Alta, magra, verde e milionária

A torre vista da praia de Brighton: críticas e milhóes investidos

Sob críticas e polêmicas, torre na orla de Brighton se apresenta como atração turística mais sustentável do Reino Unido

Por Carla Lencastre | ODS 11ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 3 de julho de 2016 - 10:11 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:48

A torre vista da praia de Brighton: críticas e milhóes investidos
A torre vista da praia de Brighton: críticas e milhóes investidos
A torre vista da praia de Brighton: críticas e milhões investidos

Promete fortes emoções o verão que acaba de começar em Brighton, uma hora ao sul de Londres. Verão inglês com emoção soa como um contrassenso, porém o mais famoso destino litorâneo da Grã-Bretanha está se esforçando para tornar inesquecível a temporada estival de 2016. Sempre animada por conta dos estudantes de duas universidades e um pouco excêntrica quando o assunto é arquitetura, Brighton verá em breve a inauguração da controversa torre de observação mais esbelta do mundo, a i360. Além de magra (apenas quatro metros de diâmetro), o que já lhe rendeu um registro no livro dos recordes Guinness, e alta (162 metros), a torre também se apresenta como a atração turística mais sustentável de todo o Reino Unido, com pretensão de estabelecer novos padrões para este tipo de construção. É grande a expectativa de que este negócio verde colabore para a renovação da orla marítima da cidade e incremente a economia local. E são muitas as críticas ao valor do investimento (46 milhões de libras, ou cerca de R$ 235 milhões) e à interferência no desenho da cidade.

A i360 é uma espécie de teleférico vertical no qual você não sai do bondinho. Sua imensa cabine envidraçada, com 18 metros de diâmetro, tem capacidade para 200 pessoas. Esta plataforma de observação sobe até 138 metros de altura, em uma viagem de ida e volta com duração de 20 minutos durante o dia ou 30 minutos à noite. A cabine não gira, mas os passageiros podem circular e mudar de ponto de vista. No topo do percurso, os panoramas alcançam até 42 quilômetros em todas as direções, incluindo um bocado de água. Se as nuvens e os ventos permitirem, claro, o que nem sempre vai acontecer.

A primeira foto da torre de Brighton com a cápsula no alto, divulgada em junho
A primeira foto da torre de Brighton com a cápsula no alto, divulgada em junho

O restaurante Belle Vue, no térreo da torre e com vista para o mar, usará em seu cardápio somente produtos provenientes do mesmo raio de 42 quilômetros. A cozinha da brasserie está sob o comando de Steven Edwards, vencedor em 2013 do programa da BBC “MasterChef: The professionals”. Até o espumante servido na cabine do teleférico será inglês, Nyetimber. A vinícola fica ligeiramente fora dos 42 quilômetros, ainda que na mesma região. Os fornecedores devem entregar seus produtos em embalagens recicláveis ou biodegradáveis, e a compostagem do lixo orgânico será feita no local.

A i360 vai usar apenas eletricidade, e 100% de sua energia vêm de fontes renováveis. A própria cabine é uma das fontes, gerando durante a descida 50% da energia necessária para a subida. Todas estas medidas combinam com Brighton, classificada pelo jornal inglês “The Telegraph” como uma cidade de “ambições verdes”. De acordo com Leo Benedictus, morador de Brighton e jornalista do “Guardian”, os empreendedores estão fazendo o possível para transformar a i360 em um negócio da cidade. “Empresas locais e materiais reciclados foram amplamente utilizados. Há grafites de artistas de Brighton nos painéis da obra, um plano para doar uma porcentagem da venda de bilhetes para projetos da comunidade, desconto para os moradores e um passeio gratuito para todas as crianças nas escolas públicas da cidade. Suas credenciais ambientais são boas”. Para quem se interessa pelo processo de construção civil em si, o site oficial tem vários vídeos bem bacanas (em inglês) detalhando toda a engenharia necessária para erguer uma torre tão alta, tão magra e tão verde.

E tão polêmica. A ideia de uma torre na praia veio do casal de arquitetos David Marks e Julia Barfield, criadores da London Eye, roda-gigante às margens do Rio Tâmisa e a atração paga mais popular do Reino Unido. O i no nome quer dizer independência e inovação. O objetivo é que a delgada i360 atraia um robusto número de turistas estrangeiros, e receba mais de 700 mil visitantes por ano. Para isso a nova atração está sendo anunciada fora da Grã-Bretanha. A British Airways dará seu nome ao empreendimento durante cinco anos por conta de um contrato de patrocínio, e vai promovê-lo em seus voos de outros países rumo ao Reino Unido. Os ingressos custarão 15 libras (em torno de R$ 80). Está previsto um acréscimo de 25 milhões de libras por ano (R$ 128 milhões) na economia local.

Com ares futuristas, o mirante da torre alcança até 42 km de distância
Com ares futuristas, o mirante da torre alcança até 42 km de distância

“Em julho a torre estará funcionando. A i360 vem se juntar às muitas atrações da orla marítima para reforçar a imagem de Brighton como destino de verão”, disse Pippa Atkinson, diretora de vendas da torre, durante o ExploreGB, feira realizada em março deste ano em Liverpool para promover o turismo na Grã-Bretanha. Não por acaso, Brighton será a sede da versão 2017 do evento. Já a data certa da inauguração da i360 ainda não foi divulgada. Os primeiros testes foram feitos no dia 3 de junho.

Parte dos moradores e dos empresários locais está otimista e espera que a torre proporcione novos negócios para a cidade de 273.400 habitantes, segundo o censo de 2011. Já os críticos dizem que o desenho da i360 parece uma rosquinha espetada em uma salsicha de cachorro-quente, entre outras definições menos elegantes, e lamentam o dinheiro gasto na novidade. A maior parte dos 46 milhões de libras veio da própria cidade, por meio de um empréstimo concedido por um fundo de financiamento do governo federal voltado para projetos comerciais. A negociação foi conduzida pelo conselho municipal na época controlado pelo Green Party. O Labour Party (partido trabalhista britânico), hoje à frente de Brighton, foi contra o investimento quando era oposição. Mas agora já alugou todo o local, com capacidade para mil pessoas, para realizar quatro dias de conferências em setembro de 2017.

Água, fogo, fish & chips

De frente para o Canal da Mancha, a i360 fica na ponta do histórico West Pier, abandonado há mais de dez anos e hoje em ruínas. É o mais famoso entre os muitos píeres projetados na segunda metade do século XIX pelo arquiteto inglês Eugenius Birch, e fechado em 1975 por questões de segurança. Com o passar dos anos, foi sendo minado pelas chuvas. No início deste século o mar levou parte de sua estrutura durante uma tempestade. Em seguida, dois incêndios criminosos concluíram o trabalho de destruição. Em frente às ruínas do que um dia foi um elegante píer vitoriano com arcos em ferro (uma estrutura inovadora na época) e detalhes orientais (um exemplo da tradição de prédios excêntricos da cidade), a i360 surge como uma espécie de novo píer vertical. As bilheterias originais foram restauradas e farão parte do complexo da torre, que será inaugurada 150 anos depois do píer.

Vista de Brighton com a i360: praia mais procurada do Reino Unido
Vista de Brighton com a i360: praia mais procurada do Reino Unido

O West Pier está a apenas dez minutos de caminhada pela orla do também histórico Brighton Pier, aberto em 1899, no final da era vitoriana, e ainda em operação. O píer de Brighton é um dos pontos turísticos mais famosos de todo o Reino Unido. Winston Churchill, Grace Kelly e Greta Garbo passearam por ali, assim como os músicos das bandas The Who e Artic Monkeys. Com brinquedos tradicionais de parque de diversões e barraquinhas vendendo fish and chips, é grande o contraste com a nova torre. Para tornar ainda mais inesquecível o verão de 2016 em Brighton, o píer acaba de ser comprado em um negócio de 18 milhões de libras (R$ 92 milhões), segundo o jornal inglês “The Guardian”. O novo dono é Luke Jonhson, investidor britânico que transformou os restaurantes Pizza Express em um grupo nacional.

De acordo com o Visit Britain, órgão de promoção turística oficial da Grã-Bretanha, o píer de Brighton é a atração turística mais visitada no Reino Unido fora de Londres e a quinta mais concorrida em todo o país. Nos dias ensolarados, o calçadão à beira-mar é um lugar disputado ao pôr do sol. Em 2014, foram mais de 4,5 milhões de visitantes somente no píer. A cidade recebe mais de dez milhões de turistas por ano, e é considerada a praia dos londrinos. A apenas uma hora de trem do Centro da capital, é uma boa escapada com ida e volta no mesmo dia. Com uma nova atração, é possível que as pessoas optem por ficar mais um dia na cidade.

A torre verde já mudou o panorama da orla marítima de Brighton. A expectativa local é que o monumento e o píer histórico, agora sob nova administração, sejam os catalisadores da reconstrução do West Pier e da renovação da economia local. Espera-se que o impacto se estenda por muitos quilômetros ao longo da costa sul da Inglaterra. Outros verões dirão.

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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