Mais de 16 milhões de brasileiros não têm coleta de lixo em casa

Trabalhador em meio ao lixo na CoopFuturo, uma cooperativa de reciclagem no Rio de Janeiro. O Brasil está entre os maiores recicladores de latinhas de alumínio do mundo. Foto Carl de Souza/AFP

Cerca de 30 milhões de toneladas de resíduos ainda recebem destinação incorreta; Brasil faz reciclagem de apenas 2,1% do total coletado

Por Agostinho Vieira | ODS 11ODS 6 • Publicada em 17 de maio de 2022 - 09:26 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:43

Trabalhador em meio ao lixo na CoopFuturo, uma cooperativa de reciclagem no Rio de Janeiro. O Brasil está entre os maiores recicladores de latinhas de alumínio do mundo. Foto Carl de Souza/AFP

No Dia Internacional da Reciclagem, comemorado neste 17 de maio, o Brasil segue exibindo indicadores que há muito tempo deveriam fazer parte do lixo da história.  Para começar, uma pergunta básica: como reciclar os resíduos se boa parte deles sequer é recolhida? Hoje, cerca de 16,5 milhões de pessoas não contam com coleta regular de lixo na porta de casa. Ou seja, um em cada doze brasileiros não dispõe desse serviço absolutamente essencial. Um contingente superior à população de Portugal e equivalente ao número de moradores do estado do Rio de Janeiro. Os dados são do último Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, que tem como base o ano de 2021. A publicação é feita anualmente pela ABRELPE – Associação Brasileiras das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.

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O levantamento mostrou ainda que nos dois anos da pandemia, 2020 e 2021, a geração de resíduos sólidos nos domicílios do país cresceu cerca de 4%, com uma média de 1,07 kg por habitante/dia. Com isso, o total de lixo produzido no país chegou a 82,5 milhões de toneladas/ano. No entanto, o volume efetivamente coletado é menor, chegando a 76,1 milhões de toneladas/ano, o que representa uma cobertura de 92,2%. A diferença de 6,4 milhões de toneladas/ano, que daria para encher 3 mil piscinas olímpicas, não foi retirada das casas é lançada em terrenos baldios, rios, lagoas ou, simplesmente, queimados.

Na verdade, apesar de ter melhorado nos últimos anos, a destinação correta dos resíduos continua sendo o nosso grande problema. Segundo a ABRELPE, pela primeira vez a destinação final ambientalmente adequada de resíduos superou a casa dos 60%, com cerca de 46 milhões de toneladas sendo depositadas em aterros sanitários. Essa é a notícia boa. A ruim é que os outros 40%, 30,3 milhões de toneladas por ano, ainda são lançados em aterros antigos ou lixões a céu aberto. Lixões, aliás, que deveriam ter sido extintos em 2014, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). O prazo foi adiado para 2024 e, novamente, não deverá ser cumprido. Essa disposição inadequada dos resíduos afeta, direta ou indiretamente, a saúde de 77,5 milhões de pessoas.

Uma instalação em São Paulo do artista plástico brasileiro Eduardo Srur feita com blocos de material reciclado. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Uma instalação em São Paulo do artista plástico brasileiro Eduardo Srur feita com blocos de material reciclado. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

Já vimos que a coleta domiciliar de lixo no Brasil é insuficiente, que a destinação final dos resíduos não é correta e que a saúde das pessoas está sendo afetada. Mas hoje é o Dia Internacional da Reciclagem. Certamente estamos avançando nessa área. Certo? Errado. O Brasil recicla apenas 2,1% do total de resíduos coletados. O percentual é o mesmo há pelo menos 3 anos, segundo dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento). O país não avança porque não resolveu questões primárias. Não dá para reciclar se a população não tem acesso à coleta seletiva. Traduzindo. Um contingente enorme de brasileiros jamais viu um caminhão da prefeitura ou mesmo da iniciativa privada passar na porta da sua casa para recolher o lixo que deveria ter sido separado para a reciclagem: papel, papelão, latas, plásticos, vidros etc. Hoje, apenas 41,4% da população tem acesso à coleta seletiva. Mas temos metas. A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê que até 2040, daqui a 18 anos, o Brasil tenha 72% da população com acesso à coleta seletiva e 20% do material seja reciclado.

A única notícia boa no mercado de reciclagem brasileiro continua por conta da latinha de alumínio. Em 2021 o Brasil bateu um novo recorde, chegando a 98,7% de reciclagem. É o maior índice da história, desde que o indicador começou a ser mapeado, em 1990. Dados do Recicla Latas mostram que 409,2 mil toneladas, de um total de 414,5 mil deste resíduo, passaram pelo processo de reciclagem. O Brasil disputa com o Japão o título de maior reciclador de latinhas do mundo. A diferença está na forma como isso é feito. No país oriental, grossos manuais de reciclagem orientam as famílias sobre como separar o material e qual a destinação correta. Multas pesadas punem quem não cumprir as normas. No Brasil, o trabalho é feito pelos catadores, que recolhem as latinhas no lixo ou mesmo nas ruas. Um quilo de latinhas vazias de cerveja ou de refrigerante pode valer até R$ 7 num ferro velho. São necessárias 75 latinhas para chegar a um quilo. Para ganhar um salário-mínimo (R$ 1.212,00), um trabalhador precisa juntar 173 quilos ou 12.975 latinhas. Famílias inteiras vivem desse mercado.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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