Cúpula do Clima: “O Brasil perdeu a credibilidade”

Queimada à beira da BR-319 próximo a Porto Velho (RO): fumaça dos incêndios florestais na Amazônia provocou a internação de mais de duas mil pessoas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real). Agosto/2020

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, diz que país precisa de metas ambiciosas de combate à crise climática para recuperar o prestígio internacional

Por Agostinho Vieira | ODS 13 • Publicada em 22 de abril de 2021 - 12:05 • Atualizada em 27 de abril de 2021 - 09:00

Queimada à beira da BR-319 próximo a Porto Velho (RO): fumaça dos incêndios florestais na Amazônia provocou a internação de mais de duas mil pessoas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real). Agosto/2020

O Brasil sempre foi protagonista nas discussões ambientais e climáticas ao redor do mundo. Não só pela exuberância de suas florestas e o potencial da biodiversidade, mas pelo trabalho feito por algumas lideranças desde o final dos anos 80. Não à toa, fomos escolhidos para sediar a Rio-92, a Rio +20 e tivemos papel de destaque em eventos importantes como as diversas COPs do Clima, a assinatura do Protocolo de Nagoya, em 2010, sobre biodiversidade, e a Convenção de Minamata, em 2013, que tratava de  mercúrio e proteção da saúde. Em vários desses encontros, a bióloga brasileira Izabella Mônica Vieira Teixeira esteve presente, horas como funcionária de carreira do Ibama, horas como ministra de Estado. Hoje, Izabella lamenta a destruição de anos de trabalho operada em apenas 28 meses do governo Bolsonaro: “O Brasil perdeu a credibilidade. Quem é jornalista sabe que credibilidade não se compra, se conquista. É um trabalho árduo, consistente, são anos de ações e gestos coerentes. Mas ela também pode ser perdida num piscar de olhos”. Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, conversou com o #Colabora sobre a Cúpula do Clima e o momento do país. Veja alguns destaques da entrevista feita com a ministra logo após ela ter participado do tuitaço #ForaSalles:

O governo Bolsonaro age como uma espécie de cupim, ele vai comendo as estruturas por dentro. Em algum momento a casa cai. O que nós estamos assistindo é a cupinização do serviço público.

#Colabora – Qual a sua expectativa para essa Cúpula do Clima?

Izabella Teixeira – Estou otimista. Este é um momento muito importante no cenário climático. Os Estados Unidos tentam retomar a liderança que tiveram em 2014 com Obama. Já voltaram para o Acordo de Paris, têm retomado as conversas multilaterais, inclusive com a China. Eles podem competir em várias áreas, mas não no clima. Espero que a proposta americana seja tão ambiciosa quanto o momento exige e que represente os anseios da sociedade americana.

Cúpula do Clima: a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira discursa na COP21, em dezembro de 2015, em Paris. Foto Miguel Medina/AFP. Dezembro/2015
A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira discursa na COP21, em dezembro de 2015, em Paris. Foto Miguel Medina/AFP. Dezembro/2015

#Colabora – Qual sociedade americana? Parece que ainda há uma grande divisão por lá.

Izabella Teixeira – A que venceu a eleição, principalmente os jovens que foram às ruas misturando os movimentos Black e Green. A que é representada pelos senadores democratas que escreveram uma carta dizendo: “Não faça acordo com o Brasil”. Para o governo Biden, a questão climática é tão importante quanto a segurança nacional, a saúde e a questão dos refugiados.

#Colabora – E o Brasil, como você imagina que será a participação do Bolsonaro nessa Cúpula do Clima?

Izabella Teixeira – O Bolsonaro só terá três minutos para falar. Não sei o que ele vai dizer, mas eu sei o que ele deveria dizer. Em primeiro lugar ele deveria claramente reconhecer os erros, admitir que não conseguiu controlar o desmatamento. Em seguida, assumir um compromisso firme e transparente de acabar com o desmatamento ilegal até 2025 e de acabar todo o tipo de desmatamento até 2030. Legal e ilegal. Essa é uma agenda do passado. Essa página precisa ser virada. Já mostramos que é possível combater o desmatamento. Entre 2004 e 2012 reduzimos 80%. Além disso, ele deveria aproveitar os meses que faltam até a COP 26 para preparar uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) mais ambiciosa, com a ajuda da sociedade civil.

#Colabora – Mas o governo diz que só consegue reduzir o desmatamento se receber dinheiro dos países ricos.

Izabella Teixeira – Isso é uma loucura, uma chantagem. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Onde fica a soberania? O Brasil tem a obrigação de resolver esse problema. É um problema nosso. Depois que zerar o desmatamento, aí sim, é outra conversa. Qual é o projeto de desenvolvimento sustentável? Como investir em bioeconomia? Para isso sim, vai chover dinheiro.

#Colabora – Ministra, nestes 28 meses o Brasil ameaçou sair do Acordo de Paris, aumentou o desmatamento, paralisou o Fundo Amazônia, afrouxou leis ambientais, esvaziou os órgãos de fiscalização, ameaçou povos indígenas etc. Qual foi o maior dano ambiental deste governo?

Izabella Teixeira – A questão do desmatamento é muito grave, mas a destruição da governança ambiental é gravíssima. O que houve com o Ibama, com o ICMbio, com o Conama, com as Unidades de Conservação é imperdoável. O que está acontecendo no Brasil é um retrocesso civilizatório. Não é um problema de inação, de não fazer as coisas acontecerem, é destruição mesmo. O governo Bolsonaro age como uma espécie de cupim, ele vai comendo as estruturas por dentro. Em algum momento a casa cai. O que nós estamos assistindo é a cupinização do serviço público. E isso não está acontecendo apenas na área ambiental, é na saúde, na educação, nos direitos humanos…

#Colabora – E como reconstrói?

Izabella Teixeira – Isso vai levar muito tempo. E nem sei se é possível. É como se alguém fosse fazer a quinta temporada de uma série e tivessem jogado as outras quatro fora. Não vai fazer muito sentido. Será preciso mudar tudo, até porque os tempos são outros. O Brasil perdeu a credibilidade. Quem é jornalista sabe que credibilidade não se compra, se conquista. É um trabalho árduo, consistente, são necessários anos de ações e gestos coerentes. Mas ela também pode ser perdida num piscar de olhos. Os passivos são enormes. O que eles estão fazendo não tem nada a ver com o Brasil, com a nossa história.

#Colabora – Uma notícia boa no meio desse caos foi a aproximação entre os ex-ministros do Meio Ambiente. Você concorda?

Izabella Teixeira – Concordo, sem dúvida. Mas para ser justa, ela não começou com o governo Bolsonaro. O primeiro encontro aconteceu quando eu ainda era ministra. Alguns ex-ministros me procuraram pedindo para conversar com a ex-presidente Dilma sobre o Código Florestal. Nós promovemos o encontro e foi muito bom. Lembro que o Rubens Ricupero ficou muito impressionado com o conhecimento que a Dilma tinha sobre o tema. Depois veio o governo Bolsonaro, escrevemos artigos juntos, manifestos, entrevistas para a mídia internacional…É claro que existem divergências entre nós, formas diferentes de ver o mundo, mas há um alinhamento democrático. Uns acham que a parede deve ser azul, outros que ela ficaria melhor pintada de preto, mas há um consenso sobre a parede. O atual governo não tem projeto, não escolhe uma cor, eles querem derrubar a parede.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *