De um modo geral, existem, basicamente, três tipos de empresa. O primeiro grupo é formado pelos negócios que visam o lucro a qualquer custo, mesmo que seja à margem da lei. Investem pesado em bons advogados, no financiamento de campanhas eleitorais, protelam o pagamento de multas e seguem a vida. São muitas. O segundo time prefere seguir as regras do jogo, se preocupa com a imagem da companhia, mas não dispensa os bons advogados. O terceiro bloco, mais raro, é formado pelos que entendem melhor o papel de uma empresa na sociedade. Elas têm um foco claro no balanço financeiro, mas não abrem mão também dos resultados ambientais e sociais. É o chamado “triple bottom line”.
[g1_quote author_name=”Fabio Schvartsman” author_description=”Presidente da Vale” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Essas dez barragens já estavam em projeto de descomissionamento, mas depois que esse desastre aconteceu a companhia decidiu que não podemos mais conviver com esse tipo de barragem
[/g1_quote]Nesta terça-feira, 29 de janeiro, a Vale fincou mais uma estaca como destacado representante do primeiro grupo. Seu presidente, Fabio Schvartsman, anunciou o fechamento de dez barragens que ainda usam o modelo de alteamento a montante, o mesmo que era usado em Brumadinho e Mariana. Um sistema antigo, obsoleto e perigoso. A decisão, correta, porém tardia, representará um investimento de R$ 5 bilhões, três anos de trabalho e uma perda anual de 10% da produção, cerca de 40 milhões de toneladas de minério de ferro. Schvartsman foi sincero: “Essas dez barragens já estavam em projeto de descomissionamento, mas depois que esse desastre aconteceu a companhia decidiu que não podemos mais conviver com esse tipo de barragem”. Em outras palavras: Se não tivesse morrido essa gente toda, e se não tivéssemos tanta repercussão, talvez fosse possível deixar como estava.
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Veja o que já enviamosCertamente, essa não foi a primeira vez que o presidente e a diretoria da Vale discutiram o fechamento dessas barragens e os custos aliados à decisão. Toda empresa deste porte, e mesmo as que não são tão grandes, têm no seu organograma uma Área de Riscos. Normalmente formada por engenheiros e advogados. Como o nome diz, o papel desses profissionais é exatamente identificar os riscos em potencial para os negócios. Um exemplo clássico de recomendação das áreas de risco é a que impede os executivos de viajarem no mesmo avião. É provável que essa hipotética reunião para discutir o fechamento das barragens obsoletas tenha acontecido logo depois da tragédia de Mariana: “Vai custar R$ 5 bilhões e demorar três anos”, teria dito o diretor da área. “Mas e se tivermos uma nova Mariana?”, indagou outro diretor. “O risco é baixo. Além disso vamos perder 10% da produção”, respondeu. “Mas, e se morrer gente?…”
Qualquer estagiário de uma Área de Riscos sabe que não existe risco zero. Basta estar vivo para correr o risco de morrer. O filósofo francês Jean Jacques Rousseau já mostrava, em 1755, que um terremoto em um deserto não teria efeito algum, uma vez que ninguém sofreria com ele. O conceito de risco é basicamente social, só existe se houver gente envolvida, mesmo que sejam os acionistas buscando o retorno para o investimento ou os diretores de olho no bônus anual. É basicamente uma conta: o custo de evitar x o potencial de risco. Os executivos da Vale erraram a conta. Jogaram com a vida de funcionários e moradores da região e perderam.
Pudera, depois de Mariana, até que as coisas não estavam indo mal para a companhia. De novembro de 2015, data do rompimento da barragem, até a quinta-feira anterior ao desastre de Brumadinho, as ações da Vale acumulavam uma alta de 258%. Ninguém foi responsabilizado pela tragédia que deixou 19 mortos e um rastro de destruição em Minas Gerais. Além disso, menos de 6% das multas ambientais haviam sido pagas. A Samarco, que tem a Vale como uma das suas controladoras, deve até hoje R$ 610 milhões em multas.
No mesmo dia em que o presidente da Vale anunciava o fechamento tardio de 10 barragens, o secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do governo, Salim Mattar, anunciava que o presidente Jair Bolsonaro deixará apenas a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e a Petrobras de fora do rol de privatizações. E mesmo assim, segundo ele, “as três estatais vão se desfazer de ativos e ficarão bem mais magras”. A primeira da lista a ser passada para o setor privado é a Eletrobrás, com suas quase 50 hidrelétricas e respectivas barragens. Uma decisão discutível do ponto de vista econômico, estratégico e humano. O argumento de que a iniciativa privada tem mais capacidade de gestão do que o setor público já caiu por terra há muito tempo. Exemplos como a própria Vale e a EBX, do antigo todo poderoso Eike Batista, estão aí para provar.
A tragédia de Brumadinho acontece no momento em que governo federal resolveu atacar as leis ambientais, os fiscais do Ibama e a instituições de proteção à natureza. O discurso é de que a lei atrapalha o desenvolvimento das empresas. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, prega a flexibilização dos licenciamentos e defende que as próprias empresas façam parte do trabalho. Jogando ainda mais lama na fogueira. Talvez seja o momento de criar um Ministério do Risco, para avaliar as decisões cada vez mais arriscadas que estão sendo tomadas em Brasília.
Enquanto isso, o parlamento alemão acaba de aprovar, esta semana, uma nova legislação que estabelece uma data para o fim da geração de eletricidade por termelétricas a carvão: 2038. A decisão envolveu empresas de energia, sindicatos, a academia e organizações da sociedade civil. Para fazer a transição, foram criados programas de demissão voluntária, de retreinamento e requalificação. Uma preocupação clara com a vida dos mineiros e de suas famílias. Não é difícil fazer, basta ter vontade política.