Janeiro vermelho e sangue indígena

Povos da floresta se mobilizam e vão às ruas nas principais cidades do país e do exterior em protesto contra o governo

Por Liana Melo | FlorestasVida Sustentável • Publicada em 1 de fevereiro de 2019 - 08:16 • Atualizada em 1 de fevereiro de 2019 - 12:20

janeiro vermelho e protesto indígena. Foto de Scarlett Rocha/ Mídia Ninja
janeiro vermelho e protesto indígena. Foto de Scarlett Rocha/ Mídia Ninja
Sônia Guajajara participou da manifestação “Sangue indígena: nenhuma gota a mais”, em Brasília. Foto de Scarlett Rocha/ Mídia Ninja

Os povos indígenas estão em guerra contra os brancos, ou melhor, contra o governo. Eles saíram das suas aldeias e invadiram o asfalto. O protesto em defesa dos direitos constitucionais dos indígenas ocorreu, ontem, em 19 estados, dos quais sete deles na Amazônia. A mobilização também ocupou as ruas de grandes capitais mundo afora, como em Portugal, Estados Unidos, Canadá, Irlanda e França. Convencidos de que a indicação do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi como colocar a “raposa para cuidar do galinheiro”, os povos indígenas lançaram ontem a campanha “Sangue Indígena: nenhuma gota a mais”, liderada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Protesto indígena ocorreu em várias cidades mundo afora, inclusive em Washington, nos Estados Unidos. Foto de Christian Poitier/ Cimi

Só no mês de janeiro, pelo menos seis invasões foram confirmadas em territórios dos povos tradicionais em diferentes regiões do país. Todas elas violentas, o que comprova a percepção de que a retórica anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro foi uma licença velada para os ataques perpetrados, segundo os atingidos, por fazendeiros e pistoleiros. Os alvos dos ataques foram as terras indígenas Arara no Pará, Araribóia e Awa no Maranhão, Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna em Rondônia. Foi registrado ainda roubo de madeira, derrubada ilegal de florestas para pastagens, abertura de picadas e estabelecimento de lotes para ocupação ilegal. O povo Tupiniquim, da terra indígena Aracruz, no Espírito Santo, foi alvo de depredações e a escola indígena foi incendiada. Também atearam fogo no posto de saúde dos Pankararu na Aldeia Caldeirão, em Jatobá, em Pernambuco, e foram registrados disparos por armas de fogo, seguida de ameaças de morte, na comunidade Guarani Kaiowá, em Ponta do Arado Velho, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A violência contra os Guarani Kaiowá já vem de longa data.

No Rio, a manifestação ocorreu em frente a Assembleia Legislativa (Alerj), no centro do Rio. Foto de Foto de Makko Jaibaras/ Cimi

O desmonte da política indigenista, com a transferência da Funai, antes subordinada ao Ministério da Justiça, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, é um dos alvos do protesto. A medida provisória foi um dos primeiros atos de Bolsonaro. Assim como a remoção dos processos de demarcação das terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que tem à frente a ministra Tereza Cristina, também conhecida como a “musa do veneno”, por sua atuação em defesa do projeto de lei que flexibilizou o uso de agrotóxicos no país. A saúde indígena também está correndo riscos. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já declarou que as despesas são altas e os resultados “frágeis”, por isso pretende transferir para o Executivo o trabalho que, até aqui, vinha sendo feito por associações e entidades do terceiro setor.

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A Apib encaminhou à Procuradoria Geral da República uma ação judicial pedindo a suspensão do dispositivo da MP 870, que trata das demarcações das terras indígenas no país.

A mobilização #Janeirovermelho ocupou o vão do Masp, em São Paulo. Foto de Rafael Parente Sá Martins/ Cimi Sul

“O governo Bolsonaro é a representação máxima da barbárie que, há 519 anos, tenta expulsar os povos indígenas de suas terras originárias por meio de uma política de extermínio agora institucionalizada pelo Estado”, diz o texto da campanha, no site da Apib. Segundo levantamento da entidade, as terras indígenas que ocupam 12,5% do território do país. “O retrocesso em curso não é uma surpresa”, admitiu Telma Taurepang, coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira. Ela participou da mobilização em Roraima.

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O retrocesso em curso não é uma surpresa

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Ainda durante a campanha eleitoral, o então candidato do PSL usou e abusou do tom agressivo contra os povos e os direitos indígenas. Nunca escondeu que é refratário aos temas ligados a questão indígena. Disse, por exemplo, que “não tem terra indígena onde não têm minerais. Ouro, estanho e magnésio estão nessas terras, especialmente na Amazônia, a área mais rica do mundo. Não entro nessa balela de defender terra pra índio”. Falou que “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola” e completou sua verborragia anti-indigenista afirmando que “se eleito eu vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais”. A promessa vem sendo cumprida à risca.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “Janeiro vermelho e sangue indígena

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