ODS 1
Quanto menor a renda, maior a distância entre a população e as ciclovias
Falta de infraestrutura é uma das maiores barreiras para o acesso seguro à mobilidade de baixo custo e pouco impacto em Belo Horizonte
A bicicleta é o meio de transporte mais eficiente, barato e rápido para acessar direitos como saúde e educação, aponta o Projeto Acesso a Oportunidades, coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Apesar disso, pedalar em segurança ainda é um privilégio. Nas capitais brasileiras, apenas 13% da população com renda mensal entre zero e meio salário mínimo mora próxima a ciclovias ou ciclofaixas. O número salta para 30% entre os que ganham acima de três salários mínimos.
Os dados são do PNB (People Near Bike), indicador percentual de pessoas que vivem a menos de 300 metros da infraestrutura cicloviária, de 2019. O PNB é apurado anualmente pelo ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento) e considera também as diferenças a partir de renda, gênero e raça.
O baixo custo de aquisição, operação e manutenção torna a bicicleta uma das soluções mais simples para o acesso a oportunidades e direitos na cidade. Ela é uma alternativa para o impacto que os custos com mobilidade causam na renda das famílias. “Quanto menor a renda, maior é o comprometimento financeiro com o transporte coletivo, por exemplo”, diz Kelly Fernandes, urbanista e analista de Programa de Mobilidade do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Por isso, a maioria das pessoas que usa a bicicleta no Brasil são das faixas de renda mais baixas. Os dados indicam que 40,3% dos usuários de bicicleta no Brasil têm renda entre um a dois salários mínimos. É o que diz a Pesquisa Perfil do Ciclista de 2018, elaborada pela Associação Transporte Ativo e o LabMob da UFRJ. São pessoas indo trabalhar, estudar, fazer compras, ter lazer, levar os filhos para a escola. O cenário desmonta a impressão comum de que pedalar nas cidades brasileiras é uma atividade concentrada nas classes mais altas. No entanto, apesar de serem os que mais pedalam, “vemos que sistematicamente os mais pobres estão mais longe de uma infraestrutura cicloviária qualificada”, afirma Bernardo Serra, gerente de políticas públicas do ITDP Brasil.
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Veja o que já enviamosA ausência de condições seguras para usar a bicicleta é uma das barreiras para tornar o modal uma opção real de transporte para quem mais precisa dele. A falta de infraestrutura e de segurança são, ao mesmo tempo, o maior problema enfrentado por quem pedala e o maior impedimento para quem consideraria pedalar.
Parecidas, porém diferentes
Belo Horizonte (MG) e Fortaleza (CE) são capitais com um número de habitantes (2,5 e 2,6 milhões) e uma área (314 e 330 km²) semelhantes, mas muito distintas no tema da Política da Bicicleta.
Na capital mineira, até o início deste ano, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas estavam próximas de apenas 11% da população total. Destas, 9% são pessoas com renda de zero a meio salário mínimo (até R$ 543,92) e 10% de meio a um salário mínimo (até R$ 1.087,85), de acordo com o ITDP Brasil. A malha cicloviária de BH é pequena e desconectada. São quase 90 quilômetros de infraestrutura permanente, segundo dados oficiais da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHtrans) – embora tenham sido constatados apenas 76 quilômetros por meio do IdeCiclo (Índice de Desenvolvimento de Estrutura Cicloviária) aplicado pela Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo).
“O grande aspecto é o baixo percentual de infraestrutura se comparado com a malha viária da cidade. Se conseguíssemos incluir os grandes corredores e os quilômetros de rios, por exemplo, teríamos uma malha muito maior, o que aumentaria o PNB em qualquer um dos recortes [de renda, de gênero, de raça]. Principalmente nos de renda, pois boa parte desses rios estão em periferias”, avalia Guilherme Tampieri, integrante do Observatório das Metrópoles, núcleo RMBH para o tema mobilidade. “A nossa rede é pouco capilarizada. É óbvio que daqui até o dia em que ela for concluída fará sentido, mas a opção por fazer ciclovias espaçadas na cidade é um fator que ajuda a manter nosso PNB baixo”.
A respeito da distribuição espaçada de infraestrutura pelas regionais, a BHTrans diz que irá, gradativamente, conectá-las. “Poderíamos ter implantado a atual malha cicloviária já toda conectada em algumas regionais, como a centro-sul com a leste e Pampulha com a noroeste. Contudo, outras regionais não teriam ciclovias. Essa distribuição amplia para que todos, em todas as regionais da capital, possam começar a atualizar a malha cicloviária”, afirmou a empresa.
Trinta quilômetros de ciclofaixas emergenciais foram implantados em julho entre trechos de ciclovias já existentes. Eles ligam, por exemplo, a região do Barreiro à avenida dos Andradas, no bairro São Geraldo, zona leste de BH. A medida foi uma resposta às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que apontavam a caminhada ou a bicicletada como as formas mais seguras de se locomover durante a pandemia. Isso porque os modais possibilitam o distanciamento social e a quantidade mínima de exercício físico recomendada por especialistas.
Com a implantação das ciclofaixas temporárias, o PNB de Belo Horizonte sobe: de 11% para 13% de cidadãs e cidadãos belo-horizontinos próximos à infraestrutura cicloviária, segundo o ITDP Brasil. Torná-la permanente é um pequeno passo para dar segurança ao pedalar de maneira geral. A BHTRANS diz estar avaliando a possibilidade de as ciclofaixas temporárias serem definitivas.
Quando o assunto é renda, menos de 10% da população com ganhos de zero a meio salário, e meio a um salário mínimo têm fácil acesso a vias seguras para pessoas de bicicleta. Segundo a BHTrans, a empresa busca atender a todos ao optar pela maneira como distribui a implantação de ciclovias na cidade.
Cerca de 33% dos ciclistas na capital mineira têm renda de um a dois salários mínimos, de acordo com a pesquisa Descobrindo como #BHPedala, da BH em Ciclo. “Quem usa a bicicleta em BH em sua maioria são pessoas de baixa renda, principalmente pela falta de opção de outros modos de transporte. Como dar segurança e valorizar o deslocamento ativo?”, questiona Guilherme Tampieri.
Observar cidades no caminho certo: Fortaleza
No Brasil, Fortaleza (CE) se destaca no cenário da segurança viária, sobretudo no quesito infraestrutura. Atualmente são 347,2 quilômetros de malha cicloviária. Até o mês de outubro, o PNB geral de Fortaleza era de 49%, segundo o ITDP Brasil. Isso significa que 2,7 milhões de habitantes, quase metade da população, moram a menos de 300 metros de uma ciclovia, ciclofaixa ou ciclorrota.
A capital cearense é a primeira do país em alcance e efetividade da rede. O PNB é de 32% entre moradores com renda de zero a meio salário mínimo, e 33% daqueles com renda de meio a um salário mínimo. Entre quem ganha de um a três salários, o PNB é de 38%.
“[O PNB] é uma boa forma de ver onde priorizar, para onde a malha deve crescer, que territórios são mais importantes para a infraestrutura chegar. A região de Vila Velha, oeste da cidade, por exemplo, é bastante populosa, de renda baixa e não tinha nenhuma ciclovia ou ciclofaixa até 2019. Implantamos este ano”, explica Gustavo Pinheiro, engenheiro da gestão cicloviária de Fortaleza.
A malha cicloviária de Fortaleza quintuplicou em oito anos: foi de 68 quilômetros em 2012 para os atuais 347 quilômetros. Tampieri calcula que “se a nossa malha cicloviária em Belo Horizonte tivesse quintuplicado neste mesmo período, teríamos hoje exatos 217 quilômetros de ciclovias na cidade”.
Kelly Fernandes lembra que não basta ter um caminho seguro para ciclistas. O caminho precisa ser de qualidade. “Infraestrutura cicloviária demanda iluminação, arborização, boa sinalização e manutenção, garantindo a segurança de quem pedala e a pé, é um conjunto” diz a urbanista, que destaca também a importância de incentivar a intermodalidade.
Ela ocorre quando o deslocamento envolve mais de uma ou várias modalidades de transporte, o que também é uma aposta forte em Fortaleza. Além do sistema de bicicletas compartilhadas da cidade, o Bicicletar, há também o sistema Bicicleta Integrada, instalado em terminais de transporte coletivo. São sete estações com cerca de 50 bicicletas e empréstimos de até 14 horas.
É possível, por exemplo, sair do trabalho, pegar um ônibus até um dos terminais e a última etapa do trajeto, que seria feita a pé ou com outro ônibus, pode ser percorrida pedalando. Assim, o usuário leva a bicicleta para casa e, no dia seguinte, pode se deslocar até o mesmo terminal de ônibus usando a bicicleta retirada no dia anterior e devolvê-la ao sistema. O empréstimo pode ser feito com o Bilhete Único, via aplicativo ou autoatendimento por telefone.
“É preciso criar novas culturas e novos jeitos de se mover”, aconselha Kelly. O Brasil ainda não tem uma estratégia nacional da bicicleta, mas ela está em processo de pesquisa pública e foi lançada recentemente pela União dos Ciclistas do Brasil (UCB). Os resultados da pesquisa, segundo a UCB, vão contribuir para a elaboração da Estratégia Nacional de Promoção da Mobilidade por Bicicleta, uma agenda de ações até 2030 para estimular o uso da bicicleta no país.
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Jornalista multimídia formada pela PUC Minas com passagens pela Agência Lupa, jornal Estado de Minas, rádio Transamérica, TV Horizonte, Bienal do Livro de Contagem, entre outros. Colabora na produção de produtos em áudio para a BH em Ciclo e para a rádio pública alemã SWR. É também mestranda em ética jornalística e interesse público pela PUC Minas, moradora da periferia norte de Belo Horizonte (MG) e curiosa da mobilidade urbana.