Salvemos o Jardim de Alah!

Inaugurado em 1938, o Jardim de Alah tem inspiração Art Déco e contou com o desenho de Azevedo Neto (1908-1962), que concebeu o parque como um delicioso jardim de estátuas, caramanchões e pequenos lagos. Foto Beatriz Jaguaribe

Apropriação abusiva do espaço público ameaça a memória e a beleza paisagística numa cidade que, cada vez mais, sucateia sua natureza

Por Beatriz Jaguaribe | ArtigoODS 11 • Publicada em 14 de abril de 2023 - 12:19 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 13:45

Inaugurado em 1938, o Jardim de Alah tem inspiração Art Déco e contou com o desenho de Azevedo Neto (1908-1962), que concebeu o parque como um delicioso jardim de estátuas, caramanchões e pequenos lagos. Foto Beatriz Jaguaribe

Jardim de Alah, o nome evocativo do parque-jardim entre os bairros de Ipanema e Leblon, foi extraído de um filme hollywoodiano de 1936 estrelado por Marlene Dietrich e Charles Boyer. Inaugurado em 1938, o Jardim de Alah tem inspiração Art Déco e contou com o desenho de Azevedo Neto (1908-1962), que concebeu o parque como um delicioso jardim de estátuas, caramanchões, pequenos lagos e bancos sombreados pelas ramagens das árvores.

Em 2003, o prefeito César Maia impulsionou a recuperação da área, que se encontrava em estado desolador. Atualmente, o Jardim de Alah está praticamente abandonado, embora ainda retenha certo charme caduco com suas estátuas quebradas, velhas árvores generosas e parquinho de cães felizes. Mesmo em seu estado atual, o alívio do verde, a sensação de respiro em meio às edificações banais e ostentosas e a gratuidade do espaço fazem do local algo precioso para moradores e transeuntes.

Leu essa? O Jardim de Alah entre o público e o privado

Localizado em uma zona privilegiadíssima da cidade, o Jardim de Alah é tombado e patrimônio público dos cariocas. Um local emblemático que poderá ser, caso entre em vigor o projeto de concessão de 35 anos dada pela prefeitura a empreiteiros, transformado em congestionada zona de consumo e enclave privatizado. Entre os propósitos ainda a serem aprovados, estão previstos um estacionamento subterrâneo e a construção de lojas e restaurantes. Na contramão contemporânea da valorização do espaço público democrático, sustentável e verde, esse projeto retrógrado impulsiona a presença do automóvel e sufoca áreas verdes. Sob a retórica da modernização progressista, o que de fato existe é uma apropriação abusiva do espaço público para fins lucrativos, uma obliteração da história e uma falta de visão urbanística inovadora. Esse projeto abre precedentes perigosos para a preservação de espaços públicos em áreas de alta densidade urbanística.

Uma das muitas estátuas quebradas e abandonadas no parque. Foto Beatriz Jaguaribe
Uma das muitas estátuas quebradas e abandonadas no parque. Foto Beatriz Jaguaribe

Os bairros de Ipanema e Leblon estão fartamente servidos de lojas, restaurantes e shoppings. São carentes de praças públicas e jardins aprazíveis. Os jardins urbanos são oásis. Numa cidade com tanta gente desvalida, desigualdades sociais abissais e problemas candentes de segurança pública, os espaços urbanos são atravessados por conflitos. Mas a solução não é apostar no deterioro para facilitar a especulação que privilegia investidores. Entre os edifícios de alta classe média da região ladeada pelo parque está a Cruzada São Sebastião e a escola pública Henrique Dodsworth. O Jardim de Alah deveria ser uma zona de interação social diversificada e gratuita.

O inovador aqui seria potencializar o parque histórico com jardinagem, serviços públicos e número reduzido de quiosques compatíveis com a metragem da área. Os protestos contra a remodelação do parque articulados pela Associação de Moradores do Jardim de Alah (AMDJA) não visam derrubar iniciativas de Parceria Pública-Privada. Os protestos não são motivados por imobilismo ou saudosismo de moradores que nada querem alterar. Ao contrário, trata-se de um chamado urgente para preservar, potencializar e democratizar uma área que tem memória histórica e beleza paisagística numa cidade que, cada vez mais, sucateia sua natureza maravilhosa.

Beatriz Jaguaribe

Beatriz Jaguaribe é professora da Escola de Comunicação da UFRJ

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