Diário da Covid-19: Brasil tem mais mortes diárias do que Ásia, África e Oceania juntas

Caixões com vítimas da covid-19 são descarregados para serem enterrados em uma vala comum no cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Manaus. Foto Michael Dantas/AFP

Projeções indicam que número de novos infectados por dia chegará a 13 mil e o de óbitos superará a marca de 800 vítimas

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 8 de maio de 2020 - 08:53 • Atualizada em 26 de dezembro de 2021 - 16:59

Caixões com vítimas da covid-19 são descarregados para serem enterrados em uma vala comum no cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Manaus. Foto Michael Dantas/AFP

O Brasil está tendo um número diário de mortes pela covid-19 acima da soma das mortes diárias da Ásia, África e Oceania. Um simples país teve nos últimos três dias, repetidamente, um número diário de vítimas fatais acima de 600 mortes, enquanto os três continentes – com cerca de 6 bilhões de habitantes – apresentaram um número diário abaixo de 600 mortes. A situação brasileira é dramática. Mas apesar de todo o drama da emergência sanitária e da emergência econômica, o presidente do Brasil trata a crise com desdém: “E daí?”.

Para responder a esta questão, uma das revistas acadêmicas mais importantes do mundo na área de saúde, a britânica The Lancet, com quase 200 anos de existência, fez um editorial (“So What?”) dizendo que Bolsonaro precisa mudar drasticamente as políticas do seu governo ou terá que sair para evitar uma catástrofe.

O panorama nacional e global

O Ministério da Saúde informou, na tarde do dia 07 de maio, que o país atingiu 135.106 casos e 9.146 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 6,8%. O número diário de pessoas infectadas foi de 9.888 casos, segundo maior valor absoluto da série. O número diário de vítimas fatais foi de 610 óbitos nas últimas 24 horas, também o segundo maior valor absoluto diário e o 2º maior valor no ranking global. No início da atual Semana Epidemiológica (19ª SE), entre os dias 02 e 04/05, o número de mortes no território brasileiro estava na casa de 3 centenas e passou para a casa de 6 centenas entre os dias 5 e 7 de maio.

O gráfico abaixo mostra que existe, inquestionavelmente, uma tendência de aumento diário dos casos e das mortes e a perspectiva é de que estes valores elevados devem se repetir na próxima semana e podem até bater novos recordes, pois o pico da pandemia ainda está distante. As linhas (pontilhadas) da tendência polinomial de terceiro grau apontam para um número de novos infectados acima de 13 mil e um número de vítimas fatais acima de 800 óbitos diários, como pode ser visto na final da projeção que atinge os próximos 8 dias.

Globalmente, no dia 07 de maio, o número de pessoas infectadas chegou a 3,91 milhões de casos e a 270 mil mortes. Provavelmente, o mundo atingirá 4 milhões de casos no dia 08/05. O número diário de pessoas infectadas no mundo ficou em 96,2 mil casos e o número de mortes ficou em 5,6 mil óbitos em 24 horas. Mas o mundo é muito grande e heterogêneo e existem países que já estão chegando ao fim da pandemia, outros já ultrapassaram o pico, mas existem alguns (dentre eles o Brasil) que ainda estão em fase de expansão.

A tabela abaixo mostra o número de casos e de mortes pela covid-19 para o dia 07 de maio de 2020. O que chama a atenção é que o Brasil teve mais mortes no dia 07/05 do que a soma da mortes diárias na Ásia (com população de 4,6 bilhões e 59,5% do mundo), mais os da África (1,3 bilhão de habitantes e 17,2% do mundo) e mais os da Oceania (42,7 milhões e 0,5% do mundo). Ou seja, o Brasil com apenas 2,7% da população mundial teve 10,3% dos casos e 10,9% das mortes pela covid-19 na quinta-feira.

O maior número de casos e de mortes estão na América do Norte (mas concentrados nos EUA), seguidos da Europa. A América do Sul é destaque, mas muito por conta do Brasil. De fato, além de ter mais de 10% dos eventos globais, o Brasil teve 61,9% dos casos e 80,5% das mortes da América do Sul, no dia 07/05. Os dados da tabela abaixo servem para esclarecer para o Ministro da Saúde (que disse que o país “performa bem”) ou para os otimistas panglossianos (aquelas pessoas que dizem que o país “não está indo tão mal”) que, na verdade, o Brasil está em situação crítica e já pode ser considerado um dos epicentros destacados da pandemia global.

Os países segundo os três estágios da pandemia global:

O surto pandêmico do novo coronavírus tem um padrão geral que segue, aproximadamente, o formato de uma curva normal (distribuição de Laplace–Gauss). Ou seja, a partir do zero tem uma fase de aceleração e subida da curva, depois tem um pico no alto da distribuição e depois tem uma fase de desaceleração da curva até chegar a zero ou próximo de zero. De acordo com a posição de cada país nas diversas fases da curva normal se pode classificar os países. O site “End Coronavirus” separou as principais nações do mundo em três fases: Países que estão vencendo o coronavírus, países que estão quase vencendo o coronavírus e aqueles países que ainda estão subindo a curva normal ou estão no pico e precisam de ações fortes e imediatas para conter a pandemia. A classificação dos países está nas figuras abaixo (note que o Brasil é o país que apresenta a maior tendência de aumento na atualidade).

Editorial da Revista The Lancet sobre o “E daí?”

Em editorial, a revista “The Lancet” manifesta preocupação com o ritmo da pandemia da covid-19 no Brasil, chama atenção para o alto nível do ritmo de crescimento dos óbitos no país e para o fato de que o país tem a mais alta taxa de transmissão entre os 48 avaliados pelo Imperial College de Londres. O editorial alerta para a falta de unidade do Poder Público no combate à pandemia e diz que o presidente brasileiro semeia “confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distanciamento físico e confinamento introduzidas pelos governadores de estado e pelos prefeitos das cidades”. A revista diz que o Brasil precisa se unir para dar uma resposta efetiva ao “E daí?” do presidente e que Bolsonaro precisa mudar drasticamente as políticas do seu governo ou será o próximo a sair.

Editorial. COVID-19 in Brazil: “So what?”, The Lancet, Vol 395 May 9, 2020

https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2931095-3

Frase do dia 08/05/2020

“Para cada mil pessoas dedicadas a cortar as folhas do mal, há apenas uma atacando as raízes”

Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)

Autor de “Desobediência Civil” e “Walden ou A Vida nos Bosques

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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