ODS 1
Acordo de Paris subiu no telhado
Sem metas mais ousadas, teto das emissões pode ser o dobro do acordado na COP21
Foi um acordo histórico. Por aclamação dos delegados dos 197 países, a COP21, a conferência do Clima da ONU em Paris, foi festejada, à época, como um divisor de águas no combate ao aquecimento global. Era a primeira vez, desde a assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, que os países cruzavam a fronteira de suas diferenças e assumiam, por unanimidade, um compromisso geral com a redução de emissões de gases de efeito estufa. Seis meses depois, um artigo da revista Nature, uma das principais publicações científicas do mundo, mostra com argumentos, números e projeções como o acordo não serve de nada para deter o aquecimento global. Como diria o prefeito de uma cidade nordestina, Valfrido Canavieira (personagem do humorista Chico Anysio, já falecido), “palavras são palavras, nada mais do que palavras”. E o acordo de Paris, na visão dos dez cientistas que assinam o artigo, nada mais é do que uma peça de ficção. Não há nenhuma chance de a meta estipulada ser cumprida.
[g1_quote author_name=”Roberto Schaeffer” author_description=”professor da Coppe/UFRJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Há uma contradição entre o que os países assinaram embaixo e o que precisa ser, efetivamente, feito para a temperatura ficar abaixo da meta
[/g1_quote]Na melhor das hipóteses, e considerando as previsões mais otimistas, chegaremos ao final do século com a temperatura 3,9º C mais quente. Estabeleceu-se na COP21 que o objetivo a ser perseguido era conter o aquecimento da temperatura “bem abaixo” do teto de 2º C, procurando perseguir a meta de 1,5º C. “Há uma contradição entre o que os países assinaram embaixo e o que precisa ser, efetivamente, feito para a temperatura ficar abaixo da meta”, alerta Roberto Schaeffer, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e um dos dez autores do artigo. A projeção feita pelos cientistas de a temperatura da terra chegar a 3,9º C é, segundo ele, aquela com menor possibilidade de erro. “A chance de errarmos é de 10%, o que significa 90% de possibilidades de acerto”.
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Veja o que já enviamosO artigo é taxativo. Será impossível, com os compromissos voluntários anunciados pelos países até agora, cumprir a meta de 2º C. O artigo da Nature já vem sendo considerado o estudo mais profundo anunciado até então sobre as reais implicações do acordo de Paris. O esboço do texto começou nove meses antes da COP21, em março de 2015. Não é um trabalho trivial. Os cientistas se debruçaram sobre os compromissos voluntários anunciados pelos países. Alguns deles, como foi o caso brasileiro, anunciaram metas incondicionais, sem depender de aportes externos para atingir a meta, como transferência de recursos financeiros ou tecnologia. Ou seja, o Brasil espera chegar em 2025 com emissões globais de 1,3 bilhão de toneladas de CO2e (gás carbônico equivalente) e, em 2030, com 1,2 bilhão de toneladas de CO2e , uma redução de 37% e 43% respectivamente, em relação a 2005. As emissões brasileiras naquele ano foram de 2,1 bilhão de toneladas de CO2e.
Como as metas são voluntárias – elas devem ser revistas a cada cinco anos e devem ser iguais ou menores do que a anterior –, alguns países se comprometeram a não crescer muito as emissões, enquanto outros anunciaram em Paris que a intensidade de carbono do seu PIB (produto interno bruto) vai cair ao longo do tempo. Ou seja, cada país usou a métrica que quis, e, por ser voluntária, não estão previstos mecanismos de controle para verificar ou não o cumprimento da meta. O Brasil foi um dos poucos países que anunciou reduções objetivas. A crise econômica brasileira será, na avaliação de Schaeffer, um dos principais fatores a ajudar o país a cumprir, com folga, a meta anunciada na COP21. “A meta voluntária do Brasil tal como proposto no passado, previa uma economia com outro desempenho”, contextualiza Schaeffer. É preciso, concluiu, que os países venham a se comprometer com metas mais ousadas. Ainda há tempo de transformar o Acordo de Paris em um compromisso de fato. Se os países não se comprometerem com metas mais ousadas, a COP21 vai subir no telhado.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.
As matérias jornalísticas produzidas à época do evento já declaravam o sentido genérico das propostas aprovadas na Conferência do Clima de Paris, publicando sobre as suspeitas da baixa capacidade em combaterem os problemas em curso. A divulgação deste estudo, publicado na Nature, é da maior importância para que a sociedade fique ciente das limitações desta recente conferência e, desde já, se mobilize para cobrar posições mais concretas sobre os compromissos assumidos. É preciso levar em conta que as expectativas positivas do declínio econômico, como fator de minoração da gravidade dos efeitos, não podem modificam os riscos já evidentes e previstos, principalmente pelo alinhamento das nações com vista a recuperar o desempenho produtivo.