ltália precisa de imigrantes

Grupo de imigrantes, oriundos da Líbia, desembarca no porto de Palermo, na Itália

Com população envelhecida, país não pode abrir mão do trabalho de estrangeiros e nem da riqueza que geram

Por Janaína Cesar | ODS 1 • Publicada em 15 de maio de 2016 - 12:00 • Atualizada em 15 de maio de 2016 - 13:51

Grupo de imigrantes, oriundos da Líbia, desembarca no porto de Palermo, na Itália
Grupo de imigrantes, oriundos da Líbia, desembarca no porto de Palermo, na Itália
Grupo de imigrantes, oriundos da Líbia, desembarca no porto de Palermo, na Itália

Todos os dias centenas de refugiados chegam à Itália. Somente em 2015 o país acolheu cerca de 170 mil imigrantes e gastou cerca de 3 bilhões de euros com programas emergenciais para conter o fluxo imigratório. Diante de uma suposta invasão em massa tanto anunciada pelos jornais locais, os italianos continuam achando que a imigração é um problema para o país. Porém, os números apresentados pela última pesquisa divulgada pela Fundação Leone Moressa contrariam o pensamento comum e mostram como os imigrantes salvam a economia e a pensão de 620 mil italianos.

Em breve a Europa será um continente multirracial ou, se preferirem, colorido. Gostem ou não gostem, será assim.

Publicada no final de 2015, a pesquisa que analisa a economia da imigração, aponta que 620 mil pensões de italianos são pagas graças à contribuição de 2,3 milhões de trabalhadores estrangeiros que moram no país. Somente em 2014, eles pagaram cerca de 10 bilhões de euros para a previdência social. Os imigrantes também são responsáveis por 8,6% do PIB nacional, o que significa que, da riqueza produzida em 2014, 125 bilhões de euros vieram dessa mão de obra.

De acordo com a pesquisa, mais de 5 milhões de imigrantes vivem no país. Eles representam 8,2% do total da população, são “atores reais do desenvolvimento econômico”.  Destes, 632 mil são empresários. Os marroquinos são cerca de 69 mil e ocupam a primeira posição no ranking da nacionalidade de empreendedores estrangeiros, seguidos pelos chineses (62 mil) e romenos (60 mil).  Os principais ramos de atividade são o comércio (71%),  a construção (13%) e a prestação de serviços (7%). As empresas estão localizadas, principalmente, nas regiões da Lombardia, Piemonte, Campânia, Toscana e Emília Romanha.

Os números, porém, fazem refletir sobre o quanto é difícil o processo de integração e valorização profissional, o que segundo Mauro Valeri, funcionário do Órgão Nacional Antidiscriminação Racial – UNAR, explicaria a porcentagem de estrangeiros empreendedores. “Não havendo possibilidade de trabalhar em certos setores, os imigrantes apostam neles mesmos”.   Quase metade dos que têm entre 15 e 64 anos possuem ensino médio, 40,1% têm colegial e 10,1% são graduados (entre os italianos esse percentual é de 15,5%).

Para Stefano Solari, diretor científico da Fundação Moressa, “apesar da crise, o papel econômico dos imigrantes permitiu que o sistema produtivo italiano permanecesse em pé.”   Um dos motivos dessa produtiva introdução de estrangeiros no sistema político, econômico e social do país é que apenas 0,9% deles têm idade para se aposentar. De fato, hoje, 1 em cada 10 italianos tem mais de 65 anos, já entre os estrangeiros, a proporção aumenta de 1 a cada 100.  O que significa que nos próximos anos a população italiana tende a envelhecer e se aposentar, enquanto os imigrantes continuarão a pagar impostos e crescer – hoje o país tem 1 milhão de menores estrangeiros.

O último balanço demográfico feito pelo Instituto Nacional de Estatística – ISTAT, referente a 2014, revelou dados preocupantes: a queda no número de nascimentos, o envelhecimento da população (idade média de 44,4 anos) e muito mais mortes do que nascimentos. Este é o pior quadro demográfico desde 1917, época da Primeira Guerra Mundial.  E pensar que são, principalmente, os mais velhos a seguirem partidos políticos de direita como a Liga Norte, por exemplo, que através de discursos xenófobos, racistas e populistas impõe a ideia de que eles (os imigrantes) devem voltar para seus países de origem porque “roubam” o trabalho aos italianos.

Pago e não recebo

Após anos de trabalho duro, muitos realmente fazem a viagem de retorno. Mas diferentemente dos italianos, a maioria dos trabalhadores imigrantes dificilmente receberá o benefício da previdência social. Isto porque “98% deles trabalha na Itália por 5 a 10 anos e depois volta ao país de origem, perdendo o direito à pensão porque não possuem os requisitos de tempo de contribuição e idade mínima”, afirma Solari.

Tal fenômeno é definido como “social free riding” e diz respeito a 21% dos estrangeiros (198.430 dos 927.448) nascidos antes de 1949 que pagaram contribuições, mas não receberam pensões.  Segundo o relatório Worldwide INPS, nas caixas do instituto existem cerca de 3 bilhões de euros provenientes de contributos pagos por estrangeiros que deixaram o país.

A mão de obra imigrante é fundamental para a economia e a Itália precisa dessas pessoas. Somente ano passado, segundo a Organização Mundial da Imigração (OIM), 3.771 pessoas morreram no Mediterrâneo tentando chegar à Europa. Fugidas da fome e da guerra, morreram carregando apenas um punhado de esperança.  Aos italianos não cabe outra alternativa a não ser aceitar o fato que os imigrantes vieram para ficar. Como disse Umberto Eco, “em breve a Europa será um continente multirracial ou, se preferirem, colorido. Gostem ou não gostem, será assim”.

Janaína Cesar

Formada pela Universidade São Judas Tadeu (SP), trabalha há 17 anos como jornalista e vive há 15 na Itália, onde fez mestrado em imigração, na Universidade de Veneza. Escreve para Estadão, Opera Mundi, IstoÉ e alguns veículos italianos como GQ, Linkiesta e Il Giornale di Vicenza. Foi gerente de projetos da associação Il Quarto Ponte, uma ONG que trabalha com imigração.

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