Magia do cinema em Alter do Chão

Sessão de cinema em Alter do Chão

Além de opção de lazer, Cine Alter democratiza o acesso a cultura

Por Kelly Lima | ODS 9 • Publicada em 31 de julho de 2016 - 07:18 • Atualizada em 2 de agosto de 2016 - 15:13

Sessão de cinema em Alter do Chão
Sessão de cinema em Alter do Chão
Domingo é dia de cinema em Alter do Chão, no Pará

Foi com uma ideia na cabeça e um megafone na mão, que o cinema se fez em Alter do Chão (PA). São quatro e meia da tarde de um domingo com sol ainda a pino na Vila, quando o megafone é ligado e acoplado ao guidão da bicicleta com a mensagem pré-gravada: “Alô, alô, cinema, hoje, povo! No Santo Antônio, às 19 horas”. Santo Antônio é um ginásio local, que, sob a bênção do protetor, e autorização da administração, tem suas instalações cedidas para a iniciativa, a cada 15 dias, sempre aos domingos.

No comando da bicicleta, protegida do sol com chapéu de palha, e vestindo jardineira jeans tal camponesa, uma das idealizadoras do projeto, Adhara Luz, segue roteiro “felliniano” ao percorrer as principais ruas da Vila, a orla que beira o Tapajós e a praça da igreja, já cheia neste horário, sendo seguida pelas crianças em alvoroço.

Sessão de cinema em Alter do Chão
Adhara Luz é a idealizadora do projeto cinematográfico

Além da tela de lona branca, um pequeno projetor e caixa de som, próprios, o cinema se compõe de cadeiras de plástico cedidas pelo ginásio, algumas esteiras de palha no chão, olhos estatelados, respiração suspensa, pipoca e suco doados por comerciantes locais. Na entrada, velas acendem o caminho para Lumiére, anunciado em chita e lantejoula: Cine Alter.

Sessão de cinema em Alter do Chão
Sessão de cinema do Cine Alter ocorre na escola Santo Antônio

O projeto é de iniciativa da produtora AMZ e da “ONG Kirwane – Desenvolvimento Integral”, com o objetivo de ser uma nova opção de lazer na Vila, mas, na prática, vai bem além disso. Sem fins lucrativos, o que acaba sendo mais importante na exibição são os laços comunitários formados entre o grupo. Ao ver e debater juntos um filme, um tema, um personagem, constroem uma memória coletiva.

Na quarta sessão, domingo último, o filme foi a animação brasileira “O Menino e o Mundo”, que ficou mais conhecido por concorrer sem sucesso ao Oscar, e que arrebatou mais de 30 prêmios internacionais. No filme, sem falas, o pequeno garoto sai pelo mundo em busca do pai, que havia deixado a casa quando ele ainda era criança em busca de trabalho. Em sua trajetória, o menino passeia pelo mundo colorido, faz amigos, mas também enfrenta as dores da solidão, as guerras dos homens, suas batalhas internas e seus ataques à natureza. Estão lá explícitos os impactos contemporâneos da industrialização: a serra elétrica, a poluição, o fogo.

Na plateia, três casais, outras quatro pessoas sozinhas, uma mãe amamentando, e outra balançando o filho pequeno no colo. Mas, como nas sessões anteriores, a maioria é de crianças de todas as idades. Ora boquiabertos, ora rindo e até com lágrimas mal disfarçadas nos olhos, o impacto maior é das árvores caindo: “É isso o que acontece aqui, que a gente combate, né, tia?” pergunta o garoto do alto dos seus cinco anos. “Eu chorei”, confessa, tímida, a garota de 7 anos.

Sessão de cinema em Alter do Chão
Na plateia, crianças, idosos e mães ainda amamentando seus filhos

Ao final, pausa para uma conversa… O que vocês acharam? Timidamente algumas opiniões começam a ser reveladas, temores, relações imediatas com o dia a dia, seu pequeno mundo. Os filmes anteriores também tiveram preocupação, não somente de serem nacionais ou dublados para terem maior acessibilidade, especialmente para crianças, como também de abordar temas ligados a realidade local: Narradores de Javé, Xingu e Avatar. E a ideia é continua com filmes nessa mesma linha, sempre privilegiando a principal faixa etária presente. As novas sugestões serão discutidas entre os grupos de moradores.

Com cabelos grisalhos amarrados em rabo de cavalo, o filho indígena da terra de Alter, que acompanhou atento o filme com a filha, faz a ponte exata: a importância da aposta nas crianças. “Elas são o futuro, né? E o filme nos mostra o mundo aos olhos destas crianças”, dispara, sem saber que usou em sua frase o nome da trilha sonora, composta por Emicida – “Aos olhos de uma criança”.

Em tempos em que cada vez mais cinemas dão lugar a igrejas no restante do País, e que a Cinelândia, no Rio de Janeiro, sequer tem referências dos motivos que a levaram receber esse nome no passado, ver as pupilas iluminadas pelo reflexo da tela nesse cineclube mambembe não deixa de ser um sopro para um futuro Totó, o garoto nostálgico e sonhador do Cinema Paradiso de Giuseppe Tornatore.

Kelly Lima

Kelly Lima é paulista, mas há 14 anos no Rio já se considera um pouco carioca. Formada em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), especializou-se em economia, atuando na cobertura da área de energia por mais de uma década na Agência Estado. Mais recentemente, trabalhou na área de desenvolvimento econômico e social do BNDES e do Governo do Estado do Rio. É sócia da Alter Comunicação, que produz conteúdo informativo para instituições e empresas, entre elas o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

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