Guerreira contra o racismo

Luana: guerreira contra o racismo institucional. Foto: Mario Epanya/ Acervo pessoal

Ex-modelo cria instituto e promove campanha pela igualdade racial nas empresas

Por Gilberto Porcidonio | ODS 1 • Publicada em 25 de agosto de 2017 - 20:31 • Atualizada em 28 de agosto de 2017 - 21:15

Luana: guerreira contra o racismo institucional. Foto: Mario Epanya/ Acervo pessoal
Luana, na luta pela ascensão de profissionais negros no mercado de trabalho:  “O branco se sente um chefe por direito”. Foto: Mario Epanya/ Acervo pessoal

Quantas pessoas de pele preta você conhece em cargos de chefia? E quantos chefes negros você já teve? Aliás, com quantos colegas de trabalho pretos você já conviveu? Se o seu número mal preenche os dedos de uma mão, saiba que esse teste do pescoço demonstra uma dura realidade brasileira: o racismo institucional.

De acordo com o Instituto Ethos, apenas 5% dos cargos executivos das 500 maiores empresas do país são ocupados por afrodescendentes, sendo 1% mulheres negras. No ritmo de hoje, essas desigualdades só seriam superadas em pelo menos 120 anos. Uma estimativa nada animadora. Para acelerar esse processo, a ex-modelo carioca Luana Génot criou o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR). Através da campanha “Sim à Igualdade Racial”, a mestranda e pesquisadora em Relações Étnico-Raciais do Cefet-RJ realizou a versão brasileira da iniciativa americana Jogo do Privilégio Branco, que ilustra como funciona  a desigualdade racial no país, a partir de 50 perguntas para um grupo de pessoas de diferentes origens.

– No jogo, todo mundo começa do mesmo lugar. Aí você vai vendo que as pessoas negras vão, a cada pergunta, ficando para trás. Isso demonstra que o discurso meritocrático não funciona. O mérito de alguém não depende só do seu espaço pessoal, do “é só estudar que tudo dá certo”, que não leva em consideração cor, classe ou gênero. É toda uma conjuntura -, diz Luana.

Estamos aqui para provar que a falta de representatividade negra no mundo corporativo não é nada natural

O ID_BR nasceu em 2013, quando Luana voltou dos Estados Unidos após participar do Ciências sem Fronteiras na Universidade de Wisconsin-Madison, onde estudou raça, etnia e mídia. Seis anos antes, em 2007, Luana era modelo e estava em Paris, tentando dar uma guinada na carreira, quando levou um balde de água fria: um booker lhe disse que ela era linda, mas que não seria famosa por ser negra. A jovem resolveu cursar Publicidade na PUC-Rio – uma universidade que, apesar de iniciativas como o Coletivo Nuvem Negra, ainda é majoritariamente branca. Mas foi lá que o projeto do instituto começou a ser gestado, a partir de uma exposição-instalação que Luana fez nos pilotis, com fotos de 25 alunos e funcionários. Hoje, o ID-BR conta com a adesão de grandes artistas e de 50 empresas.

– Nasci na Penha, vim de uma família de classe média baixa e fui criada por duas mulheres, minha mãe e minha avó, que sempre foram muito enfáticas, do jeito delas, com a questão racial. Chegaram a me tirar de uma escola particular, quando eu tinha 10 anos, porque eu sofria racismo lá. Elas me deram esse poder de lutar, mas o racismo não é só o que nos afeta diretamente. A injúria é só uma gota em um oceano.

No dia 4 de outubro, o instituto realiza, em São Paulo, o II Fórum Sim à Igualdade Racial, em parceria com a Cubo, empresa de empreendedorismo. O objetivo é promover treinamento para empresas que desenvolvem ações afirmativas em prol da igualdade de oportunidades raciais. Na ocasião, CEOs negros falarão sobre “como multiplicar pessoas como você”, numa mesa que reunirá líderes empresariais de várias etnias.

O ID-BR lançou um selo para elaborar junto a empresas um plano para a promoção da igualdade racial, através da gestão de pessoas e cultura organizacional. No início de agosto, o instituto também formalizou parceria com a empresa global de pesquisa, consultoria e treinamento Great Place To Work, que estimula as organizações a identificar, criar e manter bons ambientes de trabalho, por meio do desenvolvimento de culturas de alta confiança. E não vai parar por aí.

– Faremos cada vez mais campanhas baseadas em três pilares: ações afirmativas, educação e eventos. Ao contrário dos negros, a maior parte dos brancos sabe de onde vem. Isso influencia em sua postura e o planejamento de vida de cada um. Assim, o branco se sente um chefe por direito e, por se ver em maioria, acredita que esta é a sua posição natural. Estamos aqui para provar que a falta de representatividade negra no mundo corporativo não é nada natural.

Gilberto Porcidonio

É repórter do jornal "O Globo" e sociólogo em formação pela PUC-Rio. Especializa-se em cultura e questões raciais. Como poeta, mantém o alter-ego Frederico Latrão e, como escritor, é um dos autores da coletânea "Larica Carioca", sobre os quitutes dos bares do Rio de Janeiro, além de manter o blog 'O Títere'.

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