Skate e surfe: Jogos Olímpicos em busca do público mais jovem

Rayssa Leal, 13 anos, na final da prova feminina de skate na qual conquistou a medalha de prata. : esportes radicais são aposta olímpica para rejuvenescer público (Foto: Dimitris Isevidis / Anadolu Agency / AFP – 26/07/2021)

Esportes radicais com grande participação feminina são apostas para rejuvenescer audiência olímpica; idade média na TV dos EUA, em 2016, foi de 53 anos

Por The Conversation | ODS 5 • Publicada em 2 de agosto de 2021 - 09:46 • Atualizada em 10 de agosto de 2021 - 08:53

Rayssa Leal, 13 anos, na final da prova feminina de skate na qual conquistou a medalha de prata. : esportes radicais são aposta olímpica para rejuvenescer público (Foto: Dimitris Isevidis / Anadolu Agency / AFP – 26/07/2021)

(Holly Thorpe e Belinda Wheaton*) – Os Jogos Olímpicos de Tóquio estão sendo inovadoras em mais de uma maneira. Além dos desafios de montar o evento durante uma pandemia, também estrearam uma série de novos esportes competindo pela atenção dos fãs – entre eles, quatro esportes de ação voltados para os jovens: surfe, skate, escalada esportiva e BMX freestyle .

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De acordo com o Comitê Olímpico Internacional (COI), a inclusão desses novos eventos – e também do karatê, do basquete 3×3, da volta do baseball/softball – é “a evolução mais abrangente do programa olímpico da história moderna”.

Para muitos fãs, entretanto, a adição de esportes radicais levanta grandes questões: eles são realmente esportes olímpicos e merecem tomar o lugar de eventos mais estabelecidos?

Nossa pesquisa mostra que o processo e a política por trás dessa decisão remontam a mais de 20 anos, parte do grande objetivo do COI de tornar as jogos Olímpicos mais atraentes para os espectadores mais jovens.

Embora os Jogos Olímpicos de Verão sejam considerados o espetáculo esportivo mais assistido do mundo, o número de jovens espectadores vem diminuindo há décadas. A idade média da audiência da TV americana para os Jogos Rio 2016 foi de 53 anos. (A julgar pela audiência da TV brasileira, a estratégia teve sucesso: apesar de disputadas na madrugada, as finais de surfe, vencida por Ítalo Ferreira, e de sake, com brasileiros medalhistas, tiveram público recorde – nota da tradução)

Ciente disso, o COI rejuvenescer seu público mais jovem, incorporando os novos esportes de ação nos programas olímpicos de verão (windsurf, mountain bike, corrida de BMX) e também de inverno como esqui cross (competição em que os esquiadores disputam juntos uma prova com saltos e curvas) e snowboard big air (com grandes saltos).

Desde sua polêmica inclusão nos Jogos Olímpicos de Inverno de Nagano de 1998, o snowboard se tornou o esporte queridinho dos eventos de inverno. Com apresentações inspiradas nos X Games e novos ídolos da juventude, como o americano Shaun White, também skatista, e a australiana Torah Bright, surfista nas horas vagas, o snowboarding é apontado como responsável pelo aumento de 48% no número de espectadores de 18 a 24 anos nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi 2010. Desde então, uma nova geração de snowboarders jovens e descolados, como Chloe Kim (campeã olímpica aos 17 anos, nos jogos da Coreia do Sul em 2018), continuou a inspirar e atrair audiência global para eventos de inverno..

Esse sucesso tem impulsionado a inclusão de mais esportes radicais também nos Jogos Olímpicos de Verão. E o COI buscou ainda outras iniciativas importantes para renovar seu público, como os Jogos Olímpicos da Juventude e um canal olímpico no YouTube.

Ítalo Ferreira em manobra para se tornar o primeiro campeão olímpico do surfe: esporte faz parte de estratégia para atrair público mais jovem para os Jogos Olímpicos (Foto: Yuki Iwamura / AFP - 27/07/2021)
Ítalo Ferreira em manobra para se tornar o primeiro campeão olímpico do surfe: esporte faz parte de estratégia para atrair público mais jovem para os Jogos Olímpicos (Foto: Yuki Iwamura / AFP – 27/07/2021)

Desde 2010, quando foi criado, as Olimpíadas da Juventude têm sido um importante campo de testes para novos esportes, inovação em mídia social e conceitos como o Laboratório de Esportes em Nanjing em 2014 e o Parque Urbano em Buenos Aires em 2018. Nem tudo passa da fase de teste, mas muita coisa está avançando.

A chegada à presidência do COI do alemão Thomas Bach, em 2013, e a introdução da política da Agenda 2020 – com o objetivo de tornar os eventos olímpicos mais inclusivos e mais sustentáveis, entre outras metas – aceleraram o processo de modernização. Em 2015, o COI trabalhou com o Comitê Organizador de Tóquio para selecionar cinco novos esportes – surfe, skate, escalada esportiva, caratê e beisebol/softball – para possível inclusão nos jogos de 2020. “Queremos levar o esporte para os jovens de todas as partes. Com as tantas opções que os jovens têm, não podemos mais esperar que eles venham automaticamente até nós – temos que ir até eles”, comemorou Thomas Bach, quando os novos esportes foram aprovados.

Após uma análise para medir o desempenho geral da audiência de todos os esportes, várias federações internacionais desenvolveram estratégias para se tornarem mais atraentes para os jovens. A União Internacional de Ciclismo aprovou o BMX freestyle – uma versão radical, com pista semelhante às pistas de skate – e a Fiba (Federação Internacional de Basquete) acrescentou o basquete 3×3 para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Esta pressão para atrair fãs mais jovens vem tendo um efeito cascata, com outras entidades esportivas querendo trazer novos eventos para o rebanho olímpico. Um dos exemplos é a batalha atual sobre a possível inclusão olímpica do freerunning, também conhecido como parkour: uma prova de obstáculos com utilização de elementos urbanos e rurais.

Vitrine para atletas femininas

Os novos esportes olímpicos também tiveram seus desafios logísticos. Entidades organizadoras de esportes de ação tiveram que navegar por novos terrenos complexos, incluindo a determinação de como os atletas se classificam, formatos de competição, equipamentos, uniformes, testes de drogas e adequação do local – tudo complicado pela pandemia.

Mas a inclusão dos novos esportes – todos com representação igual masculina e feminina – também ajudou as Olimpíadas de Tóquio 2020 a se aproximarem das metas de igualdade de gênero do COI, com atletas femininas representando 49% de todos os atletas olímpicos.

Para as mulheres nos esportes radicais, os Jogos Olímpicos estão criando mais oportunidades para atletas e líderes em atividades há muito dominadas pelos homens. As exibições de talentos femininos em Tóquio – como os da japonesa Momiji Nishiya e da brasileira Rayssa Leal, as medalhistas de 13 anos do skate, da americana Carissa Moore, primeira campeã olímpica de surfe, e da japonesa Akiyo Noguchi, campeã asiática e favorita nas primeiras provas olímpicas de escalada – devem mudar a dinâmica de gênero nesses esportes após os eventos olímpicos.

A japonsea Akiyo Noguchi na Copa do Mundo de escalada esportiva na Áustria: esportes radicais com forte participação feminina para tornar Jogos Olímpicos mais jovens e inclusivos (Foto: Johann Groder / AFP - 26/06/2021)
A japonsea Akiyo Noguchi na Copa do Mundo de escalada esportiva na Áustria: esportes radicais com forte participação feminina para tornar Jogos Olímpicos mais jovens e inclusivos (Foto: Johann Groder / AFP – 26/06/2021)

Nostalgia e progresso nos esportes radicais

Com a economia dos esportes radicais em processo de estagnação, muitos nessa indústria apoiaram ativamente a inclusão no calendário olímpica. Mas a herança de cultura alternativa (ou contra-cultura) de muitos desses esportes gerou tensões e polêmicas.

Muitos participantes veem os esportes radicais nostalgicamente como estilos de vida alternativos, em vez de esportes convencionais. Os sistemas de valores associados que eles celebram – auto expressão, criatividade, diversão – são frequentemente considerados em desacordo com o ethos olímpico disciplinar, hierárquico e nacionalista.

Isso levou as propostas iniciais de incluir surfe, skate e escalada esportiva em Tóquio a serem fortemente contestadas por muitos dentro das culturas mais amplas do esporte de ação, preocupados com a perda de autonomia e controle de “seus” esportes – apesar de atualmente, surfe e skate, por exemplo, terem circuitos internacionais organizados e com fortes patrocinadores.

Embora os atletas olímpicos sejam embaixadores entusiastas de seus esportes (e provavelmente recebam recompensas econômicas e culturais significativas), existem aqueles no mundo dos esportes de ação que veem a inclusão olímpica como apenas mais uma manobra para fazer dinheiro – parte de um processo mais longo de “venda fora ”com poucos benefícios para seus esportes.

Nosso estudo mostra, entretanto, que os participantes masculinos mais velhos são a grande maioria entre aqueles que se opõe à inclusão de esportes de ação no programa olímpico

Uma pesquisa internacional de opinião mostrou participantes mais jovens e mulheres muito mais entusiasmadas. Os menores de 19 anos apoiaram mais a inclusão dos esportes radicais no programa olímpico, com 80% concordando com a afirmação: “Acho que é uma ótima ideia e provavelmente assistiria mais das Olimpíadas”.

Paisagem olímpica em mutação

Sem espectadores, infelizmente, Tóquio não será o festival urbano idealizado antes da pandemia de covid-19, que previa música ao vivo, arte e toda uma vibe voltada para os jovens em locais urbanos e de praia.

No entanto, os esportes de ação centrais para esse conceito não estão indo embora. Paris 2024 – com skate e surfe já confirmados – verá a adição de kitesurf e break/break-dancing, parte de uma tendência que continuará nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 2028.

As ideias tradicionais sobre quais eventos são (ou não) esportes legítimos também mudarão nos próximos anos, à medida que o COI fizer suas apostas em um mercado de esportes e lazer cada vez mais competitivo.

Com a sobrevivência dos jogos tão dependente dos telespectadores e do dinheiro dos patrocínios, o COI lutará ainda mais para se manter relevante para as próximas gerações de fãs olímpicos.

*Holly Thorpe é professora de Sociologia do Esporte, da Universidade de Waikato (Hamilton, Nova Zelândia); Brenda Wheaton é professora da Escola de Esporte, Saúde e Desempenho Humano da Universidade de Waikato (Nova Zelândia)

The Conversation

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