Seca extrema já atingiu 42 territórios indígenas na Amazônia

Estudo da Coiab aponta que área afetada pela estiagem, a pior da história, teve aumento de 2000% no bioma; número de incêndios florestais subiu 80%

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 26 de setembro de 2024 - 12:59 • Atualizada em 8 de outubro de 2024 - 09:47

Fumaça das queimadas e seca no Rio Xingu, perto da Aldeia Metuktire, na Amazônia: seca extrema atinge territórios indígenas (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)

A seca extrema vivida na Amazônia Brasileira já é a mais intensa da história do Brasil, com uma tendência de agravamento das condições climáticas no segundo semestre deste ano. Dados estudo ‘Amazônia à Beira do Colapso – Boletim Trimestral da Seca Extrema nas Terras Indígenas da Amazônia Brasileira’ apontam que 149 Terras Indígenas da Amazônia Brasileira estão em contexto de seca extrema ou grave. Entre esses territórios, 42 estão em processo extremo, o que significa escassez de água, seca absoluta dos rios em diversas regiões, grandes perdas de cultura, pastagens e florestas, bem como uma restrição radical do uso da água.

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Esses 42 territórios indígenas em seca extrema representam 53% de todas as terras indígenas da Amazônia Brasileira, atingindo mais de 3 mil domicílios indígenas, 110 escolas e 40 unidades de saúde. “Para nós, povos indígenas, a seca não é apenas a falta de chuva, mas sim um desequilíbrio na relação entre terra e seres vivos, causado pela exploração inconsequente dos recursos naturais. Sem água, o acesso às diferentes tradições se interrompe, refletindo uma crise que afeta não apenas o corpo físico, mas também o espírito”, destaca o relatório.

Nossas florestas estão queimando, nossos rios estão secando, nossas comunidades estão sofrendo. O mundo deve atuar agora para proteger a Amazônia e todos os sistema vitais da América do Sul e não apenaspor nós mas pelo futuro do planeta

Raoni Metuktire
Cacique Kayapó

O estudo ‘Amazônia à Beira do Colapso’ – produzido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), por meio de sua Gerência de Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI) – apresenta um panorama da seca e estiagem vividos nos territórios indígenas, apresentando dados da estiagem e seca (maio-julho de 2024), queimadas (maio-agosto de 2024) e nível dos rios (julho de 2024) na Amazônia brasileira. Em um comparativo, a seca extrema em julho de 2023 atingiu 15 mil km² ou 1,5 milhão de hectares. Já a seca extrema de 2024 atinge atualmente 315 mil km² ou 31 milhões de hectares, uma área equivalente ao tamanho da Itália, indicando um aumento de 2000% em relação às áreas afetadas pelo processo de seca extrema.

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O lançamento do boletim aconteceu nesta quarta-feira (25/09) durante a Semana do Clima de Nova York, plataforma que reúne líderes de governo, empresas e organizações da sociedade civil para falar sobre a crise climática. O evento contou com a presença do coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineir; do cacique Raoni Metuktire, uma das mais conhecidas vozes da luta indígena no Brasil e no mundo; da representante da Coiab na Bacia Amazônica, Angela Kaxuyana; da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG); de Patricia Gualinga Montalvo, liderança indígena e defensora dos direitos indígenas do Equador, e de representantes de comunidades indígenas de Peru, Bolívia, Colômbia, Guiana, Suriname, Venezuela e Paraguai.

As lideranças fizeram um apelo à comunidade internacional para o enfrentamento da crise climática da América do Sul. “Nossas florestas estão queimando, nossos rios estão secando, nossas comunidades estão sofrendo. O mundo deve atuar agora para proteger a Amazônia e todos os sistema vitais da América do Sul e não apenaspor nós mas pelo futuro do planeta”, afirmou o cacique Raoni, destacando a destruição crescente e alertando que o mundo está à beira de uma “catástrofe climática sem precedentes, com impactos diretos sobre a vida dos povos indígenas”.

De acordo com a publicação, divulgada na entrevista coletiva em Nova York e disponível no site da Coiab, o cenário é ainda mais grave quando se considera a seca extrema para além dos territórios indígenas: apenas nos estados do Amazonas, Acre e Rondônia, são mais de 300 mil domicílios, 1,6 mil escolas e 700 unidades de saúde em contexto de seca extrema e com dificuldade de acesso a direitos fundamentais, como o acesso à água potável e à alimentação.

O boletim enfatiza que, no ano de 2024, os indicadores da seca se encontram nos extremo com rios abaixo da mínima histórica, recordes de temperatura, recordes de dias consecutivos sem chuva, bem como recordes dos índices de seca. “Portanto, a severidade da seca extrema causa impactos graves no abastecimento de água, agricultura e demais ecossistemas, afetando diretamente a segurança hídrica, alimentar e a qualidade de vida das diferentes populações indígenas, urbanas, ribeirinhas e tradicionais”, alerta o texto.

O documento da Coiab lembra que a Amazônia Brasileira tem seu ritmo e ciclo natural de cheias e de secas: de junho a novembro a água desce, na chamada vazante, e, de dezembro a maio, a água sobe, realizando a cheia. “De tempos em tempos, esse ritmo se altera, gerando uma variabilidade natural e esperada para a Amazônia. No entanto, este processo é diferente do contexto atual vivido, onde se tem recordes climáticos históricos sendo ultrapassados a cada ano”, alerta a publicação.

O cacique Raoni na coletiva em Nova York entre a equatoriana Patricia Gualinga Montalvo, o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineir, a deputada Célia Xakriabá, o peruano Herlin Odicio e Angela Kaxuyana, da Coiab: alerta sobre o colapso da Amazônia: (Foto: Coiab)
O cacique Raoni na coletiva em Nova York entre a equatoriana Patricia Gualinga Montalvo, o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineir, a deputada Célia Xakriabá, o peruano Herlin Odicio e Angela Kaxuyana, da Coiab: alerta sobre o colapso da Amazônia: (Foto: Coiab)

Focos de calor e nível dos rios

O boletim também mostra que, neste ano, os focos de calor estão sendo potencializados pela seca extrema, causando um aumento de até 80% nos incêndios florestais em 2024. Só em agosto, o fogo alcançou 2,5 milhões de hectares, área correspondente a 3,5 milhões de campos de futebol. Dos 68 mil focos registrados no Brasil durante agosto, 50 mil focos estão na Amazônia, concentrando 73% de todas as áreas queimadas no período, sinalizando um aumento de 139% em comparação com o mesmo período de 2023, quando foram notificados 20 mil focos (INPE, 2024). Terras Indígenas no Mato Grosso, Pará e Tocantins compõem o ranking com maior número de focos de calor este ano.

Outro dado revelado pela publicação da Coiab é que, em julho deste ano, 50 canais d’água ou rios apresentaram níveis abaixo da mínima registrada para o mês, com maior concentração nos rios do estado do Amazonas. “Esses eventos climáticos extremos impactam diretamente os povos indígenas da Amazônia Brasileira. Ao mesmo tempo que os parentes são os primeiros a sentir os efeitos das mudanças climáticas, eles também são fundamentais para o combate a esses impactos. Vale destacar que as brigadas indígenas voluntárias e federais, equipes e grupos autônomos de proteção das TIs, têm sido linha de frente no combate aos incêndios e desmatamento dentro dos nossos territórios.”, afirmou a gerente de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab, Vanessa Apurinã.

Para Toya Manchineri, isso demonstra a importância do fortalecimento da demarcação dos territórios indígenas como estratégia de adaptação e mitigação aos efeitos das mudanças climáticas. “Garantir a proteção das Terras Indígenas é fundamental para aumentar a resistência climática não só da Amazônia, mas de todo o Brasil. Demarcar e proteger os territórios indígenas significa a manutenção da floresta, a conservação da biodiversidade e queda nos números de desmatamento. Precisamos de uma atuação mais firme do Estado brasileiro para combater a seca na Amazônia. Já passou da hora do Estado brasileiro reconhecer o papel dos povos indígenas como aliados contra a emergência climática”, afirmou o coordenador da Coiab.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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