ODS 1
Planeta aquece e rompe limite climático do Acordo de Paris
Além de ter sido o ano mais quente da história, 2024 registrou recorde de temperatura global de 1,6ºC. Mudança do clima pode impactar diretamente setores econômicos, como o agronegócio
Não foi por falta de aviso da comunidade científica, ao longo do último ano, que 2024 poderia estourar a temperatura limite estabelecida no Acordo de Paris. A previsão foi confirmada ontem (10 de janeiro) pelo Serviço Meteorológico Europeu Copernicus. Agora é oficial: o ano passado foi o mais quente já registrado na série histórica e ainda, com a escalada das temperaturas globais, rompeu-se a barreira dos 1,5ºC. A temperatura média global ficou 1,6ºC acima dos níveis pré-industriais.
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“O 1,6°C da temperatura global tem uma variedade muito grande regionalmente. Para o Ártico significa, por exemplo, mais 7°C na temperatura local, o que provocaria degelo. Na Amazônia, são mais 4°C de aquecimento, isso é muito para a população e para o ecossistema”, analisa Patrícia Pinho, diretora adjunta de Pesquisa do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
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Veja o que já enviamosO recorde, que não é para ser comemorado, se deveu à concentração de gases super aquecedores na atmosfera, a exemplo do gás carbônico, emitidos por ações humanas como a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a degradação por incêndios florestais.
“A natureza está cobrando a conta”, complementa Ane Alencar, diretora científica do Ipam, uma das maiores especialistas brasileiras em fogo na Amazônia e no Cerrado. “Os políticos, independentemente da sua ideologia, na sua forma de pensar, vão ter, em algum momento, de olhar para isso, porque as pessoas estão morrendo, perdendo suas casas…”.
Os eventos climáticos extremos deram a tônica em 2024. No Brasil, a área queimada no ano passado foi a maior desde 2010, segundo cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Além dos prejuízos para a economia, o alastramento de incêndios e da fumaça causaram danos à saúde das pessoas e aos ecossistemas. O desmatamento na Amazônia Legal foi de 6.288 km², segundo o órgão, para o período de 01 de agosto de 2023 a 31 de julho de 2024. Ainda que o desmatamento esteja em queda, continua, segundo o Ipam, uma das ameaças ao equilíbrio climático.
Pesquisadores da instituição calculam que a destinação de 56,5 milhões de terras públicas na Amazônia para conservação, terra indígena ou uso sustentável deixaria de emitir mais de 8 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a um ano de emissões globais. Biomas como a Amazônia e o Cerrado concentram 85% de tudo que é desmatamento.
“Vivemos em um contexto onde o clima ajuda bastante a propagar incêndios e a gerar secas”, analise Alencar. Não à toa, o Ipam vem sugerindo o engavetamento de novos projetos de exploração petroleira no país e a criação de royalties verdes para compensação econômica. Os impactos negativos na economia já são facilmente calculáveis.
O agronegócio, um dos maiores setores da economia brasileira, por exemplo, tem uma dependência direta das chuvas produzidas a partir de ciclos naturais de importantes ecossistemas, como a Amazônia e o Cerrado. Segundo estudos do Ipam, a mudança do clima pode comprometer o plantio em 70% em áreas agricultáveis da região Centro-Oeste do país até o ano de 2050 se não houver investimento em adaptação – um dos temas cruciais a ser discutido na COP da Floresta, como vem sendo chamada a COP30 que ocorrerá em novembro próximo em Belém (PA).
“Hoje, no Brasil, somente 30 municípios têm seus planos de adaptação concluídos. Segundo o Adaptation Gap Report, os custos estimados para estas medidas, em toda a América do Sul, chegam a 200 bilhões de dólares por ano até 2030”, comenta Pinho, acrescentando que, se este gargalo não for solucionado a tempo, o preço a pagar será três vezes maior e as populações continuarão sendo colocadas em risco. “Os recordes de temperatura global estão associados às catástrofes climáticas que estamos vivendo no Brasil inteiro”.
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Márcio Astrini, o recorde da temperatura em 2024 é um indicador forte de que “parece que ninguém mais considera que o planeta pode ficar abaixo dos 1,5ºC”. E complementa: “É como se todos ficassem observando quando sairá a declaração das Nações Unidas a dizer que a meta do Acordo de Paris já foi perdida”. O OC listou no seu site os dez fatos climáticos que marcaram o ano de 2024.
Para piorar o cenário “desesperador”, continua Astrini, as ações que poderiam trazer algum controle sobre a crise climática simplesmente não estão acontecendo. Outro agravante é que o cenário global não ajuda: guerras ao redor do planeta e com Trump nos Estados Unidos, o espaço para avançar na agenda de clima fica ainda mais difícil.
A questão climática depende de uma agenda coletiva, cuja solução é basicamente estatal, ou seja, depende dos estados, dos países, dos governos. Não à toa, as conferências de clima são as instâncias onde o tema é debatido. Mas, defende Astrini, é preciso ter um ambiente colaborativo para algo avançar: “Mas o mundo está regredindo neste sentido, infelizmente”.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.