Os povos indígenas estão em guerra contra os brancos, ou melhor, contra o governo. Eles saíram das suas aldeias e invadiram o asfalto. O protesto em defesa dos direitos constitucionais dos indígenas ocorreu, ontem, em 19 estados, dos quais sete deles na Amazônia. A mobilização também ocupou as ruas de grandes capitais mundo afora, como em Portugal, Estados Unidos, Canadá, Irlanda e França. Convencidos de que a indicação do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi como colocar a “raposa para cuidar do galinheiro”, os povos indígenas lançaram ontem a campanha “Sangue Indígena: nenhuma gota a mais”, liderada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Só no mês de janeiro, pelo menos seis invasões foram confirmadas em territórios dos povos tradicionais em diferentes regiões do país. Todas elas violentas, o que comprova a percepção de que a retórica anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro foi uma licença velada para os ataques perpetrados, segundo os atingidos, por fazendeiros e pistoleiros. Os alvos dos ataques foram as terras indígenas Arara no Pará, Araribóia e Awa no Maranhão, Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna em Rondônia. Foi registrado ainda roubo de madeira, derrubada ilegal de florestas para pastagens, abertura de picadas e estabelecimento de lotes para ocupação ilegal. O povo Tupiniquim, da terra indígena Aracruz, no Espírito Santo, foi alvo de depredações e a escola indígena foi incendiada. Também atearam fogo no posto de saúde dos Pankararu na Aldeia Caldeirão, em Jatobá, em Pernambuco, e foram registrados disparos por armas de fogo, seguida de ameaças de morte, na comunidade Guarani Kaiowá, em Ponta do Arado Velho, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A violência contra os Guarani Kaiowá já vem de longa data.
O desmonte da política indigenista, com a transferência da Funai, antes subordinada ao Ministério da Justiça, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, é um dos alvos do protesto. A medida provisória foi um dos primeiros atos de Bolsonaro. Assim como a remoção dos processos de demarcação das terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que tem à frente a ministra Tereza Cristina, também conhecida como a “musa do veneno”, por sua atuação em defesa do projeto de lei que flexibilizou o uso de agrotóxicos no país. A saúde indígena também está correndo riscos. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já declarou que as despesas são altas e os resultados “frágeis”, por isso pretende transferir para o Executivo o trabalho que, até aqui, vinha sendo feito por associações e entidades do terceiro setor.
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Veja o que já enviamosA Apib encaminhou à Procuradoria Geral da República uma ação judicial pedindo a suspensão do dispositivo da MP 870, que trata das demarcações das terras indígenas no país.
“O governo Bolsonaro é a representação máxima da barbárie que, há 519 anos, tenta expulsar os povos indígenas de suas terras originárias por meio de uma política de extermínio agora institucionalizada pelo Estado”, diz o texto da campanha, no site da Apib. Segundo levantamento da entidade, as terras indígenas que ocupam 12,5% do território do país. “O retrocesso em curso não é uma surpresa”, admitiu Telma Taurepang, coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira. Ela participou da mobilização em Roraima.
[g1_quote author_name=”Telma Taurepang” author_description=”coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O retrocesso em curso não é uma surpresa
[/g1_quote]Ainda durante a campanha eleitoral, o então candidato do PSL usou e abusou do tom agressivo contra os povos e os direitos indígenas. Nunca escondeu que é refratário aos temas ligados a questão indígena. Disse, por exemplo, que “não tem terra indígena onde não têm minerais. Ouro, estanho e magnésio estão nessas terras, especialmente na Amazônia, a área mais rica do mundo. Não entro nessa balela de defender terra pra índio”. Falou que “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola” e completou sua verborragia anti-indigenista afirmando que “se eleito eu vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais”. A promessa vem sendo cumprida à risca.
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