Relatório da ONU aponta planeta à beira de abismo climático

Cruz à beira do Oceano Ártico, no leste da Groenlândia: perda de toneladas de gelo provoca aumento do nível dos mares (Foto: Philippe Roy / Aureimage / AFP – 05/07/2020)

A três dias de Cúpula de Líderes, estudo mostra crise implacável, com aumento de concentração de gases mesmo com pandemia e La Niña

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 19 de abril de 2021 - 15:31 • Atualizada em 28 de abril de 2021 - 08:58

Cruz à beira do Oceano Ártico, no leste da Groenlândia: perda de toneladas de gelo provoca aumento do nível dos mares (Foto: Philippe Roy / Aureimage / AFP – 05/07/2020)

A três dias da Cúpula de Líderes pelo Clima, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, a Organização das Nações Unidas divulgou o relatório Estado do Clima Global 2020, produzido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). “Todos os indicadores-chave do clima e as informações de impacto associadas fornecidas neste relatório destacam a mudança climática implacável e contínua, uma ocorrência e intensificação cada vez maior de eventos extremos e perdas e danos graves, afetando pessoas, sociedades e economias”, disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, no lançamento – virtual – do relatório nesta segunda-feira.

De acordo com a OMM, 2020 foi um dos três anos mais quentes já registrados, apesar do fenômeno La Niña que costuma ser um “evento refrescante” para o clima do planeta. Sem isso, 2020 provavelmente teria sido o ano mais quente já registrado. Os seis anos desde 2015 foram os mais calorosos já registrados. 2011-2020 foi a década mais quente já registrada.

O documento alerta que a desaceleração econômica relacionada à pandemia não conseguiu travar os impulsionadores das mudanças climáticas e acelerar os impactos. “Este relatório mostra que não temos tempo a perder. Estamos à beira do abismo. O clima está mudando e os impactos já são muito caros para as pessoas e para o planeta. Este é o ano de ação”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no evento virtual de lançamento.

O relatório, produzido pela OMM e parceiros, descobriu que os cortes na produção de alimentos, transporte e atividade econômica causados ​​pela pandemia Covid-19 exacerbaram os efeitos do clima extremo nas comunidades. De acordo com o documento, a queda temporária nas novas emissões de carbono “não teve impacto perceptível” nas concentrações atmosféricas.

Os países precisam apresentar, bem antes da COP26 em Glasgow, planos climáticos nacionais ambiciosos que reduzirão coletivamente as emissões globais em 45% em comparação com os níveis de 2010 até 2030. E eles precisam agir agora para proteger as pessoas contra os efeitos desastrosos das mudanças climáticas

Eventos climáticos extremos quebraram recordes em todo o mundo, desde furacões e ciclones nos EUA e na Índia, ondas de calor na Austrália e no Ártico, inundações em grandes partes da África e Ásia e incêndios florestais nos EUA. “Todas as informações importantes sobre clima e impactos neste relatório destacam a mudança climática implacável e contínua, uma ocorrência e intensificação cada vez maior de eventos extremos e perdas e danos graves que afetam pessoas, sociedades e economias”, disse Petteri Taalas.

O secretário-geral da OMM destacou outras conclusões alarmantes do relatório: 80% dos oceanos experimentaram pelo menos uma onda de calor marinha, enquanto o calor recorde acumulado nos mares , que absorvem 90% do calor resultante das atividades humanas; o gelo marinho no Ártico atingiu seu segundo mínimo mais baixo registrado, enquanto centenas de bilhões de toneladas de gelo foram perdidas na Groenlândia e na Antártica, ajudando a elevar o nível do mar; seca extrema afetou muitas partes da América do Sul em 2020, com perdas agrícolas estimadas em cerca de US $ 3 bilhões apenas no Brasil, com perdas adicionais na Argentina, Uruguai e Paraguai; temporada de furacões no Atlântico Norte teve o maior número de tempestades com nome já registrado, com 30.

A OMM acredita que há pelo menos 20% de chance de a temperatura média global exceder temporariamente a marca de 1,5 C já nos próximos anos, até 2024. O principal relatório anual da organização, de 56 páginas, documenta indicadores do sistema climático, incluindo o aumento das temperaturas da terra e do oceano, aumento do nível do mar, derretimento do gelo e recuo das geleiras e condições meteorológicas extremas.

Petteri Taalas lembrou que já se passaram 28 anos desde que a OMM emitiu seu primeiro relatório do estado do clima, em 1993. “Embora a compreensão do sistema climático e da capacidade de computação tenham aumentado desde então, a mensagem básica permanece a mesma e agora temos mais 28 anos de dados que mostram aumentos significativos de temperatura na terra e no mar, bem como outras mudanças como aumento do nível do mar, derretimento de gelo marinho e geleiras e mudanças nos padrões de precipitação”, disse.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, na entrevista coletiva conjunta com Petteri Taalas (na tela) para o lançamento do relatório da OMM sobre estado global do clima: alertas para abismo climático e crise implacável. (Foto: Eskinder Debebe / ONU / AFP)
O secretário-geral da ONU, António Guterres, na entrevista coletiva conjunta com Petteri Taalas (na tela) para o lançamento do relatório da OMM sobre estado global do clima: alertas para abismo climático e crise implacável. (Foto: Eskinder Debebe / ONU / AFP)

O secretário-geral da ONU disse que o mundo não pode esperar a próxima Conferência do Clima – a COP-26, marcada para novembro, em Glasgow – para tomar iniciativas. Os países precisam se comprometer com emissões líquidas zero até 2050. Eles precisam apresentar, bem antes da COP26 em Glasgow, planos climáticos nacionais ambiciosos que reduzirão coletivamente as emissões globais em 45% em comparação com os níveis de 2010 até 2030. E eles precisam agir agora para proteger as pessoas contra os efeitos desastrosos das mudanças climáticas ”, afirmou Guterres.

Alertas para líderes na cúpula climática

A divulgação do relatório e as palavras de Guterres e Taalas vão ao encontro do tom de urgência usado pelo presidente Joe Biden, usado na convocação da Cúpula de Líderes do Clima, prevista para os dias 22 e 23 de abril (quinta e sexta). Quarenta líderes mundiais – inclusive o presidente Jair Bolsonaro – foram convidados a participar das conversas virtuais de Biden, destinadas a intensificar e unificar os esforços das principais economias para enfrentar a crise climática.

Todas as informações importantes sobre clima e impactos neste relatório destacam a mudança climática implacável e contínua, uma ocorrência e intensificação cada vez maior de eventos extremos e perdas e danos graves que afetam pessoas, sociedades e economias

Até a reunião (ou durante a cúpula), os Estados Unidos pretendem divulgar seu plano nacional para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos próximos 10 anos. A expectativa é que o plano nacional americano – ao qual o Acordo de Paris se refere como contribuição nacionalmente determinada ou NDC, na sigla em inglês – seja suficientemente ousado para servir de exemplo a outros países e tornar factível a meta de reduzir as emissões e manter a temperatura global a 1,5º C acima da média da era pré-industrial.

Na semana passada, o presidente Bolsonaro enviou carta a Joe Biden, na qual prometeu zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030. No documento, Bolsonaro também pediu apoio aos Estados Unidos para alcançar o objetivo. “Alcançar essa meta, entretanto, exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo apoio possível”, escreveu o brasileiro na carta.

O enviado especial do Clima do governo dos Estados Unidos, John Kerry, reagiu com um post no Twitter, afirmando que o “compromisso do presidente Bolsonaro em eliminar o desmatamento ilegal é importante”. Mas destacou que os EUA esperam mais. “Esperamos ações imediatas e engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que este anúncio possa gerar resultados tangíveis”, escreveu Kerry.

Resultados tangíveis – “tangible results”, em inglês – é uma expressão que vem sendo repetida por Kerry, pela conselheira climática nacional da Casa Branca, Gina McCarthy, e pelo próprio Biden em manifestações sobre a crise climática. Os EUA prometem resultados e também querem vê-los em outros países. Pelos índices de queimadas e desmatamentos no país, o Brasil tem pouco a mostrar. Vamos aguardar o que Bolsonaro vai falar na quinta-feira, quando está prevista sua intervenção na cúpula climática.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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