Escolas de samba do Rio reforçam identidade ao carregar nome de suas comunidades

Abre-alas da Mangueira no Carnaval 2022: escolas de samba do Rio reforçam identidade ao usar nomes de suas comunidades (Foto: Riotur – 22/04/2022)

Todas as 12 agremiações do Grupo Especial levam nomes de morros, bairros, cidades ou regiões o que as diferencia da maioria das paulistas

Por Fernando Molica | ArtigoODS 11 • Publicada em 19 de fevereiro de 2023 - 14:51 • Atualizada em 8 de fevereiro de 2024 - 09:31

Abre-alas da Mangueira no Carnaval 2022: escolas de samba do Rio reforçam identidade ao usar nomes de suas comunidades (Foto: Riotur – 22/04/2022)

Um dado curioso de escolas de samba de São Paulo é que, diferentemente do que ocorre com as cariocas – inspiração para todas as demais agremiações do gênero no país -, a maioria não traz em seus nomes uma ligação explícita com suas comunidades de origem. Todas as 12 escolas do Grupo Especial do Rio carregam em suas bandeiras referências aos seus bairros, ruas, cidades ou regiões da cidade ou do estado.

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Algumas fazem questão de ressaltar que são resultado de algum tipo de associação. Frisam ser fruto de uma união (Unidos de Vila Isabel, Unidos da Tijuca, Viradouro) ou de reunião de especialistas, interessados no samba (Acadêmicos do Salgueiro, do Grande Rio).

Em São Paulo, das 14 escolas do grupo principal, apenas cinco trazem, em seus nomes, referências a locais de origem: Acadêmicos do Tatuapé, Barroca Zona Sul, Acadêmicos do Tucuruvi, Império de Casa Verde e Unidos de Vila Maria, quase o mesmo número das que explicitam em suas bandeiras a ligação com torcidas organizadas de clubes de futebol: Mancha Verde, Dragões da Real, Independente Tricolor e Gaviões da Fiel.

As outras cinco carregam denominações genéricas, Águia de Ouro, Estrela do Terceiro Milênio, Rosas de Ouro, Tom Maior e Mocidade Alegre. Pelo menos duas escolas paulistanas que já foram campeãs do desfile principal, e que hoje estão em grupos de acesso, carregam nos estandarte nomes de suas comunidades, mas também de seus fundadores – Nenê de Vila Matilde e Leandro de Itaquera -, uma personalização inimaginável no carnaval carioca e que se reflete na estrutura de poder de cada uma dessas agremiações.

Alberto Alves da Silva, o Seu Nenê, que morreu em 2010, presidiu a sua – o possessivo aqui é perfeito – escola por 47 anos, até se afastar por problemas de saúde. Ele transferiu o cargo para seu filho. Uma vez, conversei com o Seu Nenê quando a Nenê, então campeã do carnaval, veio se apresentar no Desfile das Campeãs no Rio. Foi meio esquisito entrevistar alguém que incorporava a escola. Fundador da Leandro de Itaquera, Leandro Alves Martins preside a sua escola – Olha o possessivo de novo aí, gente! – desde a fundação.

Não dá, claro, para estabelecer uma teoria geral sobre escolas baseado apenas no nome de cada uma. Mas, em tese, ao explicitar o nome de suas comunidades e, muitas vezes, destacar que são fruto de uma união, as escolas cariocas marcam uma posição, reforçam suas origens e buscam agrupar aqueles que estão próximos.

Indicam de onde vieram e aqueles que buscam representar, o que evidencia uma postura também política. Uma força que em São Paulo demonstra ser mais diluída e genérica ou mesmo oriunda não do samba, mas de um elemento externo, como torcidas de times de futebol.

Vale ressaltar que muitos times de futebol da cidade do Rio também reforçam, em seus nomes, a ligação com seus bairros de origem – Botafogo, Flamengo, Bangu, Madureira, Olaria, Campo Grande, Bonsucesso, São Cristóvão. Mais uma vez, o fenômeno não encontra paralelo na capital paulista.

A centenária história das escolas de samba carioca indica que a relação explícita com suas comunidades foi fundamental para a consolidação e expansão de cada uma delas. O que poderia ser um sintoma de provincianismo se transformou em elemento de agregação e de fortalecimento, origem que é reafirmada com frequência em seus sambas-enredo.

Ao mostrar e provar sua identidade pra toda a gente, essas escolas – todas geradas em favelas ou bairros pobres de maioria negra – dão visibilidade a suas comunidades, lugares geralmente esquecidos pelo poder público e que, assim, passam a ser conhecidas como áreas geradoras de arte e beleza. Áreas, muitas vezes associadas à violência e que passaram a ser vistas com mais carinho.

Algumas dessas escolas demonstram uma tentativa de integração com a cidade mais formal – o nome da favela de origem foi substituído pelo do bairro. É como se moradores do Borel (Unidos da Tijuca), Macacos (Unidos de Vila Isabel), Vila Vintém (Mocidade Independente de Padre Miguel) alertassem seus vizinhos do asfalto: Nós também fazemos parte de seu bairro.

É impossível não pensarmos em escolas de samba ao ouvirmos falar da cidade de Nilópolis ou de morros como Mangueira, Salgueiro e Serrinha. Ao exaltar suas comunidades, essas agremiações invertem a lógica de abandono e desprezo que marca a relação com áreas pobres da cidade. Mais, gritam que são o centro, e não a periferia, de seus bairros.

As escolas do Rio reafirmam em seus nomes que aceitam de bom grado pessoas de fora – essa permeabilidade foi decisiva para que o samba carioca não ficasse restrito a guetos -, mas deixam claro que, independentemente de patronos fixos ou temporários, os representantes dessas comunidades é que mandam no pedaço.

Fernando Molica

É carioca, jornalista e escritor. Trabalhou na 'Folha de S.Paulo', 'O Estado de S.Paulo', 'O Globo', TV Globo, 'O Dia', CBN, 'Veja' e CNN. Coordenou o MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira da Fundação Getúlio Vargas. É ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog e integrou a equipe vencedora do Prêmio Embratel de 2015. É autor de seis romances, entre eles, 'Elefantes no céu de Piedade' (Editora Patuá. 2021).

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