Diário da Covid-19: Brasil tem 12,8 mil mortes na semana mais letal da pandemia

País registra meio milhão de casos em sete dias e responde por 21% dos óbitos no planeta

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 14 de março de 2021 - 12:16 • Atualizada em 17 de março de 2021 - 09:00

Pronto-socorro do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, lotado de pacientes infectados com o coronavírus. Foto Silvio Avila/AFP. Março/2021

Mais uma vez o Brasil registrou a semana mais letal da pandemia. Cada nova semana tem sido pior do que a anterior. A mesma história, praticamente, ao longo de todo o ano de 2021. Mas a semana de 28/02 a 06/03 foi a primeira a ultrapassar a casa das 10 mil mortes e a semana de 07/03 a 13/03 chegou a 12.777 óbitos (21% das mortes globais na semana). O Brasil assumiu o segundo lugar isolado tanto no número acumulado de casos, quanto no número de mortes, atrás apenas dos EUA. Nos últimos dias, reiteradamente, tem apresentado os maiores números absolutos de casos e de vítimas fatais da covid-19. Desta forma, o Brasil está no “olho do furacão” da pandemia global.

A primeira vida perdida para a covid-19, em território brasileiro, ocorreu em São Paulo, em meados de março de 2020. Um ano depois já foram sepultadas 277 mil pessoas e os cemitérios não param de enterrar os cadáveres da incúria nacional. Os países que venceram a pandemia foram aqueles que conseguiram uma sinergia entre o Poder Público e a Sociedade Civil. Mas no Brasil, os entes federados da República, as diversas instituições da sociedade e o conjunto da população, em toda a sua heterogeneidade, não conseguiram estabelecer um consenso científico, político e prático para vencer o coronavírus. Muito menos fizeram o dever de casa recomendado durante uma pandemia, que inclui montar uma barreira sanitária, testar a população em risco, rastrear e monitorar os infectados e proteger a saúde dos habitantes por meio de medidas preventivas para evitar a transmissão comunitária do vírus. A lição é simples. Mas poucas nações tiraram nota máxima nesta implacável prova. O mais incrível é que parece que o país desaprendeu ao longo do ano. Não faltaram avisos, aqui mesmo neste espaço no # Colabora, foram feitos vários alertas sobre o avanço da 2ª onda, inclusive mostrando que a situação de Manaus estava se agravando e poderia se generalizar por todo o país.

O Brasil perdeu a guerra contra o SARS-CoV-2. Embora o presidente da República tenha colocado um general do exército brasileiro no Ministério da Saúde para combater a doença, o minúsculo vírus driblou o militar e circulou livremente por todos os 5.665 municípios do país. Os milhões de reais gastos pelo exército em leite condensado, chicletes, picanha e cerveja não ajudaram na contenção da difusão do novo coronavírus. Sem dúvida, a situação seria diferente se o ministro Eduardo Pazuello tivesse aplicado os recursos nacionais na compra de testes, na mobilização dos agentes comunitários de saúde do SUS para efetivar as medidas preventivas e se tivesse contratado tempestivamente as vacinas que foram ofertadas, por diversas farmacêuticas, ao Governo Federal.

Assim, neste momento em que o Brasil passa por uma situação dramática, com cada semana sendo mais letal do que a anterior, o controle sanitário ficou bastante difícil de ser realizado de forma efetiva. O país está em grande perigo, pois o número de casos e de mortes não param de crescer e, quanto maior forem os números da transmissão e mais tempo o vírus circular livremente, maiores serão as probabilidades de surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, além da evolução de cepas mais contagiosas e ainda mais letais. Reinfecções e mutações resistentes às vacinas são possibilidades que podem prolongar muito o sofrimento da população brasileira, ameaçando a América do Sul e o mundo.

Nos arredores de Ajmer, na Índia, idosa recebe a sua dose da vacina contra a covid-19. Foto Himanshu Sharma/AFP. Março/2021
Nos arredores de Ajmer, na Índia, idosa recebe a sua dose da vacina contra a covid-19. Foto Himanshu Sharma/AFP. Março/2021

O momento é crítico e não há alternativas milagrosas. Como disse Beto Guedes: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”. Deste modo, ou o Brasil faz o básico recomendado nos livros textos, ou vai pagar um preço inimaginável. O país como um todo está na iminência de um colapso do sistema de saúde e hospitalar. É preciso interromper imediatamente a transmissão coletiva do vírus e reduzir a morbidade covídica para evitar a mortalidade pandêmica. Como o plano de imunização carece de volumes significativos de vacinas, a única solução é o distanciamento social e o reforço de medidas preventivas como o uso de máscara, higiene das mãos, dos corpos, dos alimentos e demais fontes de transmissão. O ideal seria fazer para valer um lockdown nacional por três semanas, com controle rigoroso dentro das fronteiras, como já propôs, desde o início do ano, o neurocientista Miguel Nicolelis. Mas diante da ineficiência e da resistência do Governo Federal (e a oposição por uma parte da sociedade às tais medidas), a alternativa seria os governadores e os prefeitos adotarem quarentenas inteligentes, especialmente nos locais mais afetados pela pandemia. Evidentemente, não se trata de “Estado de sítio”, como querem fazer crer os negacionistas, mas sim, reduzir a circulação das pessoas e evitar todas as possibilidades de aglomeração e de espalhamento do vírus. Diversas batalhas já foram perdidas. Uma vitória completa e imediata contra o coronavírus no Brasil parece estar fora do radar.

As grandes cidades, aquelas com maior densidade demográfica, enfrentam os mais graves problemas. Sem embargo, ainda são possíveis vitórias localizadas, como aconteceu em Araraquara (SP) que conseguiu, mesmo que de forma parcial, reduzir o número de casos e de mortes da covid-19 após aplicar medidas firmes de prevenção e distanciamento social. Diversos governadores e prefeitos estão tomando medidas corretas para conter a pandemia. Mas poucas andorinhas não fazem o verão. Infelizmente, ainda existem pessoas, governantes e autoridades do Poder Judiciário que parecem estar “aliados” ao vírus. Desta forma, precisamos torcer para que haja consciência coletiva sobre a urgência da crise sanitária, pois, em caso de fracasso, indubitavelmente, a conta será paga por todos os brasileiros, não só na área de saúde, mas também nas áreas econômica e social.

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A vida é como um sonho; é o acordar que nos mata

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O panorama nacional

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil teve novamente a sua pior semana epidemiológica com números acumulados de 11.439.558 pessoas infectadas e 277.102 mil vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 2,4%. Foram meio milhão de casos e quase 13 mil mortes nos últimos 7 dias.

O gráfico abaixo mostra a média diária de casos nas diversas semanas epidemiológicas de 22 de março de 2020 a 13 de março de 2021. Nota-se que o número de casos subiu rapidamente de março até o pico de 45,7 mil casos diários na semana de 19 a 25/07. A partir do final de julho o número médio de casos, com algumas oscilações, caiu até o mínimo de 16,8 mil casos na primeira semana de novembro. Mas a partir daí teve início uma 2ª onda de contágio que culminou com 47,5 mil casos em meados de dezembro, houve uma breve queda nos feriados de fim de ano e uma nova marca recorde da curva epidemiológica de 54,1 mil casos diários na semana de 10 a 16 de janeiro de 2021. Nas 5 semanas seguintes houve uma pequena queda, mas as duas semanas de março bateram todos os recordes anteriores e a média diária ultrapassou 71 mil casos na semana de 07 a 13 de março.

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O gráfico abaixo, mostra a variação média diária de óbitos nas diversas semanas epidemiológicas de 22 de março de 2020 a 13 de março de 2021. Observa-se que o número diário de óbitos da covid-19 passou de 13 vítimas diárias na semana de 22 a 28 de março para o pico de 1.097 em 19 a 25 de julho de 2020. Nas semanas seguintes, com pequenas oscilações, os números foram caindo até 343 óbitos diários em 01 a 07/11. Porém, houve inflexão da curva e o número médio de vítimas fatais chegou a 1.071 óbitos em 24 a 30 de janeiro de 2021. A média de vítimas fatais diminuiu um pouco nas semanas seguintes, mas bateu três recordes seguidos de 1.178 óbitos, 1.443 óbitos e o recorde absoluto de 1.825 óbitos na semana de 07 a 13 de março, confirmando a semana mais letal de toda a série histórica da pandemia.

A pandemia cresceu em todo o território nacional, mas atingiu de maneira diferenciada as 5 grandes regiões brasileiras. Os maiores números absolutos estão, evidentemente, na região Sudeste, pois é a região com 42% da população nacional. O Nordeste e o Sudeste possuem o menor coeficiente de incidência com 4,6 mil casos por 100 mil habitantes. Mas o Nordeste tem o menor coeficiente de mortalidade, com 106 óbitos por 100 mil. As regiões Centro-Oeste e Sul apresentam o maior coeficiente de incidência, com 7,3 mil casos por 100 mil habitantes. O maior coeficiente de mortalidade está na região Norte, com 157 óbitos por 100 mil habitantes. Os coeficientes médios do Brasil são 5,4 mil casos e 131 óbitos por 100 mil habitantes, números muito superiores à média mundial de 1,5 mil casos e 34 óbitos por 100 mil habitantes.

O panorama global

O Planeta chegou a cerca de 120 milhões de pessoas infectadas e a 2,7 milhões de vidas perdidas para a covid-19 no dia 13 de março de 2021, com taxa de letalidade de 2,2%. A média móvel de 7 dias está pouco acima de 400 mil e a média móvel de óbitos está pouco abaixo de 9 mil, segundo o site Our World in Data, com base nos dados da Universidade Johns Hopkins.

O gráfico abaixo mostra a evolução da média diária dos casos da covid-19 no mundo, desde o início de março de 2020. Nota-se que o número de infecções passou de 3 mil casos diários entre 01 e 07 de março para 294 mil casos de 20 a 26 de setembro. Até final de outubro os números ficaram abaixo de 500 mil casos. Mas em novembro e dezembro os números subiram, com ligeira redução no final do ano e um pico absoluto de 728 mil casos na semana de 03 a 09 de janeiro de 2021. A partir daí houve uma queda abrupta e o número de casos diários atingiu 363 mil casos na semana de 14 a 20 de fevereiro. Porém, os números voltaram a subir ligeiramente nas últimas três semanas, em grande parte, devido ao aumento ocorrido no Brasil e na Índia (além de alguns outros países da Europa e do Oriente Médio).

O gráfico abaixo mostra a média diário de óbitos no mundo por semanas epidemiológicas. Na primeira semana de março houve menos de 1 mil mortes diárias, mas na semana de 29/03 a 04/04 já tinha saltado para 5,2 mil óbitos diários. O primeiro pico aconteceu na semana de 12 a 18 de abril com 7 mil mortes diárias. Nas semanas seguintes os números variaram, mas foram sempre menores do que o pico de abril, atingindo 6,5 mil na última semana de outubro. Todavia, nas diversas semanas de novembro foram batidos recordes sucessivos e na quarta semana o limiar de 10 mil mortes diárias foi ultrapassado. O pico da 2ª onda ocorreu na semana de 24 a 30 de janeiro, com 14,1 mil óbitos. No mês de fevereiro houve queda significativa e em março uma queda mais modesta, mas a média da semana de 07 a 13 de março (de 8,7 mil óbitos) é ainda superior à média do pico da 1ª onda.

Uma comparação entre os três países do topo do ranking global: EUA, Brasil e Índia

Os três países com maior número de casos da covid-19 são EUA, Brasil e Índia. O trio possui 44% do montante global de casos acumulados e 28% dos óbitos. A tabela abaixo mostra que os EUA chegaram a 30 milhões de casos e a 545 mil mortes, com coeficientes de incidência e mortalidade de, respectivamente, 90,1 mil casos por milhão e 1,65 mil óbitos por milhão. O Brasil tem coeficientes de 53,5 mil casos por milhão e 1,3 mil óbitos por milhão. A Índia tem coeficientes bem abaixo da média mundial e taxa de letalidade também menor.

O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, mostra o número acumulado de casos e mortes de 01 de abril de 2020 a 12 de março de 2021, para os três países. Os EUA estão disparados na frente, mas já apresentam uma certa tendência de estabilização, enquanto o Brasil acabou de ultrapassar a Índia em número de casos e apresenta uma curva epidemiológica de óbitos que aponta para cima e somou 21% de todos os óbitos globais na última semana.

 

O gráfico abaixo, da mesma fonte e relativo ao mesmo período, mostra os coeficientes de incidência e mortalidade dos três países, sendo que os EUA apresentam valores bem mais altos, o Brasil um pouco abaixo e a Índia com coeficientes bem inferiores. Nota-se que entre agosto e outubro de 2020 (aproximadamente verão nos EUA e inverno no Brasil) os coeficientes do maior país da América do Sul foram superiores aos do maior país da América do Norte. Depois de novembro de 2020 os números americanos cresceram muito. Agora em março de 2021 são os números brasileiros que disparam e podem ultrapassar as cifras americanas no médio prazo.

O gráfico abaixo mostra os coeficientes diários para os três países. Evidentemente, a Índia possui os valores mais reduzidos. Mas o que chama a atenção é que o Brasil já ultrapassou os EUA nos coeficientes diários de casos e de mortalidade, apresentando forte tendência de alta, enquanto os EUA apresentam tendência de baixa. No mês de março de 2021 o Brasil passou a ser o país com maior número absoluto de casos e óbitos, tornando-se epicentro da pandemia global.

Em termos econômicos, todos os três países foram muito impactados em 2020. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 6,8% na Índia, 4,1% no Brasil e 3,5% nos EUA. Mas a recuperação econômica em 2021 deve ser maior na Índia com crescimento previsto de 10% do PIB. Os EUA devem ter o maior crescimento em décadas, previsto para algo entre 7% e 8,5%. Já o Brasil pode crescer no máximo 3%, embora haja muitos analistas prevendo a volta da recessão no primeiro semestre do ano corrente. O certo é que a Índia e os EUA devem ter crescimento positivo no biênio pandêmico (2020-2021), enquanto o Brasil deve apresentar redução do PIB no período, uma vez que as medidas estabelecidas na PEC emergencial aprovada na Câmara Federal, em 11/03/2021, são insuficientes para alavancar a retomada econômica brasileira.

Devido ao peso econômico e demográfico da América do Norte, as atenções do mundo estão voltadas para o que acontece nos Estados Unidos, tanto em termos de redução dos casos e mortes da covid-19, como na intensidade e na velocidade da recuperação econômica. O presidente dos EUA, Joe Biden, assinou no dia 11 de março um plano de resgate para a pandemia de covid-19 (já aprovado pelo Congresso), no valor de US$ 1,9 trilhão, um pacote de estímulo da dimensão do New Deal da época de Franklin D. Roosevelt, na década de 1930. O plano inclui fundos para a reabertura das escolas, para acelerar a produção e distribuição de vacinas e para apoiar governos estaduais e municipais em dificuldades, além de incluir US$ 400 bilhões para o pagamento direto aos desempregados e de US$ 1.400 à maioria dos americanos e famílias de baixa renda. Todas estas medidas fiscais aliadas ao avanço da vacinação prometem uma reconfiguração do quadro recessivo e podem fazer o país voltar à “normalidade” a partir do 04 de julho (data da Independência dos EUA).

Evidentemente, os parlamentares do Partido Republicano e alguns economistas dizem que o “Plano Biden” vai aumentar muito os déficits gêmeos (público e comercial), elevar a dívida pública e provocar o aumento da inflação (consequentemente também um aumento dos juros). Mas os parlamentares do Partido Democrata e tantos outros economistas dizem que, em 2020, nos primeiros momentos da pandemia, os EUA perderam 22 milhões de empregos e somente 12 milhões foram recuperados ainda em 2020. Assim, os estímulos fiscais se justificam em função da emergência sanitária e, também, para garantir a retomada da capacidade produtiva. O lado positivo é que no mês de fevereiro foram criados 379 mil vagas no mercado de trabalho americano. O mundo todo aguarda com grande expectativa os resultados da saúde e da economia dos Estados Unidos. O sonho americano, neste caso, é o mesmo sonho da população mundial que deseja o fim da pandemia e uma vida saudável com bem-estar para todos.

Frase do dia 14 de março de 2020

“A vida é como um sonho; é o acordar que nos mata”

Virginia Woolf (1882-1941)

Referências:

ALVES, JED. Diário da Covid-19: Óbitos caem, mas cresce a probabilidade de 2ª onda no Brasil, # Colabora, 25/10/2020

https://projetocolabora.com.br/ods3/obitos-caem-mas-cresce-a-probabilidade-de-2a-onda-no-brasil/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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