Gravidez de muitos riscos: insalubridade no emprego aprovada por lei

Especialistas divergem sobre ponto da Reforma Trabalhista relacionado a gestantes: proteção do emprego ou exposição desnecessária a situações perigosas?

Por Luciana Cabral-Doneda | ODS 3 • Publicada em 15 de agosto de 2017 - 08:36 • Atualizada em 16 de agosto de 2017 - 12:45

Grávidas no centro da polêmica: especialistas divergem sobre lei que permite o trabalho em locais insalubres. Foto: Mint Images/AFP

Uma das maiores polêmicas da Reforma Trabalhista aprovada pelo presidente Temer, no dia 13 de julho, é a mudança na lei que trata do trabalho durante a gestação. No centro do debate, a questão da insalubridade no emprego. Em 2016, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei 13.287/16,  que proibia as gestantes e lactantes de atuar em locais insalubres, como fábricas, frigoríferos e no setor de saúde. A mulher, quando engravidasse, automaticamente se afastaria das atividades consideradas perigosas. A lei gerou muita polêmica.  Não está sendo diferente agora, com a nova lei (13.467), que só prevê o afastamento – ou remanejamento – automático da grávida em casos de “insalubridade máxima”. Se ela for média ou baixa, a permanência, ou não, da profissional em suas funções dependerá de uma requisição do seu médico. Temer sinalizou que retiraria o ponto da legislação por meio de Medida Provisória, mas, só no dia 13/08, enviou minuta aos parlamentares, incluindo o tópico.

De acordo com a lei 13.467, é o médico que vai decidir se a gestante pode ou não continuar trabalhando em locais como fábricas, onde são expostas a barulhos ensurdecedores e repetitivos; ou em hospitais, sujeitas a riscos como o contágio de doenças, variações bruscas de temperatura ou proximidade com aparelhos de raio-X ou ultravioleta.

A nova lei obriga a gestante ou lactante a levar atestado médico para a empresa, a fim de que seja afastada do ambiente insalubre. Isso revela, por via contrária, uma tentativa de autorização para que haja trabalho com dano efetivo para a trabalhadora e o bebê

Valdete Souto Severo, juíza do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região, critica a nova lei . “Ela obriga a gestante ou lactante a levar atestado médico para a empresa, a fim de que seja afastada do ambiente insalubre. Isso revela, por via contrária, uma tentativa de autorização para que haja trabalho com dano efetivo para a trabalhadora e o bebê. Entretanto, se atentarmos para a norma constitucional que determina a redução dos riscos à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, não será difícil concluir que tal atestado médico será insuficiente para que essa exposição ao dano seja considerada lícita.”

A regra anterior era muito genérica e praticamente impossibilitava o trabalho das gestantes em locais insalubres, o que era um problema diante da crise de desemprego. As mulheres querem e podem trabalhar, e estavam sem essa opção

A juíza observa, também, que a nova lei mexeu no direito à amamentação, determinando que os intervalos para dar de mamar ao bebê sejam definidos em acordo individual com o empregador. “Nesse caso, o acordo só será constitucionalmente válido se preservar o direito, pois do contrário estaria afrontando tanto as normas constitucionais, que preservam a família e a criança, quanto a própria disposição da CLT, quando garante tais intervalos à lactante”, explica.

Nestor Neto, criador do site Segurança do Trabalho defende a mudança na legislação. Segundo ele, na lei anterior, “faltou aos legisladores observar as particularidades de cada tipo de exposição à insalubridade e o que elas podem provocar no bebê. No caso de hospitais, por exemplo, os empregadores ficariam impossibilitados de contar com o trabalho de enfermeiras, entre a gestação e a lactação, porque o ambiente hospitalar é por si só insalubre”.

O advogado trabalhista Lucas Linzmayer Otsuka, membro da Comissão de Direitos do Trabalho da OAB-PR, segue a mesma linha e também defende a alteração na lei. “O argumento do relator para mudança é a dificuldade de ingresso das mulheres no mercado de trabalho e a permanência no emprego. A regra anterior era muito genérica e praticamente impossibilitava o trabalho das mulheres em locais insalubres, o que representava um problema diante da crise de desemprego. As grávidas querem e podem trabalhar, e estavam sem essa opção”, diz. Otsuka, no entanto, ressalta a necessidade do “princípio da precaução”, que os médicos e empresas deverão levar em consideração na hora de liberar a gestante para trabalhar em locais de risco.

“Dependendo do setor em que trabalhe em um hospital, uma grávida pode sofrer bastante, e não só pela insalubridade, mas por ter que carregar peso ou ficar muito tempo de pé”, lembra a enfermeira Bruna Ragonetti, 30 anos, que não tem filhos e trabalha em uma maternidade em Curitiba. “No meu trabalho atual o risco é mínimo, eu continuaria trabalhando se ficasse grávida”, ressalva.

O trabalho estressante pode provocar pressão alta. Foto: Burger/Phanie/AFP

A caracterização e classificação da insalubridade dependem de perícia técnica, a cargo de um médico ou um engenheiro do trabalho. Se o contato com o agente insalubre é eventual, não há direito ao adicional de insalubridade. Na legislação brasileira são reconhecidos como insalubres os trabalhos que exponham a: ruído contínuo, intermitente e de impacto superior ao limite de tolerância; exposição ao calor excessivo; exposição a radiações como raio-X, microondas, ultravioleta e laser; condições hiperbáricas; vibrações;  frio; umidade; fabricação e emprego de chumbo, pintura a pistola, pintura a pincel com tintas contendo hidrocarbonetos aromáticos; manuseio de álcalis cáusticos; fabricação e transporte de cal e cimento nas fases de grande exposição à poeira;  fabricação de esmaltes e vernizes; exposição a agentes químicos como acetona, gás cianídrico, gás amoníaco, álcool etílico, arsênico, benzeno, poeiras minerais e agentes biológicos em esgotos e cemitérios; coleta e industrialização de lixo urbano; contato com pacientes; atividade em estábulos, cavalariças e em locais com resíduos de animais deteriorados.

De acordo com a Sociedad Española de Ginecología y Obstetricia (SEGO), a exposição a ruídos acima de 80 decibéis, após 20 semanas de gravidez, pode provocar danos à audição dos bebês. Mulheres que trabalham oito horas por dia em um ambiente de muito barulho, que exige proteção auricular, correm mais risco de ter filhos com problemas auditivos. O barulho muito forte também leva o organismo da mãe a produzir hormônios ligados ao estresse, fazendo o coração acelerar, o que pode causar mal ao bebê.

Grávidas com ocupações mais pesadas que as obriguem, por exemplo, a levantar peso, ficar de pé por muitas horas ou a trabalhar demais, são mais propensas a ter pressão alta, parto prematuro e bebês de baixo peso. Passar muito tempo sentada dificulta a circulação sanguínea, aumenta o risco de inchaço dos pés e de dores nas costas. Movimentos repetitivos, como trabalhar no computador, em linhas de montagem ou costura, também podem ser danosos, porque as grávidas têm maior propensão a desenvolver a síndrome do túnel do carpo, que causa dor e dormência na mão. Produtos químicos usados na limpeza da casa principalmente pelas domésticas e funcionárias do setor de limpeza também fazem mal às gestantes, que podem sentir náusea ou dor de cabeça. O período da gravidez e todas as alterações que ele provoca no corpo feminino não são ainda levados em consideração como deveriam pelos empregadores, legisladores e pela sociedade em geral.  E a maioria das mulheres no mercado de trabalho está em idade fértil. Uma equação difícil de resolver.

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