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Homenagens a Jaguar nos botequins e a realeza do chope de Copacabana

Para celebrar o grande cartunista e grande biriteiro , uma visita ao bar rebatizado por este antropólogo da boemia carioca

ODS 11 • Publicada em 2 de dezembro de 2025 - 09:20 • Atualizada em 2 de dezembro de 2025 - 09:21

Se este #RioéRua tem uma inspiração em páginas impressas, veio das minhas leituras do B.I.P (Busca Insaciável do Prazer), espaço do grande cartunista e grande biriteiro Jaguar, no semanário Pasquim, em que dava dicas de onde beber e comer nesta cidade de São Sebastião, nos arredores e até em outros estados. Lembrei do Jaguar e sua B.I.P., quando o Festival Botecar teve sua primeira edição no Rio de Janeiro no ano passado – o evento nasceu em Minas – reunindo um time selecionado de bares e botequins, com um concurso de petiscos, semelhante ao Comida di Buteco, outro evento botequeiro com raízes mineiras.

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Citava Jaguar naquela crônica e não pude deixar de pensar nele quando começou a segunda edição começou – dia 12 de novembro, em plena COP30, o que me impediu de dedicar a devida atenção aos 40 botequins reunidos agora – o festival segue até 14 de dezembro. Mas descobri que, neste Botecar 2025, dois bares iam homenagear o cartunista (chargista, humorista, desenhista, cronista, editor), que deixou esta vida em agosto e talvez esteja bebendo agora com Aldir Blanc, Albino Pinheiro e outros boêmios, encostados em balcões celestiais. No concurso 2025, o tema é “Arte com as mãos”, a inspiração para os petiscos deve ser um artista ou uma obra que celebre o Rio ou tenha alguma conexão com as casas e com a cidade.

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Desenho de Jaguar emoldurado no Real Chopp: homenagens ao cartunista em festival de botequins (Foto: Oscar Valporto)
Desenho de Jaguar emoldurado no Real Chopp: homenagens ao cartunista em festival de botequins (Foto: Oscar Valporto)

Inspiração para outros #RioéRua, o Bar da Amendoeira, tradicionalíssimo reduto boêmio em Maria da Graça, disputa com o Feijão do Jaguar – caldinho de feijão com linguiça coroado com a carne-seca desfiada acebolada e alho frito. Em 1997, o cartunista (chargista, humorista, desenhista, cronista, editor)  estreou a coluna “Conversa de Botequim”, no jornal O Dia, ressuscitando o espírito da sua Busca Insaciável do Prazer, no então já falecido Pasquim; a estreia foi exatamente sobre uma visita ao Bar da Amendoeira, acompanhado de uma charge que o botequim guarda com carinho.

Mas preferi homenagear o Jaguar no Real Chopp, lugar que, creio, não ia há quase 30 anos, época em que frequentava muito mais Copacabana e o lugar se chamava Real Sucos – apesar de já ter a fama de servir o melhor chope do bairro, inclusive na verão escura, e ter uma variada oferta de petiscos saborosos.

Jaguar em seu habitat natural, o botequim: antropólogo da boemia, colunista social dos botequins, crítico da baixa gastronomia, investigador das almas cariocas (Foto: Reprodução / ABI)
Jaguar em seu habitat natural, o botequim: antropólogo da boemia, colunista social dos botequins, crítico da baixa gastronomia, investigador das almas cariocas (Foto: Reprodução / ABI)

Foi Jaguar quem rebatizou o botequim. Em 2008, quando o Rio recebeu a primeira edição do festival Comida di Boteco, o bar dos sócios Afonso e Hermínio foi convidado a participar do concurso. E o cartunista (chargista, humorista, desenhista, cronista, editor), decretou a mudança. “Como é que vocês vão participar de um torneio de botequins com esse nome? Real Sucos? Nunca vi sair um suco aqui. Tem que mudar: Real Chopp!“ – teria dito Jaguar, como registram os anais da boemia carioca.

Para tornar essa ligação entre o frequentador e o bar, na esquina das ruas Barata Ribeiro e Paula Freitas, ainda mais saborosa, em 2014, o vizinho Galeto Vila Flor entrou na Justiça para impedir o Real Chopp de usar o nome que havia sido registrado pelo estabelecimento: Hermínio e Afonso, que compraram o Real Sucos em 1982, jamais havia se preocupado em registrar o novo nome. Jaguar liderou uma manifestação a favor e desenhou ele mesmo os cartazes, exibidos por outros frequentadores fiéis – entre eles, o ator Otávio Augusto.

O chope escuro do Real Chopp e os bolinhos para o Festival Botecar: bar, antes chamado Real Sucos, foi rebatizado por decreto do Jaguar (Foto: Oscar Valporto)
O chope escuro do Real Chopp e os bolinhos para o Festival Botecar: bar, antes chamado Real Sucos, foi rebatizado por decreto do Jaguar (Foto: Oscar Valporto)

O desenho de um dos cartazes – com os dizeres “Real Chopp é aqui” e um desenho do cartunista acrescentando “Não aceite imitações” – está emoldurado na parede do bar, ao lado de premiações menos relevantes. O petisco no concurso do Festival Botecar é formado por duas duplas de bolinhos, de carne-seca e de costela recheados com queijo cremoso, e batizada de ‘Meio a Meio’, que remete a uma virtude importante do Real: servir chope escuro e, com isso, servir também chope meio a meio (mistura de escuro com claro).

Provei os bolinhos (muito bons), mas o que fez meu coração palpitar foi o balcão de conservas. Não chega a ter variedade escandalosa da Adega Pérola, também em Copacabana, mas tem tremoços, jiló, ovos de codorna, picles, alho, azeitona, pepinos em conserva, ovas, polvo. Frequentadores ainda elogiam os legítimos pratos de botequim: terça tem frango com quiabo, sexta é dia de mocotó, o arroz de rabada dos domingos atrai multidões. O Real Chopp tem alma de boteco, mas, da cozinha, saem picanha, contrafilé, pescadinha, bacalhau.

Hermínio, aos 80 anos, supervisionando diariamente os trabalhos do Real Chopp: fama de melhor chope de Copacabana (Foto: Oscar Valporto)
Hermínio, aos 80 anos, supervisionando diariamente os trabalhos do Real Chopp: fama de melhor chope de Copacabana (Foto: Oscar Valporto)

Provei e aprovei o chope escuro e também o claro (sem misturar): chope na pressão, bem tirado, gelado e fresco como convém e como só servem bares que alta rotatividade na saída e alta qualidade na refrigeração e no armazenamento. Como garantia, o proprietário Hermínio, aos 80 anos, continua supervisionando diariamente um bom andamento dos trabalhos; o antigo sócio, Afonso, já deve estar servindo Jaguar em outras esferas.

Um tanto da obra do cartunista (chargista, humorista, desenhista, cronista, editor) está nos três volumes da Antologia do Pasquim – maior jornal da imprensa alternativa nascido em 1969 que ele criou, batizou, publicou cartuns, charges, notas e textos, e editou quase sempre até o fechamento em 1991. Os três volumes cobrem de 1969 a 1974 – a coleção completa do Pasquim está disponível na Biblioteca Nacional. Jaguar – Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe- também publicou os livros ‘Átila, você é bárbaro (de cartuns)’, ‘É Pau puro! – O Jaguar do Pasquim’ (também), ‘Ipanema, se não me falha a memória’ (texto, da coleção Cantos do Rio) e ‘Confesso que bebi’, uma genial coletânea de crônicas sobre botequins.

Balcão do Real Chopp com tremoços, jiló, ovos de codorna, picles, alho, azeitona, pepinos em conserva, ovas, azeitonas, polvo e bacalhau: Jaguar aprovava (Foto: Oscar Valporto)
Balcão do Real Chopp com tremoços, jiló, ovos de codorna, picles, alho, azeitona, pepinos em conserva, ovas, azeitonas, polvo e bacalhau: Jaguar aprovava (Foto: Oscar Valporto)

Jaguar é um antropólogo da boemia, colunista social dos botequins, crítico da baixa gastronomia, investigador das almas cariocas que vagam pelos bares. Bebi com ele umas poucas vezes, algumas no Rocha, um boteco na Rua do Riachuelo, outras no Bracarense, com amigos em comum. Era engraçado, debochado, inteligente, educado. Bom jornalista, que sabia reconhecer a notícia; e ótimo profissional, cumpridor de prazos como podem testemunhar colegas que trabalharam com ele no Pasquim e outras trincheiras. Jaguar merece ser bem atendido em qualquer balcão, de qualquer botequim, em qualquer parte de qualquer mundo.

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