Alerta da ONU sobre clima coloca pressão no Brasil para COP26

Reserva indígena Xakriabá: com mudanças climáticas, território ocupado pelas aldeias, afastado do Rio São Francisco, está cada vez mais seco (Foto: Flavio Tavares/Projeto Colabora)

Relatório do IPCC conclui que é inequívoca a interferência humana no clima, e os dados sobre o cenário brasileiro trazem notícias ruins

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 9 de agosto de 2021 - 14:53 • Atualizada em 18 de agosto de 2021 - 09:52

Reserva indígena Xakriabá: com mudanças climáticas, território ocupado pelas aldeias, afastado do Rio São Francisco, está cada vez mais seco (Foto: Flavio Tavares/Projeto Colabora)

O alerta dado hoje pelos cientistas que assinam o sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é assustador, preocupante e urgente. A primeira conclusão é a de que é inequívoca a interferência humana no clima e que os seres humanos provavelmente causaram a quase totalidade do aquecimento global que vem sendo observado no último século. A situação é tão grave que dos cinco cenários de emissão avaliados pelos 800 cientistas, 21 deles brasileiros, apenas um desses diagnósticos, o de estabilizar o aquecimento em torno de 1,5 grau Celsius, oferece alguma pequena chance de sobrevida para o Acordo de Paris. O relatório é uma síntese dos estudos do grupo 1 do IPPC e tem cerca de três mil páginas.

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Daqui a pouco mais de três meses, a próxima Conferência do Clima, a COP26, que começa no próximo dia 31 de outubro, em Glasgow, na Escócia, será um momento difícil e, ao mesmo tempo, crucial para o mundo. As metas nacionais dos países deverão ser infinitamente mais ambiciosas do que as que já foram apresentadas. O clima no mundo está dando sinais de que não vai esperar pela boa vontade de países, governos, diplomatas, ou seja, os tomadores de decisão… Muito pelo  contrário.

“É indiscutível que as atividades humanas estão causando mudanças climáticas, tornando eventos climáticos extremos, incluindo ondas de calor, chuvas fortes e secas, mais frequentes e severas” – a frase destacada pelo cientista Paulo Artaxo, um dos autores-líderes do capítulo 6, do grupo 1, está no relatório e expressa o momento de urgência que o planeta está passando. E ainda acrescenta: “Mudanças recentes no clima são generalizadas, rápidas e intensificadas e sem precedentes em pelo menos 6.500 anos”. E o pior: “O homem tem aquecido o planeta a uma taxa sem precedentes há pelo menos dois mil anos”.

As evidências são muitas, como as ocorridas em 2021: um incêndio na Sibéria (Rússia) lambeu uma área equivalente a 800 mil campos de futebol; na China, uma chuva torrencial, a mais forte em mil anos, provocou mortes e inundações; no Canadá, os termômetros marcaram calor de 49 grau Celsius. Sem falar no frio que atingiu o Brasil nas semanas que antecederam a divulgação do relatório e ainda a maior seca dos últimos 91 anos. No começo de 2022 serão publicados mais dois relatórios, dos grupos 2 (sobre impactos e adaptações) e 3 (sobre mitigação).

Não é mais um debate sobre se as ações humanas são a causa da crise climática, mas do quanto. E o quanto, estimado pela primeira vez, é estarrecedor: fomos responsáveis por 1,07ºC do total de 1,09ºC do aumento da temperatura desde a era pré-industrial

“Apesar de dizer que a chance de 1,5 grau Celsius ainda existe, o documento também mostra que a janela para isso é estreita, e não comporta governos negacionistas”, comenta Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima, acrescentando que a linguagem do relatório reflete o sólido consenso científico sobre o problema. “Não é mais um debate sobre se as ações humanas são causa da crise climática, mas do quanto. E o quanto, estimado pela primeira vez, é estarrecedor: fomos responsáveis por 1,07 grau Celsius do total de 1,09 grau Celsius do aumento da temperatura desde a era pré-industrial”.

Ao apresentar o estado das mudanças climáticas, o mais recente relatório – o último documento fora publicado em 2013 – do IPCC aprofundou detalhes sobre os eventos climáticos extremos, incluindo dados sobre poluição do ar urbano e seus impactos. As informações também foram regionalizadas. O cenário traçado para o Brasil é recheado de notícias ruins: o Nordeste corre o risco de sofrer um processo ainda mais drástico de desertificação enquanto no Centro-Oeste a região pode ser atingida por onda extremas de calor, o que impactará na balança comercial brasileira, devido a força do agronegócio nas contas nacionais.

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Depois da divulgação deste relatório, o Brasil chegará na COP26 numa situação ainda mais desconfortável perante o mundo. Não bastasse ter sido apelidado de o “negacionista mais perigoso do mundo”, o presidente Jair Bolsonaro, segundo Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, deverá sair da conferência com o status de ameaça climática global.

Os resultados do IPCC implicam que a redução drástica do desmatamento na Amazônia será um elemento essencial na conta da estabilização do clima nos próximos anos. Para azar da humanidade, o presidente do Brasil é Jair Bolsonaro, que quer ver a floresta no chão. Para azar de Bolsonaro, os brasileiros e o restante do mundo não vão aceitar isso calados

“Os resultados do IPCC implicam que a redução drástica do desmatamento na Amazônia será um elemento essencial na conta da estabilização do clima nos próximos anos. Para azar da humanidade, o presidente do Brasil é Jair Bolsonaro, que quer ver a floresta no chão. Para azar de Bolsonaro, os brasileiros e o restante do mundo não vão aceitar isso calados”, conclui Astrini.

O relatório apontou que, atualmente, oceanos e ecossistemas terrestres absorvem 70% das emissões. No futuro podem absorver somente 38%, o que acelera o aquecimento global. Pela primeira vez o relatório divulgou, conjuntamente com os dados globais, uma análise minuciosa sobre os impactos regionais no Atlas de Mudanças Climáticas.

Estrada submersa no oeste da Alemanha: especialistas analisam enchentes provocadas por chuvas "extraordinárias" no verão europeu (Foto: Sebatien Bozon / AFP - 17/07/2021)
Estrada submersa no oeste da Alemanha: especialistas analisam enchentes provocadas por chuvas “extraordinárias” no verão europeu e sua ligação com a crise climática (Foto: Sebatien Bozon / AFP – 17/07/2021)

O alerta vermelho do IPCC

1. Do aquecimento de 1,09º C observado atualmente (2011-2020) em comparação com o período pré-industrial (1850-1900), 1,07ºC provavelmente deriva de ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento.

2. Cada uma das quatro últimas décadas foi mais quente que todas as anteriores desde 1850. Entre 2011-2020, o aquecimento da temperatura sobre os continentes é de 1,59ºC em média, contra 0,88ºC sobre o oceano.

3. A influência humana provavelmente contribuiu para o aumento da umidade na atmosfera. A precipitação aumentou desde os anos 1950, e, mais aceleradamente a partir dos anos 1980.

4. Os oceanos aqueceram nos últimos 50 anos e é extremamente provável que a influência humana seja o principal causador desse aquecimento, bem como da acidificação dos mares.

5. O nível do mar subiu 20 cm entre 1901 e 2018. A taxa de elevação saltou de 1,35 mm por ano entre 1901 e 1990 para 3,7 mm por ano entre 2006 e 2018. Desde 1900, o nível do mar subiu mais rápido do que em qualquer outro período nos últimos 3.000 anos.

6. As concentrações de CO2 (gás carbônico), CH4 (metano) e N2O (óxido nitroso), os três principais gases de efeito estufa em mistura na atmosfera, são as maiores em 800 mil anos. As concentrações atuais de CO2 não são vistas desde dois milhões de anos atrás, pelo menos.

7. A temperatura global subiu mais rápido desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos nos últimos dois milênios. As temperaturas desde 2011 excedem as do último período quente longo, 6.500 anos atrás, e se igualam às do período quente anterior, 125 mil anos atrás, quando o manto de gelo da Groenlândia desapareceu quase totalmente

8. Na última década a cobertura de gelo marinho no Ártico chegou a sua menor extensão desde 1850 e, no verão, ela é a menor em mil anos. O derretimento de geleiras atual, com quase todos os glaciares do mundo recuando ao mesmo tempo desde os anos 1950, é o mais acelerado em 2.000 anos.

9. A frequência e a intensidade de extremos de calor e a intensidade e duração de ondas de calor aumentaram na maior parte do globo desde 1950, enquanto os extremos de frio ficaram menos frequentes e menos severos

10. É provável que a proporção de ciclones tropicais (furacões) intensos (categorias 3 a 5) tenha crescido nas últimas quatro décadas e que essas tempestades no noroeste do Pacífico tenham se deslocado para o norte

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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