ODS 1
Livro revela as entranhas das cinco maiores florestas do mundo
Em entrevista ao #Colabora, John Reid, um dos autores de ‘Megaflorestas’, diz que precisamos ‘abandonar o hábito de transformar florestas em paisagens de capim, arbustos, poeira e asfalto’
No dia 30 de novembro, o Brasil estará com uma delegação de mais de duas mil pessoas em Dubai, para a abertura da Conferência da ONU sobre o Clima, a COP28. Na avaliação que o embaixador Andre Correa do Lago fez em briefing para a imprensa no dia 20, o país chegará aos Emirados Árabes com “uma situação interna confortável por causa da redução do desmatamento”. O Prodes estimou queda de 22,3% no período de agosto de 2022 a julho de 2023 em relação ao período anterior, de agosto de 2021 a julho de 2022. O foco dos líderes que se reunirão, convocados pela ONU, é baixar as emissões de carbono. E, como todo mundo já sabe, preservar as florestas é uma solução relativamente simples para alcançar esta meta.
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Dois dias antes do início da COP28, no Rio de Janeiro, será lançado o livro “Megaflorestas – Preservar o que temos para salvar o planeta”, no qual seus autores, o economista John W. Reid e o biólogo Thomas E. Lovejoy (Ed. Voo) oferecem, de forma emocionante, um quadro real sobre a importância de se preservar as florestas e, assim, ajudar a humanidade a continuar vivendo no planeta. John e Thomas não fizeram a pesquisa para escrever o livro no conforto de seus escritórios, encerrados em ambientes climatizados. Foi o contrário disso. Eles meteram o pé na estrada para nos ajudar a “abandonar o hábito de transformar florestas em paisagens de capim, arbustos, poeira e asfalto”.
Thomas Lovejoy, vencido por um câncer em 2021, não conseguiu ver a obra pronta, que ganhou um prefácio assinado pela ministra Marina Silva, do meio ambiente. Marina destaca a emoção contida no livro – “é um alimento para a esperança” – onde os autores descortinam para o leitor o mundo desconhecido das cinco maiores florestas do mundo, às quais eles deram o nome de megaflorestas.
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Veja o que já enviamosTaiga, a maior de todas, é chamada de floresta boreal e fica quase toda na Rússia e se estende também pelo continente europeu. A outra que recebe o mesmo atributo, por causa de Bóreas, Deus grego do vento norte, é a Zona Boreal norte-americana, que começa no Alasca e se estende pelo Canadá. A floresta de Nova Guiné, ao norte da Austrália, é a menor das megas. Segue-se a floresta do Congo, no Centro da África, e a Amazônia, que segue por oito países independentes.
Thomas e John conversaram com muita gente e trazem algumas informações preciosas. Um exemplo é o do besouro-caçador-de-incêndio. O bichinho usa detectores de infravermelho no tórax para encontrar árvores queimadas e se põe à caça logo após um incêndio. Enquanto olhamos impactados a destruição causada pelo fogo, seres vivos se refestelam com as iguarias tostadas. É o ciclo da vida.
Além da descrição dos lugares visitados, os dois autores compilaram também muitos dados, a maioria que não nos causam orgulho da raça humana.
“Somente a perda de florestas tropicais emitiu cerca de 5 bilhões de toneladas métricas de CO2 anualmente na primeira década dos anos 2000. Para se ter ideia, o volume é maior do que todas as emissões da União Europeia no mesmo período”, contam.
Para se alcançar a meta que os líderes das nações buscarão atingir – aquecimento contido em 1,5 grau – os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC na sigla em inglês) recomendam que a perda de florestas seja completamente interrompida até 2030, lembram Thomas e John.
“Assim como a transpiração resfria o corpo humano, a água transformada em vapor absorve energia e resfria o ambiente circundante. É possível sentir este efeito de ar-condicionado no interior da floresta, mais fresco do que um local sombreado sem árvores como, por exemplo, sob um toldo”, relatam eles, parte do que viveram.
O livro tem 326 páginas, e é impossível fazer um resumo dos melhores momentos, porque há muitos deles. Daí ser uma publicação que merece estar na estante, não só de quem estuda e analisa o tema, mas também de jovens que merecem entender a profundidade do imbróglio em que a humanidade se meteu desde que resolveu encher o céu e os oceanos de carbono.
John Reid, atualmente morando na Califórnia, já visitou várias vezes o Brasil. Um dos seus territórios de pesquisa é o Vale do Javari, onde foram mortos Bruno Pereira e Dom Philips, em junho de 2022. John era amigo e trabalhou com Bruno, com quem conversava semanalmente, mesmo morando longe. “Criativo, inovador e corajoso”, é como o autor descreve o indigenista em entrevista que ele concedeu ao Colabora: “Esse tipo de compromisso dessas pessoas é que me faz sentir algo que não é otimismo, é encanto” disse ele.
Abaixo, a entrevista na íntegra:
#Colabora: No livro, vocês dizem que “preservar grandes quantidades de carbono em florestas intactas é barato porque essas terras são remotas e o processo é simples”. Por que essa oportunidade ainda é tão ignorada?
John Reid – Primeiro, quero destacar que nem todas as florestas estão sendo destruídas. Se temos informações sobre custo de conservação é porque muitas florestas foram conservadas e há trabalho sério acontecendo para garantir a integridade dessas áreas. E o Brasil se destaca como um dos países que tem área de floresta tropical protegida. Mas tem a outra face da moeda, que é a destruição acontecendo em algumsa áreas publicas protegidas, a maior poarte áreas privadas, não destinadas, terra de niguém. Eu acho que, por um lado, mesmo sendo mais barato conservar, ao conservar, quem é beneficiado? Todos nós, toda a população de um país. Ao destruir uma floresta para tirar madeira, ouro, plantar coca, seja lá o que for, esse uso está beneficiando um pequeno número de pessoas. E essas pessoas podem e vão lutar para ter acesso àqueles recursos para se beneficiarem. E o cidadão que está longe e se beneficia da proteção, nem sempre sabe o que está acontecendo. Para enfrentar isso, é preciso um Estado disposto a fazer as ações no chão: fiscalização e proteção, dando apoio para as populações locais que têm por tradição uma economia baseada na floresta para garantir os direitos e as possiblidades que eles têm de proteger essas áreas sem serem ameaçados e sem serem assassinados como foram Dom e Bruno.
“Quisemos destacar também, nesse capítulo, os bens públicos. São as coisas não mensuráveis, tipo a beleza da lua numa noite sem nuvens, a beleza do mar, o fato de existir .. ter ar limpo, ou uma temperatura decente para se viver. Esses bens públicos não são reconhecidos pelos mercados, porque ninguém paga por eles. Nosso objetivo foi deixar claro que as soluções para preservar o bem público são as coisas que realmente importam”.
#Colabora: Já somos mais de oito bilhões de pessoas no mundo, consumindo de forma estrondosa. Para que a vida humana na terra possa seguir, com tudo o que os cientistas já disseram, com o que vocês mostram no livro, será preciso reduzir produção e consumo. Quando se fala nisso, a indústria logo alerta: vai haver desemprego em massa se isso acontecer. Como resolver essa equação?
John Reid – Sempre que um sistema econômico muda, há dor, sofrimento, porque algumas pessoas vão ter que mudar de trabalho ou vão perder o trabalho. Se você pensar na época em que era legal a exploração de baleias, vai se lembrar de que, quando acabou aquela indústria, muitos empregos também acabaram. Aqui na minha região (Califórnia, Estados Unidos), acabou a indústria madeireira não para atender os apelos de quem preza a conservação ambiental só, mas porque as madeireiras acabaram com a madeira. E isso, é claro, causou muito desemprego. Agora, é fato que nós, sobretudo quem tem privilégio econômico, estamos consumindo além do que a Terra é capaz de oferecer. Sendo assim, vai ter que ter uma redução de consumo para diminuir a pressão constante sobre os recursos naturais, nas florestas. Essa transição pode ser bem feita ou mal feita. O papel dos governos será o de prever o que vai acontecer, saber quem vai perder emprego e tentar agendar uma transição de pessoas, dos atuais empregos – seja no garimpo ou na exploração excessiva de madeira – para novas oportunidades. A questão é: de qualquer maneira, essa transição vai acontecer. Podemos fazer isso já, ainda mantendo algo das nossas florestas, ou podemos fazer isso depois que os recursos naturais acabarem.
#Colabora: A tecnologia, que segundo muitos está associada aos ‘empregos verdes’, é a bala de prata para resolver os problemas causados pelos impactos ao meio ambiente?
John Reid – Pode ter emprego verde sem que esses empregos tenham esse objetivo, de ir para um plano B porque o plano A foi destruir o planeta. Por exemplo, acho interessante pensar: se a nossa resposta é tecnológica, porque fracassamos na tentativa de fazer uma boa gestão da nossa biosfera, isso implica que a nossa única meta é a sobrevivência dos seres humanos? As outras espécies vão ter que se virar e vão ser extintas? E aí vem a tecnologia que vai nos proteger dos quase 60 graus de temperatura com ar condicionado. Nós podemos nos proteger até certo ponto, sim. Mas, e as outras espécies vivas do planeta? E os indígenas isolados da Amazônia, como vão usar a tecnologia para se proteger? Eu acho que as resposta tecnológicas são muito necessárias no que diz respeito a como a gente produz energia. Essa revolução das fontes renováveis é ótima, e o Brasil tem sido líder nessa transição. Essa é uma resposta tecnológica bem vinda, mas isso não nos livra da obrigação de cuidar do nosso lar, do nosso planeta.
Colabora: No livro, vocês dizem que ‘A diversidade de pessoas é igualmente espetacular nas megaflorestas’. Conte, por favor, como é a relação dos povos das florestas com seu entorno. Há o perigo de que essas pessoas possam ser cooptadas pelo sistema econômico que ajuda a destruir seu habitat?
John Reid – Em março deste ano eu viajei ao Vale do Javari, fui de uma aldeia a outra com um amigo Marubo. Fomos parando, comendo nas malocas. E o que vi foi fartura de comida, pessoas saudáveis que conseguem viver com o básico, com o que conseguem em seu entorno que alimentou seus ancestrais. A relação delas com aquele lugar é diferente da minha relação, que fui como visitante. Mas elas têm problemas, elas precisam de dinheiro. Ninguém passa ileso às pressões do mundo moderno, da economia moderna. Qualquer povo indígena vai ter pessoas que se destacam na escola, que são educadas para serem advogados, que interagem e fazem parte da sociedade como um todo, isso é normal. Só que eu acho que essas pessoas sentem as mesmas pressões, vivem com essa interação direta com a economia.
#Colabora: Nas últimas três décadas, conforme vocês informam no livro, os governos dobraram a porcentagem de terras protegidas, com base no ano de 1990. E a maioria dos países concorda, nos acordos e em NDCs, em quase dobrar novamente até 2030. Mas os argentinos, por exemplo, acabam de eleger um negacionista de ultradireita. Donald Trump vai se recandidatar. A inquietante escalada de negacionistas de ultradireita pode frustrar esses planos?
John Reid – Pode sim. Nós passamos por isso aqui nos Estados Unidos, vocês passaram por isso no Brasil, e agora a Argentina elegeu o Trump deles. Pode atrapalhar, adiar o alcance dessas metas. Mas o que a gente viu, pensando na sociedade civil brasileira, é que ela continuou trabalhando nesse período mais difícil. Passou por muitas derrotas, sim, mas ela existe hoje e vai continuar. A mesma coisa se aplica à Argentina. A sociedade não abandona os valores ambientais, o amor pelas paisagens, mares, montanhas, florestas. Mas políticos do momento podem atrapalhar, e bastante.
#Colabora: O que podemos esperar da ascensão do mercado de carbono, que já está sendo apontado por muitos como a solução de todos os problemas?
John Reid – O mercado de carbono é uma das muitas formas para financiar as florestas. A grande maioria vem do Tesouro público, e em alguns casos vem da cooperação internacional, da filantropia. Mas o mercado voluntário de carbono não está tendo um impacto muito grande hoje por causa de vários problemas. Há outras alternativas. O Brasil mostrou, por exemplo, com o Fundo Amazônia, uma forma mais eficiente de financiar a proteção desses estoques de carbono florestal. E não é um mercado, mas um arranjo entre um país e outro. O principal país pagador, no caso do Fundo Amazônia, é a Noruega, e ela fez acordos com o Brasil e com alguns outros países. Com isso, ela alcançou uma escala de impacto que não tem sido possível com os mercados de carbono. Diferentemente dos mercados de carbono, ela não exigiu uma cuidadosa medição de exatamente quantas toneladas foram sequestradas e com quais ações exatamente. Esse trabalho é muito caro e muito cheio de incertezas. Em resumo, os mercados de carbono voluntários podem fazer alguns projetos interessantes, mas não vão ter escala.
#Colabora: A folhas tantas, no livro, vocês fazem uma pergunta de cem milhoes de dólares, para a qual eu busco a resposta há vinte anos: “Se as florestas intactas nos oferecem chuvas, alimentos, atmosfera saudável, rios limpos, biodiversidade caleidoscópica e sentimentos primários de conexão espiritual, por que a sociedade age como se mal pudesse esperar para se livrar delas?” Falta educação ambiental? Esse livro poderia ser aplicado nas escolas?
John Reid – Eu acho fundamental que os jovens aprendam. É este contato, desde cedo, que faz cair a ficha e cria espaço para várias perguntas: o que é essa coisa de floresta? qual o cheiro? qual o visual? o que a gente experimenta lá dentro? E acho que o mesmo pode se dizer para os especialistas também. Eles podem contar aos jovens todas as maravilhas cientificas que acontecem em um metro quadrado de floresta. Tem trabalhos interessantes em Manaus, como o Museu da Amazônia, que fica no centro de dez mil hectares de floresta e tem um trabalho extraordinário de didático. Fiquei impressionado com a possibilidade de compartilhar o espaço com amazonenses que estavam descobrindo a Floresta Amazônica, que não conhecem nada sobre ela, embora morem ali, em Manaus. Thomas Lovejoy e muitos de nossos colegas tiveram alguma experiência na infância que os colocou em contato com a natureza, e nosso destino profissional foi decidido naquele instante. É importante isso acontecer. Independentemente de sua origem, os jovens precisam ter essa oportunidade.
#Colabora: No capítulo “As florestas e a economia real”, vocês fazem uma interessante reflexão: “Uma taxa de juros moderada a alta indica que a sociedade atribui muito mais valor a benefícios/consumo no presente do que no futuro”. Se não nos importamos muito com o futuro, não há razão, pelo menos não no setor econômico, para tomar agora medidas que garantam um futuro saudável, tais como salvar as florestas, é isso?
John Reid – Nesse capítulo nós quisemos explicar como os conceitos básicos de economia explicam o que está acontecendo. Porque no mundo ocidental, as pessoas priorizam o hoje ao amanhã, e isso é formalizado na economia, nos mercados financeiros, com as taxas de juros. Se você aplicar taxas de juros a uma análise global e avaliar ações para conter mudanças climáticas, terá um resultado ambíguo. Ou seja: a economia fracasssa como ferramenta de decisão, porque nossas decisões têm que ser feitas com conhecimento econômico, mas é preciso ter outras fontes de informações e outros olhares éticos. Quisemos destacar também, nesse capítulo, os bens públicos. São as coisas não mensuráveis, tipo a beleza da lua numa noite sem nuvens, a beleza do mar, o fato de existir .. ter ar limpo, ou uma temperatura decente para se viver. Esses bens públicos não são reconhecidos pelos mercados, porque ninguém paga por eles. Nosso objetivo foi deixar claro que as soluções para preservar o bem público são as coisas que realmente importam. É um desafio coletivo que precisa ser abordado por comunidades – pode ser um país ou uma aldeia – mas tem que ser em coletivo.
#Colabora: Na linha das soluções possíveis para enfrentar o impacto climático, vocês dão alguns exemplos de populações que compartilham de um mesmo conjunto de valores e fazem regras de convivência. Como é isto?
John Reid – Eu vejo muito sentido na gestão coletiva de áreas de floresta, e isso acontece hoje em muitas comunidades, indígenas, não indígenas. Pode abranger produção para consumo próprio ou para o mercado. A questão que importa é a força da comunidade e a confiança entre seus membros para fazer regras e respeitá-las. Eu acho que é uma solução muito importante, não apenas na Amazônia, mas também nas outras grandes florestas. Mas não adianta formentar esse tipo de modelo de desenvolvimento e, no dia seguinte, abrir uma estrada para escoamento de grãos. Tem que ter coerência de politicas públicas.
#Colabora: Minha última pergunta são duas: o Brasil o inspira? E o senhor é otimista?
John Reid -Tenho muitos heróis e figuras admiradas do Brasil. O país e os ambientalistas são muito criativos, inovadores e corajosos. Tive a oportunidade de trabalhar com Bruno Pereira, a gente se falava toda quinta-feira pelo Zoom. Eu vi nele – não só nele, mas ele é um exemplo – uma dedicação tremenda. Ele pensava o tempo todo em desafios e estratégias, tinha uma leitura muito realista do que acontecia naquele território, e sabia dos riscos. Recebia ameaças e pôs a vida à disposição do movimento. Esse tipo de compromisso – para começar a responder a sua segunda pergunta – me dá esperança. A esperança pode ser ingenua, mas também pode ser calibrada às realidades que a gente enxerga todo dia. Eu acho que tenho algo que não chamaria de otimismo, eu chamaria de encanto. Eu sou encantado com as florestas, com as pessoas que vivem nelas e as defendem. Eu vejo as derrotas, eu as sinto na pele. Eu não sei como essa história vai acabar, o que sei é que pessoas talentosas, com belas almas, vão fazer o esforço máximo, sempre, para que tudo dê certo.
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Jornalista, durante nove anos editou o caderno Razão Social, encartado no jornal O Globo, que atualizava temas ligados ao desenvolvimento sustentável. Entre 2013 e 2020 foi colunista do G1, sobre o mesmo tema. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde as questões relacionadas ao meio ambiente, ao social e à governança são tratadas sempre com ajuda de autores especialistas.