Trump joga no lixo políticas do clima de Barack Obama

Globe in trash bag

Como o presidente americano está destruindo as conquistas de seu antecessor

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13 • Publicada em 9 de abril de 2017 - 20:45 • Atualizada em 11 de abril de 2017 - 12:12

Globe in trash bag
O planeta em um saco de lixo: metáfora para o que Trump está fazendo com as políticas do clima de Obama. Foto de Charlie Abad/ Photononstop

Não podia acontecer em pior hora. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem o maior índice de reprovação de um mandatário do país em todos os tempos, está simplesmente demolindo as políticas do clima de Barack Obama. O democrata, que deixou o cargo há pouco mais de três meses, cedeu seu posto a um empresário megalomaníaco, delirante e muito, muito perigoso, que está jogando na lata do lixo todas conquistas de gestões anteriores voltadas à proteção do planeta.

Os triunfos alcançados foram o resultado de um grande conjunto de ações que iniciaram um movimento que parecia irreversível. Obama teve de usar decretos (as chamadas ordens executivas) para conseguir ditar regras afinadas com o restante do mundo e com informações de relatórios do Painel Intergovernamental da Mudança do Clima (IPCC) da ONU e de diversas organizações de peso e rigor científico. Todos corroboram o que acredita a vasta maioria de cientistas ser uma das maiores ameaças ao futuro da humanidade: a mudança incontida do clima.

Pesquisa divulgada na semana passada revela que 76% dos americanos estão preocupados com a mudança climática. O presidente indica que não está nem aí

Recentemente, instituições como a Organização Mundial de Meteorologia publicaram dados preocupantes. O ano de 2016 quebrou todos os recordes de altas temperaturas de superfície e marítimas desde que os registros começaram, em plena Revolução Industrial, na qual os setores da economia faziam o que bem entendiam, sem qualquer sistema de checagem ou políticas consistentes para o clima. Na verdade, ninguém à época estava minimamente preocupado com isso.

Poderia estar muito pior se mecanismos de defesa não tivessem sido instituídos há algum tempo. Na verdade tudo teve início há 50 anos, quando o presidente Richard Nixon, com apoio dos rivais democratas no Congresso, conseguiu aprovar leis que mudariam o cotidiano de todos os cidadãos americanos. Em dois anos, surgiu a legislação para restringir a poluição tóxica do ar, a limpeza de rios e cursos de água em todo o território dos EUA, e foi criada a Agência de Proteção Ambiental. Foram aprovadas a Lei do Ar Limpo, em 1970, e a Lei da Água Limpa, em 1972. Essas duas são a espinha dorsal do sistema de proteção do clima. E surgiram ainda a Lei Nacional de Políticas (1970) e a Lei das Espécies Ameaçadas (1974), em um formidável guarda-chuva a favor da vida na Terra.

Trump vai se transformando no presidente mais hostil ao meio ambiente. Mas o que nós brasileiros temos a ver com isso? Tudo, embora tenhamos de ficar de braços cruzados, olhando a paisagem passar, a partir do banco do passageiro.

E as leis funcionaram muito melhor do que os críticos pensavam. A um custo muito menor do que estimaram empresários, segundo os quais as medidas prejudicariam a economia com sua implantação. Elas continuam em vigor, mesmo com a chiadeira costumeira do mercado. E a grande maioria dos americanos as aprova. Pesquisa divulgada na semana passada (dia 5 de abril) revela que 76% deles estão preocupados com a mudança climática. O presidente indica que não está nem aí. Já propôs o corte de bilhões de dólares no orçamento da Agência de Proteção Ambiental, e colocou para chefiá-la Scott Pruitt, empresário que chama a mudança do clima de “uma balela”.

Trump vai se transformando no presidente mais hostil ao meio ambiente. Ronald Reagan bem que tentou, mas à época os republicanos tinham minoria no Congresso, diferentemente de hoje. Mas o que nós brasileiros temos a ver com isso? Tudo, embora tenhamos de ficar de braços cruzados, olhando a paisagem passar, a partir do banco do passageiro. Afinal, o que acontece na política ambiental dos EUA repercute em todo mundo, como os fenômenos como a poluição do ar e da  água, que facilmente se espalham desde suas origens. Ainda, o peso político de decisões alopradas como as de Trump ajudam muitos países a se sentirem à vontade ao relaxarem suas políticas.

Protesto contra política do clima de Donald Trump: desaprovada por 76% dos americanos. AFP Photo/ Don Emmert

A primeira medida de Trump foi tomada a 28 de março, rescindindo a Lei de Energia Limpa, de Obama. A chamada Independência Energética do novo governo exige reversão da moratória da exploração de carvão em terras federais e dispensa regras que cortem as emissões de etano de petróleo e gás. São esperados milhares de ações em todas as instâncias.

A lei de energia de Obama visava cortar as emissões de usinas de energia equivalentes às geradas por 80 milhões de carros fora das ruas. Também fortalecia compromissos do clima assumidos pelo país. Não chegou a ser implantada, mas o que Trump fará pode ser meramente simbólico. Trinta estados dos EUA já exigem que empresas de energia aumentem a produção de energia limpa na próxima década. Mas o recado político do novo presidente é óbvio. Daqui por diante nada passará. “Não foi para isso que Trump foi eleito”, reclama David Goldston, diretor de relações governamentais do  influente Conselho Nacional de Defesa dos Recursos Naturais. Segundo ele, as ações de Trump mostram uma visão pobre do assunto, além de não trazer de volta empregos perdidos. A extração de carvão, por exemplo, é hoje amplamente mecanizada.

O presidente não pode simplesmente reescrever as salvaguardas. Ele tem de provar que as mudanças estejam alinhadas com a lei e a ciência”, acrescenta Goldston . “Encontrarão uma montanha de obstáculos”, acredita Jeremy Symons, vice-presidente de outra poderosa instituição, o Fundo de Defesa Ambiental. “Vamos trazer de volta os empregos”, diz o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. “Vamos tirar Washington do caminho para os produtores de energia e mineiros de carvão – porque energia significa crescimento para o país e o presidente Trump gosta de carvão”. Simples assim: Trump gosta de carvão.

Enquanto isso, nos EUA e em todo o resto do mundo, a mudança do clima atinge níveis perigosos. O ano de 2017 começa com condições “extremas e incomuns”, diz relatório da Organização Mundial de Metereologia, o Estado Global do Clima.  O relatório vem acompanhado de um excelente mapa interativo das condições do tempo e como afetaram diversas regiões.

De acordo com o trabalho, foram registrados eventos extremos do tempo, como secas severas no sul e leste da África, e na América Central. O furacão Matthew, no Atlântico Norte, foi um dos mais prejudiciais desastres ligados ao clima, deixando centenas de mortos no Haiti. E já no começo de 2017, o Ártico experimentou o equivalente a uma onda de calor. Mas fazer o quê? Trump gosta de carvão.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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