Jovem Yanomami é primeira morte após contaminação em área indígena

Área por onde Alvanei circulou e buscou atendimento de saúde: adolescente era da comunidade Helepi, na Terra Yanomami, e estudava na Terra Indígena Boqueirão (Arte: Amazônia Real)

Estudante passou mais de duas semanas com sintomas sem ser diagnosticados; mais dois indígenas já morreram, em áreas urbanas, pela covid-19

Por Amazônia Real | ODS 3 • Publicada em 10 de abril de 2020 - 13:59 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 21:03

Área por onde Alvanei circulou e buscou atendimento de saúde: adolescente era da comunidade Helepi, na Terra Yanomami, e estudava na Terra Indígena Boqueirão (Arte: Amazônia Real)

Ana Amélia Hamdan, Kátia Brasil e Emily Costa*

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, confirmou na noite desta quinta-feira (9/4) que o estudante Yanomami, de 15 anos, morreu por complicações da infecção no pulmão devido à doença Covid-19. O médico infectologista Joel Gonzaga, da Sesai, afirmou à Amazônia Real que o quadro de saúde do estudante se agravou “com o comprometimento cerebral, tromboembolismo e complicações da resposta inflamatória do vírus”.

O estudante tinha a saúde afetada por ter contraído, antes da Covid-19, “doenças como desnutrição, anemia, malárias repetitivas e foi tratado, mês passado (março), de Malária Falciparum”, disse Gonzaga. Conforme o Ministério da Saúde, o jovem é Alvanei Xirixana, nascido na Comunidade Helepi, na Terra Indígena Yanomami, em 02 de março de 2005. Seus pais são Ivanete Xirixana e Alfredo Xirixana. Alvanei estudava o ensino fundamental em uma escola da Comunidade Boqueirão, na Terra Indígena Boqueirão, dos povos Macuxi e Wapichana, no município de Alto Alegre, no norte de Roraima.

Os pais do estudante, cinco profissionais da saúde indígena, um piloto de avião e a Comunidade Helepi, com cerca de 70 pessoas, estão no isolamento e monitoramento pela Sesai por terem mantido contato com o Alvanei. Até o momento não há informações sobre como o menino foi infectado pelo novo coronavírus.

Como publicou a Amazônia Real, o estudante Alvanei Xirixana passou 21 dias com os sintomas do novo coronavírus, buscando por atendimento de saúde e não foi submetido no início da doença ao teste para Covid-19. Ele chegou a receber alta do Hospital Geral de Roraima após sua primeira internação no dia 18 de março um dia depois de ser atendido no Hospital de Alto Alegre, no norte de Roraima. Ele voltou ao hospital nos dias 20 e 22 de março – os sintomas do estudante foram tratados como malária, febre e mialgia (dor muscular). Alvanei também esteve em outras unidades de saúde até ser definitivamente internado no HGR no dia 3 de abril – após seu quadro se agravar e ele ser transferido de avião da comunidade Helepi para Boavista.

O diagnóstico da doença Covid-19 só foi confirmado no estudante Yanomami apenas no último dia 7 de abril com a contraprova realizada com o sangue (RT-PCR), que detectou o coronavírus, que causa a pandemia mundial. O Ministério da Saúde informou o primeiro caso de Covid-19 entre indígenas Yanomami no dia 8 de abril. Em sua rede social, o antropólogo francês Bruce Albert disse que o jovem era de uma comunidade “da região do rio Uraricoera, área de garimpo”. Ele também destacou que o adolescente não foi atendido pelo sistema de saúde quando sentiu os primeiros sintomas da gripe.

“Estava (o jovem) perambulando entre Casai leste e HG de RR desde 19/3 com sintomas respiratórios característicos e prescrição de antibióticos. Conviveu com muita gente desde então”, disse o antropólogo e etnógrafo Bruce Albert, amigo do líder e xamã Davi Kopenawa desde os anos 70 e ambos parceiros na autoria do livro “A queda do céu”.

Outras mortes

Alvanei Xirixana é a primeira vítima falta que morava em aldia indígena. Entretanto, segundo o Instituto Sociambiental (ISA), dois indígenas já morreram infectados pela Covid-19: uma mulher da etnia Borari, em Alter do Chão, no Pará, e um homem do povo Mura, de 55 anos, do município de Itacoatiara, no Amazonas. Como eles viviam em contexto urbano e não recebiam cobertura do subsistema de saúde indígena dos Dseis, os óbitos não foram considerados como sendo de indígenas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.

O caso de Covid-19 no estudante Yanomami foi o primeiro notificado de indígena no estado de Roraima, que tem uma população indígena de 70.596 pessoas. Os Yanomami somam uma população de 26.789 pessoas. No Amazonas, foram confirmados quatro casos do novo coronavírus em indígenas do povo Kokama, no município de Santo Antônio do Içá, na região do Alto Rio Solimões.

Entre os dias 17 de março, data em que procurou o primeiro hospital para atendimento, e 3 de abril, quando foi definitivamente internado em Boa Vista,  jovem esteve com diferentes companhias: parentes Yanomami, funcionários da Saúde Indígena, povos Macuxi, motorista de táxi e até com um piloto de helicóptero, pois foi removido da comunidade Helepi, segundo o Ministério da Saúde.

Alvanei saiu da comunidade Helepi, no Rio Uraricoera, para fazer o ensino fundamental na Terra Indígena Boqueirão, onde vivem os povos Macuxi e Wapichana, localizada no município de Alto Alegre, no norte de Roraima. Na área, moram 464 pessoas. O estudante transita pelas duas comunidades, que são constantemente ameaçadas pela invasão de garimpeiros. “São rotas de grande trânsito de pessoas não indígenas devido a intensa exploração ilegal de minérios na região”, diz o Ministério da Saúde em nota ao confirmar a contaminação do estudante pelo coronavírus, na quarta-feira.

Dario Yawarioma Urihithëri, diretor da Hutukara Associação Yanomami (HAY), e filho do líder Davi Kopenawa Yanomami, disse à Amazônia Real que as 380 comunidades Yanomami estão em isolamento por causa da pandemia do novo coronavírus. Foi ele quem avisou, ainda na quarta, que Alvanei estava mesmo com a covid-19. “Falamos através de radiofonia, conversamos com as lideranças locais e conversando com os Yanomami, nas suas comunidades, através de rádio. O nosso território é grande, a gente não tem como chegar nas comunidades. Continuamos muito preocupados e os invasores estão lá no nosso território”, disse Dario.

*Amazônia Real

Amazônia Real

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