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Amendoeira, mangueira, tamarineira e outras árvores cariocas

Cidade da Floresta da Tijuca tem paisagem marcada também por espécies trazidas pelos portugueses da Ásia e da África

ODS 11ODS 15 • Publicada em 25 de julho de 2023 - 07:54 • Atualizada em 27 de julho de 2023 - 16:22

Ventania derruba árvores nesta cidade, que parece ter tantas árvores para uma cidade – na Floresta da Tijuca (o Parque Nacional ocupa 5% da área do município), no Parque Estadual da Pedra Branca, na Serra do Mendanha, também parque estadual que se estende por mais dois municípios. São áreas de Mata Atlântica, bioma nativo brasileiro, reduzido, país afora (17 estados), a 12% da sua área original. Nesta cidade de São Sebastião, a vegetação nativa – não apenas essas matas, mas também manguezais e restingas – ainda ocupa 33% da área municipal, de acordo com o Inventário de Cobertura Arbórea da Cidade do Rio de Janeiro, realizado pela prefeitura em 2015.

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Mas as árvores derrubadas pelos fortes ventos duas semanas atrás – assustando moradores, atrapalhando o trânsito – são árvores misturadas à área urbana, definidas no inventário como Arboreto Urbano Público, árvores plantadas, ao longo dos cinco séculos de história do Rio, para a arborização urbana do município, incluindo grandes espaços verdes, como a Quinta da Boa Vista e o Aterro do Flamengo e as árvores espalhadas pelas ruas da cidade. Eram mais de 520 mil árvores – pelo levantamento da Comlurb, citado pelo inventário – de 146 grupos diferentes. Misturam-se nas ruas da nossa árvores nativas da Mata Atlântica (ipês, oitis) – com árvores trazidas pelos portugueses de suas colônias na Ásia e na África.

A amendoeira do bar em Maria da Graça: destaque entre as árvores trazidas pelos portugueses para o Rio de Janeiro (Foto: Oscar Valporto)
A amendoeira do bar em Maria da Graça: destaque entre as árvores trazidas pelos portugueses para o Rio de Janeiro (Foto: Oscar Valporto)

No alto da lista das árvores hoje cariocas, reina a amendoeira, chamada aqui inicialmente de amendoeira-da-praia, pois floresceu rapidamente por todo o litoral desde que os portugueses a trouxeram ainda no começo da colonização para este país com nome de árvore. De acordo com alguns historiadores, amendoeiras, nativas da Ásia, eram trazidos pelas caravelas portuguesas como lastro para equilibrar os navios. Adaptaram-se bem ao clima e ao calor e proliferaram pelo litoral brasileiro.

Na verdade, foi uma amendoeira e não os ventos que trouxeram as árvores para essa crônica. Mais exatamente esta frondosa amendoeira – na esquina da Rua Conde de Azambuja e com a Travessa Mendes da Silva, em Maria de Graça – perto de onde tomo um chope para acompanhar os sabores do Café e Bar Lisbela. Naturalmente, pouca gente conhece o estabelecimento por este nome – mas o Bar da Amendoeira tem fama na vida boêmia da cidade, é considerado oficialmente Patrimônio Cultural do Rio desde 2012. É um legítimo botequim na decoração – balcão, ladrilhos azuis, um altar para São Jorge, um mosaico de cabogós. E também no cardápio onde reinam o bolinho de vagem, o jiló, o bolinho feio (de carne), a moela e a porção de carne seca em cubos que me faz companhia nesta tarde nublada.

Chope, carne seca, ladrilhos azuis, cabogós e um altar para São Jorge: o Bar da Amendoeira é um legítimo botequim carioca (Foto: Oscar Valporto)
Chope, carne seca, ladrilhos azuis, cabogós e um altar para São Jorge: o Bar da Amendoeira é um legítimo botequim carioca (Foto: Oscar Valporto)

A amendoeira de Maria da Graça é a mais famosa mas, pelo inventário da Prefeitura do Rio de Janeiro, seriam 65 mil amendoeiras espalhadas pela cidade, 12% do chamado Arboreto Urbano Público. A lista tem ainda 55 mil palmeiras (nativas e exóticas), 35 mil árvores semi-ornamentais (como as plantadas na Praça Paris), 34 mil ficus-benjamina (originários da Ásia), 33 mil ipês, 32 mil figueiras, 26 mil mungubas (árvore da Amazônia), 24 mil oitis, 20 mil flamboyants (originários da África).

Os colonizadores portugueses também trouxeram para o Brasil muitas árvores frutíferas que tornaram-se aqui tão ou mais cariocas do que espécies nativas. Desde o século 18, havia plantações de mangueiras espalhadas pelo Rio. As sementes haviam sido trazidas da Índia – a manga, muita apreciada na Ásia, encantou os portugueses. Hoje, Mangueira remete a samba e Rio de Janeiro: a árvore chegou a dominar a paisagem do morro antes da fundação da tradicional escola de samba, há quase um século. A ocupação humana foi retirando as árvores – hoje “menino não pega mais manga na Mangueira”, como diz o samba de Paulo Cesar Pinheiro.

A famosa tamarineira do Cacique de Ramos: na história do samba do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução Facebook Cacique de Ramos)
A famosa tamarineira do Cacique de Ramos: na história do samba do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução Facebook Cacique de Ramos)

Podem faltar pés de manga no morro da Estação Primeira, mas a tamarineira do Cacique de Ramos segue no mesmo lugar onde o bloco se estabeleceu para montar sua primeira sede. Faz muito sentido que, originária da África, a tamarineira do Cacique seja considerada encantada. A escolha do terreno para sede do bloco teria sido inspirada por Mãe Menininha do Gantois, que sugeriu um terreno com muitas árvores à amiga Carmen, mãe de três fundadores do Cacique. Alguns anos depois, outra mãe-de-santo, ali da região mesmo, teria consagrado a tamarineira que passou a batizar o pagode do bloco onde nasceu, na década de 1970, o grupo Fundo de Quintal e brilharam sambistas como Arlindo Cruz, Jorge Aragão e Almir Guineto.

A tamarineira do Cacique de Ramos já mereceu até versos – “E até as tamarineiras são da poesia guardiãs” – em Doce Refúgio, samba de Luiz Carlos da Vila, outro frequentador do pagode do bloco, gravado por Beth Carvalho e também pelo Fundo de Quintal. Ainda falta homenagem semelhante para a caramboleira – árvore nativa da Ásia – do Renascença, sob a qual nasceu o Samba do Trabalhador, comandado por Moacyr Luz. O evento das segundas-feiras faz tanto sucesso que o clube já providenciou até um teto retrátil para os músicos – a proteção da copa da caramboleira agora já é dispensável.

A tamarineira do Cacique e a caramboleira do Renascença também merecem ser reconhecidas como patrimônio cultural do Rio de Janeiro: são agora todas elas – como amendoeiras e mangueiras – árvores legitimamente cariocas, que, nos inspiram e nos inspiram e nos protegem nesta cidade de tantos árvores, da Floresta da Tijuca e do Jardim Botânico.

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