Rodrigo Tremembé, na contramão dos padrões da moda

Rodrigo Tremembé, na contramão dos padrões da moda

Elber Anacé usa uma das criações de Robrigo Tremembé. Foto Iago Barreto, 2023

Estilista usa suas criações como ‘arcos e flechas’ simbólicos para combater os preconceitos e os velhos padrões estéticos

Por Ana Rafaella Oliveira | ODS 12 • Publicada em 18 de julho de 2023 - 00:25 • Atualizada em 12 de janeiro de 2024 - 16:07

Rodrigo Tremembé é um jovem estilista do povo Tremembé, mais especificamente, da Aldeia Córrego João Pereira, em Itarema, no Ceará. Sua escolha pela moda se deu quando em 2021, ainda durante a pandemia, teve a identidade indígena questionada por conta da sua pele clara. Esse episódio o levou a compreender que as suas criações poderiam resultar num movimento de resiliência, se usasse a moda como ferramenta, o que lhe pareceu também a oportunidade de fortalecer a sua cultura.

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“A moda para mim, acima de qualquer coisa, é um espaço político onde o vestir me possibilita questionar padrões estéticos e sobre o quanto nossas roupas também podem ser arcos e flechas, que se mirando corretamente, encontram os alvos de forma assertiva”, explica o estilista.

Na sua cultura, os grafismos têm grande representação e as pinturas corporais são maneiras de vestir o corpo historicamente. “Nossas primeiras vestimentas já mantinham relações com a natureza em nossa volta. Adornos de penas, ossos de peixes e sementes fizeram e fazem parte da nossa estética ancestral. Com a colonização, as vestimentas em tecidos vieram para nos distanciar da forma que nossos ancestrais viviam. Nossos adornos tradicionais continuaram a fazer parte dos nossos corpos, mas agora, junto das vestimentas provenientes dos colonizadores”, afirma Tremembé.

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O estilista se reconhece como um dos precursores do seu povo a transpor a arte dos grafismos e pinturas originárias para os tecidos, e fazer disso, um movimento político e cultural. As pinturas para o povo Tremembé têm simbolismos próprios, sendo consideradas como uma escrita de forte relação com a sua espiritualidade, sobretudo, por retratar elementos da natureza.

Um dos muitos e criativos croquis de Rodrigo Tremembé. Reprodução
Um dos muitos e criativos croquis de Rodrigo Tremembé. Reprodução

“Quando estamos pintados, o encantado presente no grafismo manifesta sua simbologia no nosso plano espiritual. Pensando por essa perspectiva, decidi trazer as pinturas para os tecidos com o intuito de levar a pajelança também para a moda. Nossas roupas podem curar, proteger e regenerar”, contextualiza o jovem.

Além do aspecto espiritual, ele acredita que ao levar as pinturas para os tecidos, está também demarcando espaços ainda pouco ocupados por povos indígenas. Esse é um papel fundamental porque dentro da lógica convencional, ele se sente pouco representado, ou quando o é, percebe a carga de estereótipos. Dessa forma, defende a ideia de que fazer moda, sendo indígena, é ser protagonista das suas próprias histórias.

“A moda convencional reforça padrões estéticos baseados no consumismo, onde as pessoas não têm identidade e se transformam em coisas e fotocópias. Desde pequeno eu folheava as revistas e não via corpos indígenas. Sempre senti que a sociedade nos impõe um espaço de apagamento e silenciamento. Até quando havia um ‘indígena’ nesses espaços, era uma pessoa branca ‘homenageando’ os povos originários. E isso tem nome: apropriação cultural”.

O estilista enfatiza que essa é uma prática que foi muito reforçada pela colonização, mas defende que os povos originários podem e querem mostrar seu potencial criativo, para que, dessa forma, seus conhecimentos ancestrais não sejam mais representados pelos outros.  “Desse modo e com a ideia de romper preconceitos, racismo e estereótipos, vi na moda a chance de mudar o sistema, usando-a para questionar a ausência de indígenas em todos os espaços da indústria criativa”, observa.

Com o mesmo cuidado da nova geração de estilistas indígenas que vem ganhando visibilidade na indústria da moda no Brasil, Tremembé se preocupa com a relação entre as suas criações e a proteção ambiental. Seu intuito é garantir um futuro digno para as próximas gerações.

“Venho trabalhando com o slow fashion e com a proposta de moda verde, mantendo conexão com as boas práticas de consumo e de preservação da natureza. Chamo de resiliência na moda, a capacidade de enxergar nos processos criativos formas mais ecoeficientes e gerando o mínimo de impacto possível. Por isso, trabalho em pequena escala, priorizando a escolha de matérias-primas a partir da sua procedência, utilidade, durabilidade e qualidade”, conclui.

Tremembé tem produzido mais kimonos e ponchos recentemente, já que essas peças lhe permitem criar várias artes, ampliando dessa forma, a sua capacidade de mostrar as pinturas do seu povo. Entre as matérias-primas usadas, opta sempre pelas naturais, como sementes, o linho de birreiro, que é produzido a partir de uma palmeira da sua região e os bilros. Na cartela de cores, usa as que estão disponíveis na sua cidade. E nos seus croquis, busca representar a diversidade de corpos e estéticas indígenas.

Suas conquistas nesse universo da moda têm levado o estilista a refletir também sobre o que tudo isso representa em termos de espiritualidade, considerando seus avanços como coletivos. Sua voz tem sido ampliada à medida que o seu trabalho chega por meio de reportagens, exposições e produções audiovisuais. Essa é uma forma de reverenciar a sua ancestralidade.

“Sendo assim, a espiritualidade também ganha quando levo a voz de meus antepassados, pois, a ancestralidade é a água que molha minhas raízes. É dela que vem a minha inspiração para criar”.

O protagonismo de outros criativos indígenas na moda também colabora para o fortalecimento do jovem estilista. “Estar ao lado de outros indígenas nesses espaços de moda é ter a certeza de que estou no caminho certo. Um galho só quebra fácil, mas um feixe dificilmente quebra. Nós somos como um formigueiro, onde todos trabalham pelo bem comum”, conclui Tremembé.

Ana Rafaella Oliveira

Ana Rafaella Oliveira pesquisa moda, identidade e cultura. Ela tem como intuito ampliar os debates sobre decolonialidade e incluir o potencial criativo da moda brasileira no cenário global.

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