Amazônia sob Bolsonaro: devastação florestal e violência

Floresta em chamas no Sul do Amazonas: Amazônia teve 33.116 focos de queimadas em agosto, o maior número para o mês desde 2010 (Foto: Nilson Lage / Greenpeace)

Guia mostra que política antiambiental do governo federal tem apoio de parlamentares e governadores da Amazônia Legal

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 15 • Publicada em 4 de setembro de 2022 - 10:53 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:13

Floresta em chamas no Sul do Amazonas: Amazônia teve 33.116 focos de queimadas em agosto, o maior número para o mês desde 2010 (Foto: Nilson Lage / Greenpeace)

Uma semana antes do Dia da Amazônia, celebrado neste 5 de setembro, o monitor socioambiental Sinal de Fumaça lançou o seu Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil, destacando dados sobre queimadas e desmatamento, indicadores de violência na região e também o papel das bancadas parlamentares e dos governos estaduais nos recordes de devastação promovidos durante o governo Bolsonaro. Antes mesmo de chegar o Dia da Amazônia, uma nova estatística veio corroborar o que o documento chama de “legado de destruição socioambiental” de Bolsonaro: a Amazônia teve 33.116 focos de queimadas em agosto, o maior valor para o mês desde 2010.

Projetos que tornam legal o que era ilegal vêm sendo aprovados, na maioria das vezes, sem discussões com a sociedade civil. Isso é passar a ‘boiada’. O Congresso tem agido com ardilosidade contra a sociedade. É a casa do povo que cria leis que não atendem o povo

Eliane Xunakalo
Assessora Institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso

O levantamento do Sinal de Fumaça reúne os dados dos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão). Além de dados produzidos por institutos científicos e organizações da sociedade civil da Amazônia, o guia inclui ainda depoimentos de ativistas, pesquisadores e lideranças indígenas e comunitárias. “Tem sido muito impactante o cenário de escalada sem precedentes do desmatamento e das queimadas estabelecido justamente em um momento crítico para a humanidade. Parece que o fogo de nossas florestas, seja na Amazônia, no Pantanal ou no Cerrado, é a comissão de frente desta gestão e, atrás, seguem as demais alas da destruição”, afirma o geógrafo Carlos Durigan, diretor, em Manaus, da Wildlife Conservation Society Brasil em depoimento ao guia.

Lançado em 2020, o Sinal de Fumaça é uma plataforma bilíngue independente, que atualiza e sistematiza semanalmente os principais fatos, notícias e discursos relacionados à crise socioambiental brasileira. “Oferecemos este Guia como uma pequena contribuição para que as pessoas interessadas possam conhecer e compreender melhor as múltiplas ameaças e potências da Amazônia e, assim, consigam apoiar e proteger o que resta da grande floresta”, afirma a jornalista Rebeca Lerer, idealizadora e coordenadora do Sinal de Fumaça, na apresentação do documento de 176 páginas.

Desmatamento em alta na Amazônia Legal (Fonte: Prodes/Inpe)
Desmatamento em alta na Amazônia Legal (Fonte: Prodes/Inpe)

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Os dados reunidos no guia servem para destacar o estrago feito por Bolsonaro nos estados da Amazônia Legal. A publicação cita o Imazon – seu Sistema de Alerta de Desmatamento mostra que o número anual de alertas mais do que dobrou entre 2019 e 2022 – e o Inpe – de acordo com o sistema Prodes, o desmatamento na Amazônia Legal aumentou 21,97% apenas entre 2020 e 2021. “No governo Bolsonaro, a política socioambiental na Amazônia e no país inteiro só teve retrocessos. Desde o aparelhamento do Estado, no IBAMA, ICMBio, INPE, até a redução de políticas públicas destinadas à preservação. Hoje é explícito o aumento do desmatamento, do incentivo ao garimpo, inclusive em terras indígenas, das queimadas”, afirma, em depoimento ao guia, Jucirlei Barbosa Rodrigues, integrante da Associação de Moradores das Ilhas de Abaetetuba, no Pará.

Violência em alta na Amazônia Legal (Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública)
Violência em alta na Amazônia Legal (Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública)

Os dados sobre violência na região vêm do relatório sobre conflitos no campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT): em três anos o governo Bolsonaro computou 5.725 conflitos no campo, o maior número de todos os governos em toda a série histórica, iniciada em 1985; 2.329 conflitos por terra foram na Amazônia Legal. E também do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: a Amazônia Legal tem 10 das 30 cidades mais violentas do país; a taxa de violência letal na Amazônia é 38% maior do que a média nacional.

Incêndio florestal na área da Amacro (divisa Amazonas, Acre, Rondônia): multiplicação das queimadas surpreende ativistas (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)
Incêndio florestal na área da Amacro (divisa Amazonas, Acre, Rondônia): multiplicação das queimadas surpreende ativistas (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)

Aliados da destruição

O guia do Sinal de Fumaça revela que a devastação tem aliados poderosos dentro da própria Amazônia Legal ao fazer o levantamento da atuação da bancada federal dos estados da própria região no Congresso e também de iniciativas estaduais para afrouxar a legislação ambiental.

O documento lista, estado por estado, como os parlamentares votaram nos quatro projetos do chamado Pacote da Destruição de Bolsonaro: o PL 2633/2020, que favorece a grilagem; o PL 3729/2004, que destroça o licenciamento ambiental; o PL 490/2007, que ameaça os direitos indígenas aos territórios; e o PL 191/2020, que permite a mineração e outras atividades econômicas em Terras Indígenas.

No total, 66% dos deputados federais dos estados da Amazônia Legal votaram com o governo para aprovar o pacote da destruição na Câmara. Não chega a ser uma surpresa porque o levantamento do Sinal de Fumaça também revela que 56% dos deputados e 77% dos senadores fazem parte da bancada ruralista no Congresso Nacional. “Projetos que tornam legal o que era ilegal vêm sendo aprovados, na maioria das vezes, sem discussões com a sociedade civil. Isso é passar a ‘boiada’. O Congresso tem agido com ardilosidade contra a sociedade. É a casa do povo que cria leis que não atendem o povo”, afirma Eliane Xunakalo, assessora Institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso, em depoimento no guia.

O descontrole das queimadas observado nos últimos quatro anos está estreitamente associado a um aumento do desmatamento e da degradação florestal nesse período

Mariana Napolitano
Gerente de Ciências da WWF Brasil

Ao analisar cada um dos nove estados da Amazônia Legal, o documento do Sinal de Fumaça aponta também ações de âmbito local. Em Rondônia, destaca a aprovação da Lei Complementar de 1089/2021, que reduz em quase 220 mil hectares a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim, e a Lei 5299/2022, que proíbe a destruição e inutilização de máquinas, veículos e outros itens apreendidos em ações contra o garimpo e crimes ambientais no estado. A primeira já foi derrubada na Justiça; a segunda é alvo também de questionamento judicial. “Aqui é um governo bolsonarista que promove a desafetação de Unidades de Conservação e com seu discurso incentiva a invasão de áreas protegidas. Basta ver que, junto com a Assembleia Legislativa, tentaram acabar com onze Unidades de Conservação”, afirma Ivaneide Bandeira Cardozo, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

Leis estaduais também ameaçam o meio ambiente em Roraima: a Lei 1.701/2022, sob contestação na justiça, também proíbe os órgãos de fiscalização e a Polícia Militar de destruir bens particulares apreendidos em operações de combate ao crime ambiental. A Lei Estadual 1.453/2021, proposta e sancionada pelo governador Antonio Denarium, previa a retirada da ilegalidade das atividades de garimpo de todos os tipos de minério no estado: foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal por seu caráter inconstitucional e pela potencial ameaça ao meio ambiente.

Outras questões legislativas são citadas no guia: o o PL 6024/2019 de autoria da deputada federal Mara Rocha (PSDB/AC), que propõe a redução da Reserva Extrativista Chico Mendes e a extinção do Parque Nacional Serra do Divisor, com sua transformação em Área de Proteção Ambiental; o projeto de Lei 337/2022, em tramitação, que exclui formalmente o Mato Grosso da área da Amazônia Legal; o projeto de decreto legislativo 508/2019, que propõe um plebiscito pela criação do estado do Tapajós, o que dividiria o Pará; e o o projeto de lei complementar 246/2020, que institui o Complexo Geoeconômico e Social do Matopiba, o que deve massificar as investidas do agronegócio contra a floresta no Maranhão e no Tocantins.

Queimadas e desmatamento ao sul do Amazonas: devastação florestal e violência no governo Bolsonaro (Nilson Lage / Greenpeace)
Queimadas e desmatamento ao sul do Amazonas: devastação florestal e violência no governo Bolsonaro (Nilson Lage / Greenpeace)

Amazônia em chamas

O Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil já havia sido divulgado quando o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) fechou seus dados de agosto. No total, a Amazônia teve 33.116 focos de queimadas em agosto, o maior número para o mês desde 2010, maior até do que o número de 2019, quando houve o “Dia do Fogo” (28.060 focos). Em todos os quatro anos que correspondem ao governo Bolsonaro, o número de focos de incêndio na Amazônia teve valores próximos ou superiores a 40 mil entre janeiro e agosto; nos 10 anos anteriores (2009-2018), a média de queimadas neste mesmo período de oito meses ficou em cerca de 28 mil focos.

As queimadas avançam na Amazônia apesar de o governo federal ter baixado decreto proibindo uso do fogo. “O descontrole das queimadas observado nos últimos quatro anos está estreitamente associado a um aumento do desmatamento e da degradação florestal nesse período”, analisou Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil. “Os incêndios não surgem de forma espontânea no bioma e sua ocorrência está sempre associada a ações humanas – em especial ao desmatamento e à degradação florestal”, acrescentou.

O fogo descontrolado também foi flagrado pelo Greenpeace em sobrevoo pela área do Amacro (perto da divisa do Amazonas com o Acre e Rondônia), apontado como nova fronteira do desmatamento. “Participo desses monitoramentos há mais de dez anos, e nunca tinha visto um desmatamento tão grande e também com tanta fumaça”, afirmou Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, que sobrevoou a região.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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