ODS 1
A música que vem das estrelas
Arte e ciência se unem no projeto chileno Sonidos de ALMA
Nem só da trilha sonora de John Williams vivem as estrelas. O projeto Sonidos de ALMA – a sigla vem de Atacama Large Millimiter Array, a maior rede de telescópios do mundo, localizada no famoso deserto chileno – traz uma série de DJs e produtores criando músicas a partir de “ruídos” provenientes do espaço. Eles são, na verdade, sinais eletromagnéticos capturados por alguns dos 66 radiotelescópios do ALMA, colossal iniciativa que reúne pesquisadores europeus, japoneses, americanos e, claro, chilenos. A iniciativa surgiu por conta da primeira edição em Santiago do festival espanhol de música avançada Sónar, em dezembro do ano passado.
– Quando a organização do Sónar entrou em contato conosco, querendo levar o ALMA para o Sónar +D, seu congresso paralelo de arte e tecnologia, a ideia era fazer algo sobre música no espaço – conta, via Skype, o astrônomo chileno Antonio Hales, que trabalha em ALMA há oito anos (a rede foi inaugurada em 2013) e foi um dos responsáveis pelo projeto – Inicialmente, fui conservador, lembrando que não há som no espaço. O que capturamos em ALMA são frequências eletromagnéticas, luzes das estrelas mais remotas do universo. Depois, porém, conversando com um amigo (Ricardo Finger, engenheiro da Universidade do Chile), sobre como sons e luzes se portam como ondas, pensamos que poderíamos criar uma interessante analogia.
Usando registros oriundos da Nebulosa de Órion (“É a região de formação de estrelas mais próxima da Terra, o local onde mais registramos essas emissões”, explica), transformados em ondas sonoras, mantidas suas frequências e intensidades, a partir de um rigoroso processo matemático, Hales e Finger obtiveram “ruídos”, que foram agrupados em um banco de dados on-line. Depois, foram oferecidos a um primeiro grupo de artistas convidados – que incluiu o alemão Atom TM (também conhecido como Senõr Coconut) e o chileno DJ Raff, entre outros.
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Veja o que já enviamosA maior parte dos resultados dessa primeira leva – que pode ser ouvida no soundcloud do projeto – é bem abstrata, meio alienígena, com um ou outro groove mais pulsante (caso da minha favorita, de título espirituoso, “Octavo pasajero”, de Fernanda Arrau, que está no pé deste artigo).
– Ficamos todos bem felizes com esses primeiros resultados. É uma excelente forma de casar divulgação científica com explorações sonoras – garante Hales, amigo de infância de Luciano, DJ e produtor chileno de carreira internacional. – Escuto muito as músicas de Luciano e também de Ricardo Villa-Lobos (outro destacado nome da eletrônica chilena) quando estou trabalhando à noite em ALMA.
Filho do diplomata Patricio Hales e da jornalista (brasileira) Leila Gebrim, Hales toca violão numa banda amadora de bossa nova (sua outra paixão musical, além do techno minimalista de seus conterrâneos). Num português fluente, conta que assistiu, emocionado, ao premiado documentário “Nostalgia da luz”, de Patricio Guzmán, que faz uma outra analogia, dessa vez da astronomia praticada em ALMA com a luta de parentes de desaparecidos políticos durante a ditadura militar de Pinochet para encontrar seus corpos enterrados, sem identificação e localização, na vastidão do Atacama.
– Meu pai era militante do Partido Comunista um pouco antes do golpe e foi preso e torturado. Entendo muito bem o sofrimento dessas pessoas. Estamos todos, de alguma forma, buscando rastros do passado, seja no solo ou nas estrelas.
Funcionando em formato open-source, em licença Creative Commons, o Sonidos de ALMA deve virar uma compilação, ainda no primeiro semestre de 2016, com suas primeiras faixas, e vai seguir aberto a qualquer terráqueo interessado em criar “canções, trilhas sonoras e expressões artísticas”, como explica o site do projeto.
– Mais de mil pessoas já baixaram nossos arquivos para suas criações. Já ouvi algumas faixas novas incríveis, que logo subiremos para o soundcloud – diz Hales, que precisa se desconectar para voltar a olhar as estrelas no esplendoroso céu do Atacama.
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Carlos Albuquerque (ou Calbuque) é jornalista de cultura, biólogo, DJ (daqueles que ainda usam vinil) e ocasional surfista de ondas ridiculamente pequenas. Escreve com a mão esquerda e Darwin é seu pastor.
Genial. 🙂
É mais que fantástico! Isso é lindo! Espetacular!!!