Sioduhi Studio, futurismo indígena na moda

Estilista inovador mistura passado e presente e usa tingimento natural extraído da mandioca para colorir sua produção

Por Ana Rafaella Oliveira | ODS 12 • Publicada em 18 de julho de 2023 - 00:23 • Atualizada em 23 de julho de 2023 - 14:11

Desfile do Sioduhi Studio na Brasil Eco Fashion Week. Foto Marcelo Soubhia

Desfile do Sioduhi Studio na Brasil Eco Fashion Week. Foto Marcelo Soubhia

Estilista inovador mistura passado e presente e usa tingimento natural extraído da mandioca para colorir sua produção

Por Ana Rafaella Oliveira | ODS 12 • Publicada em 18 de julho de 2023 - 00:23 • Atualizada em 23 de julho de 2023 - 14:11

Antes de se firmar na moda, o estilista Sioduhi trabalhou na área de administração, e a partir dessa vivência com gestão de negócios, pôde criar uma marca autoral com mais maturidade. Natural da região do Alto Rio Negro, no Amazonas, ele descende do povo Pira-tapuya, nesse território partilhado entre mais de vinte povos indígenas e onde cerca de 18 línguas são faladas.

Desde a época do ensino médio, Sioduhi já tinha o desejo de ter uma marca de moda, mas foi somente em 2018, após a perda de alguns parentes e amigos, que ele decidiu usar a moda como um espaço de posicionamento político. Em meio ao luto e à coragem, lançou o Sioduhi Studio para contar histórias sobre a sua origem, tendo o design como suporte.

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“Todo esse processo de história é contado dentro das minhas roupas, essa necessidade de mostrar a nossa luta. E ao mesmo tempo, de forma autoral, por meio da minha linguagem.”

Mudar de uma área mais pragmática para uma criativa foi desafiador para o estilista. “Isso me mostrou o quanto a minha mente estava sendo desconstruída de uma mente tão lógica, de seis anos atuando com números, processos e fluxos, sendo que o processo criativo é muito mais aberto, muito livre. Você tem que sentir, tem que captar. Você precisa se expressar por meio de signos”, reflete.

Seguindo uma produção de slow fashion, o Sioduhi Studio vem se firmando na indústria da moda como uma marca que apresenta estéticas indígenas e futuristas. O gosto pelos acabamentos sofisticados e delicados levou o criativo a trabalhar com uma alfaiataria desconstruída, mesclando referências entre o esporte e o utilitário. E depois de já se lançar nesta jornada, descobriu que esse era um talento de família, pois, um dos seus tios, já falecido, também trabalhou como alfaiate.

“Em 2020, a minha tia tomou coragem para abrir alguns materiais que ele havia deixado e descobriu materiais como réguas de madeira para alfaiataria, anotações e desenhos de modelagem. Todo esse material foi me dado para que eu pudesse guardá-los como lembrança”.

Tingimento à base de mandioca, uma das inovações do estilista Sioduhi. Foto Divulgação
Tingimento à base de mandioca, uma das inovações do estilista Sioduhi. Foto Divulgação

Até o momento, já foram lançadas três coleções cápsulas pela sua marca, mais uma parceria que rendeu algumas peças para a National Geographic. Na sua coleção mais recente, por exemplo, o estilista escolheu falar sobre as relações entre espiritualidade e bem-viver. Seu desejo era representar a alegria que os povos indígenas têm para superar as adversidades da vida. Dessa forma, ele usa suas criações para narrar memórias e, sobretudo, as cosmoperspectivas do seu povo.

“A ManioQueen é a junção de duas palavras: manio, que é mandioca, e queen que é rainha. Ela fala sobre a soberania alimentar dos povos indígenas, e isso fala muito sobre esse lugar sagrado. A mandioca é a base que foi domesticada pelos povos originários há milhares de anos. E trazer isso à tona, e trazer como pigmento natural dentro da passarela, dentro da indústria da moda, foi algo que me requisitou contar essa história”, contextualiza Sioduhi.

O estilista tem como objetivo qualificar sua comunidade para trabalhar com o tingimento natural que ele desenvolveu, chamado Maniocolor. “O processo de extração do corante vem da casca, ou raspagem da mandioca que é um resíduo dentro de uma casa de farinha. Normalmente, ele é descartado ou jogado nas plantas. Por ser biodegradável, nutre as plantas como adubo. Nós pegamos nesse período entre raspa ou descascagem, extraímos o corante e concentramos para fazer a pigmentação”, explica.

A primeira experiência foi positiva, sua família foi receptiva para entender mais sobre esse processo. Segundo Sioduhi, foi um momento de reunir diferentes gerações e de se ajudar.

“Muitas das vezes, as nossas tecnologias são muito apropriadas pelos não-indígenas. E normalmente, não volta para a gente. Acho que chegou o momento da gente não só contar a nossa própria história, mas também levar à frente as nossas tecnologias por nós mesmos, com a nossa visão.”

Seguir os ritmos da moda tradicional é algo que Sioduhi não está disposto a fazer. Ainda mais porque essa prática costuma gerar um esvaziamento dos seus sentidos de criação. Falar sobre seu povo e colaborar para que a sua cultura se mantenha viva são alguns dos seus valores que dialogam com o conceito de futurismo indígena. Para o estilista, esta é uma outra forma de se pensar a noção de tempo, no qual o movimento circular possibilita que passado, presente e futuro aconteçam simultaneamente.

Pensar sobre os seus impactos é uma das premissas de Sioduhi. “Esse mix do futurismo indígena também traz a corresponsabilidade dos nossos atos”, conclui.

Ana Rafaella Oliveira

Ana Rafaella Oliveira pesquisa moda, identidade e cultura. Ela tem como intuito ampliar os debates sobre decolonialidade e incluir o potencial criativo da moda brasileira no cenário global.

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