vetor desses desmatamentos? A resposta não é difícil. A agropecuária respondeu por 1.969.095 hectares, ou 95,7% do total de 2.057.250 hectares desmatados no Brasil em 2022, consolidando-se como o principal vetor de supressão de vegetação nativa. Para efeito de comparação, o garimpo respondeu por 5.965 hectares e outras atividades de mineração por 1.128 hectares.
Mas não há um risco desses desmatamentos serem legais, estarem respaldados pela lei? Não. Além dos crimes evidentes de invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservação, o relatório do MapBiomas inclui mais uma série de evidências de irregularidades, como Áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP). Essas áreas não são passíveis de desmatamento, exceto em condições muito específicas e autorizadas.
Infelizmente, apesar de todas as evidências, a impunidade ainda impera. As ações de autuação e embargo realizadas pelo IBAMA e pelo ICMBio até maio de 2023 atingiram apenas 2,4% dos alertas de desmatamento e 10,2% da área desmatada identificada de 2019 a 2022. Quando considerados os 59 municípios definidos como prioritários pelo Ministério do Meio Ambiente para o combate ao desmatamento na Amazônia, este índice é um pouco melhor: 4,1% do total de alertas e 17,7% da área desmatada.
Todos os dados e laudos são disponibilizados de forma pública e gratuita em plataforma web (plataforma.alerta.mapbiomas.org/) para que órgãos de fiscalização, agentes financeiros, empresas e sociedade civil possam agir para reduzir o desmatamento ilegal. O relatório completo com todos os dados está disponível no site do MapBiomas Alerta (alerta.mapbiomas.org).
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Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.