(Fotos: Mirian Fichtner) – Maria e Laércio de Oliveira se alimentam basicamente da horta e do pomar que mantêm no quintal de casa. A vida do casal e dos dois filhos, Maycon e Max, começou a mudar há pouco mais de seis anos. A guinada foi em 2013. Nascidos e criados na zona rural de Serra Dourada, no oeste da Bahia, a família se acostumou a conviver com a escassez hídrica. Durante anos lidaram com a sina herdada dos pais: caminhar até seis quilômetros com sol a pino, equilibrando um balde na cabeça para pegar água na nascente mais próxima. O sofrimento provocado pela seca do Semiárido nordestino virou lembrança de um passado recente desde que os Oliveira e os vizinhos da comunidade Lagoa do Rufino, num total de 35 famílias, entraram para o Programa Um Milhão de Cisternas.
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Maria lembra com alegria quando a primeira cisterna ficou pronta. Acabava ali um sofrimento diário, que se arrastava por anos e anos. A sede deixou de ser um problema, quando a cisterna de 16 mil litros, que capta água da chuva pelo telhado da casa, encheu pela primeira vez. “Foi uma alegria só”, conta a professora primária. A casa ganhou torneiras, na cozinha e no banheiro. Dois anos depois, em 2015, era inaugurada a cisterna de produção. Tecnicamente batizada de Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), ganhou o apelido de “água de comer”. É que essa cisterna garante a autonomia na produção para as famílias de sertanejos. Bem maior do que a cisterna de primeira água, ou água de beber, esta tem 58 mil litros e concretizou o sonho da família Oliveira de ter um quintal produtivo, com horta e pomar, em meio ao sertão. À medida que as primeiras mudas iam crescendo, aumentava a diversidade na produção: beterraba, aipim, batata, quiabo, cenoura, milho, hortaliças diversas. Depois vieram o pomar, o galinheiro e as primeiras caixas de abelha.
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Veja o que já enviamos“Começamos produzindo pouca coisa, mas, aos poucos, a produção cresceu e passamos a vender o excedente”, conta Laércio, que parou de trabalhar como diarista em fazendas da redondeza para cuidar exclusivamente do seu próprio quintal produtivo. Ele trocou a diária de R$ 40, que ganhava dos grandes proprietários rurais na época da colheita, por um salário mensal com a venda de cestas básicas para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que chegou a variar de R$ 900 a R$ 1,2 mil por mês.
Criado durante o primeiro mandato do governo Lula, o PAA acabou se transformando, assim como o Programa Um Milhão de Cisternas, numa política pública de erradicação da fome e da pobreza, além de fortalecer a agricultura familiar. O governo se comprometia a comprar alimentos de assentados da reforma agrária, comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais para abastecer restaurante populares, hospitais, bancos de alimentos e distribuir cestas básicas à população mais carente.
Praticamente toda a produção do quintal agroecológico dos Oliveira era vendida para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão responsável pela administração do PAA. Cada família de agricultor familiar podia vender um limite anual de, no máximo, R$ 20 mil. O rendimento anual dos Oliveira chegou a R$ 8 mil, recurso suficiente para a família ir, paulatinamente, melhorando de vida: arrumaram a casa, compraram bicicleta para as crianças e um carro, ainda que velho, para Laércio. E também adquiriram um freezer, onde Maria passou a armazenar as polpas de frutas – nascia aí mais uma fonte de renda. Investiram ainda em caixas colmeias para abelhas.
Pouco antes de passar o cargo para o seu sucessor, Michel Temer, numa canetada, acabou com o PAA. “Tivemos o maior prejuízo, porque, de uma hora para outra, não tínhamos mais para quem vender nossa produção”, lamenta Laércio, que, junto com a mulher, continua vendendo polpas de frutas e mel para complementar o salário da família, mas, ainda assim, o rendimento despencou. “Só compramos fora o que não conseguimos produzir no quintal”, conta Maria.
As últimas cisternas
Maria Aparecida dos Santos sempre sonhou em ter um quintal produtivo como o do casal Maria e Laércio, que vivem na comunidade rural vizinha. O sonho virou realidade em março deste ano, quando Bom Calco, nos arredores de Brejolândia, foi incluído no P1+2. Como o governo Bolsonaro não renovou o repasse de verba para o programa, a família será uma das últimas na região do oeste da Bahia a receber a cisterna de produção.
A fila de espera por cisternas não parou de crescer, apesar da meta do Programa Um Milhão de Cisternas ter batido a meta. Morando com o marido, oito filhos, genros e noras, e muitos netos, foi em 2012 que a família parou de consumir água barrenta do tanque – um reservatório gigante, a céu aberto, coberto de lodo, que, durante anos, abasteceu de água toda a família.
À época que consumia a água do tanque, Aparecida lembra que precisava coá-la para reduzir a quantidade de pó barrento concentrado. “Às vezes, colocava uma pedra de carvão para ajudar a separar o pó”, conta ela, que criou todos os filhos bebendo desta água, assim como os netos mais velhos. Apenas os mais novos da família, com menos de 7 anos, é que passaram a consumir água de qualidade, após os Santos ganharem uma cisterna de plástico, como ficaram conhecidos os reservatórios de polietileno, que foram distribuídos durante o governo de Dilma Rousseff. Quem recebeu a cisterna, como Aparecida, ficou feliz, mas a iniciativa foi alvo de críticas. Além de custarem o dobro do preço do que as cisternas construídas com placas de cimentos, previstas no Programa Um Milhão de Cisternas, a alternativa rapidamente apresentou problemas e muitas tiveram que ser trocadas.
Quando o #Colabora esteve na casa de Maria Aparecida, em fevereiro de 2019, ela não conseguia conter a alegria ao mostrar a cisterna de produção que acabara de ser construída no quintal da sua casa. Ela admite que nunca rezou tanto para chover como naqueles dias após a conclusão da obra. “Quero plantar tudo em casa”, alegra-se a matriarca, que, na companhia de filhos, noras, genros e netos, está planejando um quintal produtivo igual ou até maior do que o casal Maria e Laércio de Oliveira cultivam.
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