Termelétricas flutuantes da Baía de Sepetiba têm licença revogada

Termelétricas flutuantes fundeadas na Baía de Sepetiba: Aneel revogou licença para operação (Foto: Sara Ribeiro / Arayara – 05/08/2022)

Agência Nacional de Energia Elétrica barra empreendimento que especialistas apontam ser ameaçada a áreas de preservação ambiental e à fauna da região

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 10 de agosto de 2022 - 12:03 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:25

Termelétricas flutuantes fundeadas na Baía de Sepetiba: Aneel revogou licença para operação (Foto: Sara Ribeiro / Arayara – 05/08/2022)

A diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) votou nesta terça (9/8) pela revogação de autorizações para as quatro térmicas flutuantes a gás natural da Karpowership (KPS), instaladas na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. Ambientalistas e representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual apontavam o empreendimento como um pesadelo ambiental, por ameaçar áreas preservadas e a fauna marinha – inclusive ao boto-cinza – e terrestre.

As termelétricas flutuantes da KPS, que queimam gás fóssil para gerar eletricidade, haviam sido contratadas no leilão emergencial de energia de reserva feito no ano passado durante a crise hídrica, e deveriam ter entrado em operação em maio passado. O prazo foi prorrogado para o dia 1 de agosto, e novamente descumprido. “Uma vez que as usinas não estavam disponíveis nos termos pactuados em âmbito do PCS, deixaram de atender a sua finalidade”, registrou o diretor da Aneel Hélio Guerra, relator da matéria, em seu voto.

No final de julho, a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, Georgia Vasconcellos da Cruz, já havia determinado a suspensão da instalação e operação das quatro usinas termelétricas flutuantes por falta de estudos de impacto ambiental. Na decisão, a juíza argumentou ser “frágil e insustentável” a argumentação do Inea (Instituto Estadual do Meio Ambiente do Rio) ao se manifestar favorável à inexigibilidade de EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental) para as usinas, uma vez que o próprio órgão classificou o projeto como “potencialmente causador de significativo impacto ambiental”.

A Arayara, organização que lidera ações, inclusive na Justiça, contra à instalação das termelétricas flutuantes em Sepetiba, divulgou nota afirmando que “o leilão de energia de reserva foi totalmente equivocado, especialmente por priorizar a contratação de termelétricas movidas a combustível fóssil a preços elevadíssimos, e revelou a fragilidade no planejamento energético do Sistema Interligado Nacional (SIN)”.

Em audiência pública promovida pela Câmara dos Deputados na semana anterior (03/08), especialistas destacaram a ameaça da instalação das termelétricas flutuantes na região. “Na Baía de Sepetiba, existem manguezais que estão em muito bom estado de conservação, além de restingas de áreas de Mata Atlântica. Há uma biodiversidade grande, incluindo a maior população de botos-cinza do estado, grande variedade de peixes e espécies de aves migratórias”, destacou a professora Helena de Godoy Bergallo, do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). “Já há um passivo ambiental porque foi feita supressão de vegetação nativa na área onde eles pretendem construir as torres de transmissão”, acrescentou a pesquisadora no debate na Câmara.

Além das quatro termelétricas, o empreendimento previa a instalação de 36 torres de transmissão – parte na água e parte em área de manguezal no município de Itaguaí. “A licença para instalar as torres não poderia prescindir de Estudos de Impacto Ambiental aprofundados e detalhados, tendo em vista os significativos impactos à Mata Atlântica e à Zona Costeira”, argumentou o procurador da República Jaime Mitropoulos, que ingressou com ação contra o empreendimento ainda em março.

Licença revogada

Na reunião da Aneel, os diretores lembraram que a excepcionalidade das regras do leilão emergencial requeriam que as usinas estivessem injetando energia na data pactuada. “O empreendimento não está pronto. Se estivesse pronto, estaria injetando potência no dia 1 de agosto de 2022 e isso não ocorreu. Portanto, não foi cumprido o principal motivo para a realização do PCS, que foi a injeção de potência no dia 1 de maio, ou no dia 1 de agosto. Os riscos foram assumidos pelo próprio empreendedor”, disse o relator Hélio Guerra.

A KPS havia apresentado um requerimento solicitando o reconhecimento de excludente de responsabilidade pelo descumprimento de cronograma de implantação das UTEs Karkey 13, Karkey 19, Porsud I e Porsud II. Durante sustentação oral, a advogada da KPS Beatriz Watanabe Silva disse que o empreendimento estaria pronto para iniciar a operação, mas ações na Justiça estão impedindo o cumprimento do cronograma.

A Aneel também determinou à Superintendência de Fiscalização de Serviços de Geração que instaure processo administrativo com vistas à aplicação de eventuais penalidades em razão da não implantação das térmicas.

Em nota, a Karpowership disse que respeita o processo que ocorreu na Aneel, mas não concorda com a decisão. “A empresa está confiante em seus argumentos e reforça que seguiu todos os procedimentos e exigências legais necessários para cumprir suas responsabilidades, mesmo com um prazo desafiador para iniciar a operação. A empresa acredita que o processo precisa de uma análise dos novos elementos que surgiram nas últimas semanas, como a liminar do TJ-RJ que determinou a suspensão do projeto”.

Pela posição da empresa, o pesadelo ambiental na Baía de Sepetiba pode ainda não ter acabado. A KPS afirma ainda que “está comprometida e continuará a cumprir as leis e os requisitos brasileiros e a implementar as melhores práticas do setor. A empresa tomará todas as medidas legais disponíveis e acredita que a justiça brasileira prevalecerá”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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