ODS 1
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Veja mais de ODS 1Morgan Bazilian e David Victor*
O presidente Joe Biden anunciou uma nova meta climática nacional ambiciosa em uma cúpula de líderes mundiais transmitida ao vivo em 22 de abril de 2021: Ele prometeu cortar as emissões de carbono dos EUA pela metade até o final desta década e buscar emissões zero líquidas até 2050.
A nova meta é importante porque reúne formalmente as muitas ideias diferentes sobre infraestrutura, orçamento, política regulatória federal e ações díversas nos estados e na indústria para transformar a economia dos EUA em um gigante altamente competitivo, mas muito verde. Também sinaliza para o resto do mundo que “a América está de volta ” e preparada para trabalhar na mudança climática após quatro anos de atraso no governo Trump.
Parar o aquecimento global em 1,5 graus Celsius – o objetivo do acordo climático de Paris – exigirá um esforço global imediato que pode transformar os sistemas de energia e fazer as emissões despencarem a taxas nunca antes observadas na história.
As declarações dos 40 líderes mundiais presentes na cúpula refletiram tanto visões ambiciosas para esse futuro quanto a realidade de que as palavras nem sempre correspondem às ações no concretas.
Formalmente, a nova meta dos EUA – conhecida no acordo climático de Paris como uma ” contribuição determinada nacionalmente ” – é, na verdade, uma promessa não vinculativa para o resto do mundo . Além dos números principais, incluindo a nova promessa de reduzir as emissões em 50-52% até 2030 em comparação com os níveis de 2005, a promessa de Biden dá atenção à necessidade de se adaptar às mudanças climáticas já em andamento e construir resiliência.
Quase todos os países estão assumindo novos compromissos na preparação para uma grande conferência do clima das Nações Unidas em novembro . Com a promessa dos EUA, cerca de dois terços das emissões globais atuais vêm de países que agora se comprometeram a atingir emissões líquidas zero até meados do século.
Nós dois estivemos envolvidos com a política climática e as negociações internacionais por décadas, e essas novas metas mostram um impulso real. Mas a nova promessa dos EUA terá um impacto nas emissões tão grande quanto parece?
Já tem havido muito barulho sobre a ousadia da meta dos EUA – por empresas, grupos de advocacy ambiental e de reflexão acadêmica, muitas vezes apontando para estudos com a conclusão que um corte de emissões de 50% é realizável .
Nossa principal preocupação é a realidade industrial – reduzir as emissões pela metade em uma década implica transformar o sistema elétrico, o transporte, a indústria e a agricultura.
Esses sistemas não mudam de uma hora para outra. O estabelecimento de metas é a parte fácil: é em grande parte uma combinação de viabilidade técnica com palatabilidade política. O trabalho difícil é fazer isso acontecer.
Praticamente tudo precisará ser alinhado rapidamente – políticas que sejam confiáveis e duráveis, junto com respostas industriais. Como costuma acontecer com as mudanças tecnológicas , a maioria dos analistas está superestimando a rapidez com que as coisas podem se transformar no curto prazo e, provavelmente, subestimando a profundidade dessas mudanças em um futuro mais distante.
O setor elétrico é o principal pioneiro nos Estados Unidos e em todo o mundo. Pesquisa do Laboratório da Universidade de Berkeley mostra que, nos últimos 15 anos, os EUA reduziram as emissões de carbono do setor elétrico pela metade em relação aos níveis projetados .
O governo Biden agora tem uma meta para que a eletricidade seja livre de carbono até 2035 . Quase todos os estudos que mostram que ser viável uma queda de 50% nas emissões dos EUA se baseiam na observação de que o setor de energia cortará as emissões rapidamente.
Apesar de todo o progresso na eletricidade, mesmo empurrar esse setor rapidamente para zero em breve será difícil e criará tensões e necessidad de compensações. Por exemplo, o sofrimento causado pelo declínio acentuado da indústria do carvão já é evidente nas comunidades de Appalachia (área do estado da Virgínia onde o colapso da indústria do carvão levou milhares ao desemprego).
Os novos compromissos foram anunciados no contexto do primeiro grande evento diplomático da Casa Branca sobre mudança climática – uma reunião de 40 grandes países emissores, incluindo China, Índia, Brasil, Reino Unido e vários países europeus.
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e um dos maiores em emissões por pessoa . Mas suas emissões são inferiores a 15% do total global, por isso é essencial que o que quer que aconteça nos EUA seja vinculado a um esforço global. É por isso que a credibilidade é tão importante: se os EUA querem restabelecer a liderança na mudança climática, seus esforços só serão realmente bons se conseguirem a adesão do resto do mundo .
Mas o governo Biden deve agir com cautela. Por mais tentador que seja apertar os parafusos das emissões, esforços que são muito agressivos facilmente se tornarão alimento para oponentes políticos e indústrias que minaram os esforços climáticos no passado .
É importante observar a mudança na política climática. Biden tem uma maioria apertadíssima no Congresso dos EUA. E a verdadeira política da mudança climática não se trata apenas de cenários técnicos de corte de emissões com tecnologias mais limpas: trata também da transição da sociedade.
A Casa Branca tinha grandes expectativas para a cúpula, incluindo a expectativa de vários países anunciarem novos compromissos. O Reino Unido se comprometeu, pouco antes da cúpula, a cortar as emissões em 78% até 2035; e a UE anunciou um acordo provisório sobre um corte de 55% nas emissões até 2030.
A cúpula virtual também atraiu o presidente russo Vladimir Putin, o líder chinês Xi Jinping e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro – três adversários frequentes dos EUA e grandes contribuintes para a crise climática seja pelo uso de combustíveis fósseis ou seja pelo desmatamento.
Putin prometeu uma grande ação e “cortar significativamente o volume acumulado de emissões líquidas” na Rússia, e Bolsonaro prometeu proteger a floresta amazônica, mas assumiu o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal apenas em 2030. Ambos destacam como é fácil prometer grandes coisas nas cúpulas do clima, mesmo quando o histórico de alguém aponta na direção oposta.
Fundamentar essa ambição frenética no trabalho confuso de formulação e implementação de políticas está muito longe de ser alcançado por um evento virtual.
O indicador do sucesso real da cúpula pode ser a China. A diplomacia EUA-China em preparação para a reunião climática da ONU em Paris foi amplamente vista como essencial para seu sucesso há cinco anos. Este ano, quando o enviado presidencial para o clima, John Kerry, se reuniu com seu homólogo chinês alguns dias antes da cúpula de 22 de abril, a declaração conjunta foi concluída com um acordo genérico para cooperar nas mudanças climáticas e garantir que o mundo cumpra as metas de Paris.
Após quatro anos de antagonismo do governo Trump aos esforços climáticos, com o enfraquecimento da credibilidade dos EUA no exterior, e com tanto trabalho doméstico sobre o clima ainda necessário, uma cúpula patrocinada pelos EUA pode ter sido prematura. Os intensos esforços diplomáticos para pressionar outros países a fazerem anúncios no evento pareciam desatentos à necessidade de colocar nossa casa em ordem primeiro.
A promessa da Casa Branca é ousada, mas permanece longa em adjetivos e curta em verbos confiáveis. Resta ver se isso terá um impacto nas ações domésticas ou se ajudará a convencer o mundo de que os EUA são um parceiro confiável e duradouro nas mudanças climáticas.
*Morgan Bazilian é professor de Políticas Públicas e diretor do Instituto Payne, da Escola de Minas do Colorado; David Victor é professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia, em San Diego
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