Democracia está abalada, dizem historiadores

(FILES) This file photo taken on August 11, 2015 shows Brazilian President Dilma Rousseff (R) and Vice-President Michel Temer attending the launching ceremony of the Investment Program in Energy at Planalto Palace in Brasilia. On Friday 12, 2017 Temer completes the first year of his presidential term. / AFP PHOTO / EVARISTO SA

Possibilidade de queda de dois presidentes em pouco mais de um ano é sinal de fragilidade

Por Adriana Barsotti | ODS 1 • Publicada em 21 de maio de 2017 - 00:17 • Atualizada em 23 de maio de 2017 - 13:08

(FILES) This file photo taken on August 11, 2015 shows Brazilian President Dilma Rousseff (R) and Vice-President Michel Temer attending the launching ceremony of the Investment Program in Energy at Planalto Palace in Brasilia. On Friday 12, 2017 Temer completes the first year of his presidential term. / AFP PHOTO / EVARISTO SA
Michel Temer e Dilma Rousseff, em cerimônia no Palácio do Planalto, em 11 de agosto de 2015. Foto de Evaristo Sá/AFP
Michel Temer e Dilma Rousseff, em cerimônia no Palácio do Planalto, em 11 de agosto de 2015. Foto de Evaristo Sá/AFP

A democracia brasileira está sensivelmente abalada, mas não há motivos para temermos um novo golpe. Não que as instituições estejam fortes, e sim porque os militares perderam o apetite pelo poder. É a conclusão a que chegaram historiadores ouvidos pelo #Colabora sobre o cenário político atual, com a possibilidade de queda de um segundo presidente – Michel Temer – em pouco mais de um ano. Na última quinta-feira (18/5), Temer passou a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela denúncia de que teria dado o aval à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na prisão para evitar denúncias contra o governo. Temer foi gravado por Joesley Batista, um dos sócios do frigorífico JBS.

Temos um governo condenado a tocar adiante uma agenda ultra-liberal antipopular; um Congresso desmoralizado pelas denúncias de corrupção e partidos políticos sem legitimidade para mediar os conflitos. O retrocesso civilizacional é enorme

A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Cláudia Viscardi alerta para o fato de as origens da crise serem anteriores ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. “O Brasil está em convulsão há quatro anos, desde as manifestações de 2013”, observa a historiadora, autora do livro “O teatro das oligarquias” (Ed. Fino Traço, 2012). “São quase quatro anos de convulsões abruptas”, afirma. Para ela, o afastamento da ex-presidente Dilma – que não teve seus direitos políticos cassados, ressalta – , por pedaladas fiscais, teria exposto ainda mais a fragilidade da democracia de um país que vive em clima politicamente instável desde 2013.

Para Viscardi, as instituições não estariam “suficientemente consolidadas”. “Foi um desrespeito à Constituição. Dilma continuou apta a exercer o cargo”, sublinha a historiadora, que coordenará o Simpósio Temático “A história do Brasil recente: democracia e autoritarismo entre dois golpes de Estado”, no II Encontro Nacional de História Política, em João Pessoa, entre os dias 24 a 26. O título do seminário revela que, se depender dos historiadores, o impeachment de 2016 ficará registrado na História como golpe.

Milhares de manifestantes foram às ruas em todas as capitais do Brasil em 2013: estopim foi aumento das passagens de ônibus. Cris Faga/Citizenside
Milhares de manifestantes foram às ruas em todas as capitais do Brasil em 2013: estopim foi aumento das passagens de ônibus. Cris Faga/Citizenside

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de livros sobre a ditadura militar – “Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil” (Perspectiva, 2002), “Jango e o golpe de 1964 na caricatura” (Zahar, 2006) e “As universidades e o regime militar” (Zahar, 2014) – Rodrigo Patto Sá Motta concorda que o cenário político atual, que não poupa o mais alto escalão da República, não é sinônimo de fortalecimento das instituições democráticas. Muito pelo contrário. “Eu vejo como demonstração de fragilidade. O impeachment foi aprovado sem provas de crime”, pontua. “Desde o início, havia um perigo grande para os líderes do impeachment: usaram argumentos que poderiam ser facilmente voltados contra eles, a corrupção, claro”. Insuflaram a opinião pública e incentivaram jovens procuradores e juízes que se acham capazes de limpar os pecados do mundo, sem considerar o risco de que o processo saísse do seu controle” (leia a íntegra da entrevista aqui).

Para o historiador Américo Oscar Guichard Freire, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), também há razões para preocupação: “há enormes motivos para nos preocuparmos com a estabilidade do nosso regime democrático”. Para ele, a “derrubada de um governo eleito ajudou a desencadear um conflito político-institucional que está longe de ser enfrentado”. Autor dos livros “Sinais trocados: o Rio de Janeiro e  a República brasileira”(7Letras, 2012) e “Uma capital para a República”(Revan, 2000), ele afirma: “Temos um governo condenado a tocar adiante uma agenda ultra-liberal antipopular; um Congresso desmoralizado pelas denúncias de corrupção e partidos políticos sem legitimidade para mediar os conflitos. O retrocesso civilizacional é enorme”.

Quem faz coro é o historiador Daniel Chaves, professor de História Contemporânea na Universidade Federal do Amapá. Ele acrescenta: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016, não só não gerou estabilidade política como banalizou o instrumento de destituição dos ocupantes do Planalto (já somam novo os pedidos de impeachment contra Temer). Chaves classifica como “precaríssima” a estabilidade institucional do país. “O Brasil havia se tornado, de alguma forma paradigmático para a ascensão de uma massa de pobres na direção da cidadania, com razoável grau de estabilidade democrática e governabilidade”, afirma. “Mas neste momento, surpreendentemente, voltamos a ser assombrados pela precariedade da nossa saúde política”, observa o historiador, autor do livro “Autonomias: Bolívia no tempo presente” (Multifoco, 2010).

Mas, afinal, afirmar que a democracia brasileira está fragilizada significa supor que estamos sujeitos a golpes de Estado? Pelo menos não formalmente. Para Viscardi, já estamos assistindo no Brasil a um golpe, só que “branco, não violento”. A historiadora faz um paralelo do cenário político atual com o do pré-1964. “Assim como em 1964, o empresariado articulou o golpe de 2016 com o apoio da mídia, da população  e da elite civil”, compara. “A diferença é que o papel dos militares hoje é ocupado pelo Judiciário e pelo Ministério Público”, afirma. “Em 1964, o STF aprovou o golpe, mas ele não teve papel relevante. O conjunto dos atores é o mesmo, mas com protagonismos diferentes”, prossegue Viscardi. Além, é claro, da conjuntura internacional, à época do golpe de 1964 marcada pela Guerra Fria.

Para Patto, a melhor comparação do cenário atual é com o golpe de 1964. O professor da UFMG classifica esta como uma das piores crises da República por conjugar fatores políticos e econômicos. Crises anteriores foram graves politicamente, mas não desestabilizaram a economia do país, sustenta. Em 1954, no suicídio de Getúlio Vargas, a situação econômica era estável e, logo em seguida, vieram os anos de desenvolvimentismo de JK. Em 1992, no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, tínhamos a hiperinflação, mas não vivíamos uma recessão, acrescenta.

Ativistas da Anistia Internacional em protesto contra os 50 anos do golpe militar, em 2014: paralelo com contexto atual. AFP/ Foto: Vanderlei Almeida
Ativistas da Anistia Internacional em protesto contra os 50 anos do golpe militar, em 2014: paralelo com contexto atual. AFP/ Foto: Vanderlei Almeida

“Só não estamos ainda em uma ditadura efetiva porque os militares perderam o apetite pelo poder, felizmente, pois não seria difícil para a força armada assumir o controle”, afirma Patto.  “No consórcio golpista atual, falta ossatura semelhante e o seu projeto de poder é mais frágil, como está claro agora. Isso aumenta as nossas incertezas quanto ao futuro, mas pode aumentar também as esperanças”.

Freire também estabelece semelhanças e diferenças com a ditadura militar: “Nos dois movimentos, as camadas médias ajudaram a compor o bloco conservador que liderou a ruptura política para derrubar governos reformistas. Em ambos, a grande imprensa cumpriu posição decisiva na defesa de ações golpistas”. Para ele, como já notara Viscardi, a diferença “é a forte presença do Poder judiciário e do Ministério Público no coração da crise”. Mas Freire não vê motivos para a intervenção dos militares no jogo político atual porque, nota o pesquisador e professor da FGV, a política “ainda permanece sob controle do bloco conservador-liberal”.

Então haveria luz no fim do túnel? O único caminho para o imbróglio, indica Freire, seria a aprovação de uma legislação que permitisse “a rápida recomposição da institucionalidade política” por meio de eleições diretas para a presidência.  A mesma solução é apontada por Patto: “A saída de Temer pode abrir caminho para uma solução mais democrática, de preferência com eleições gerais (incluindo os parlamentares) diretas”. Chaves demonstra um pouco de otimismo: “Guardo ainda alguma expectativa de que um país com 200 milhões de pessoas, com tanta riqueza e vivacidade cultural, vá construir saídas criativas para o problema”.

Independentemente do desfecho do cenário atual, Viscardi resume a sensação de perplexidade que tomou conta do país nos últimos tempos. No mesmo dia, as hashtags #Temer renuncia  e #Temer não renuncia foram para os Trending Topics do Twitter. Para a professora da UFJF, a História está mais acelerada, com muitos capítulos e fatos que mudam constantemente. “Os historiadores precisam de um intervalo cronológico para refletir sobre os acontecimentos”. O Brasil também.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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2 comentários “Democracia está abalada, dizem historiadores

  1. Santuza Clara Nunes da Silva disse:

    É um momento de muita reflexão, pois a corrupção está minando toda a história do Brasil. Roubos, desencontros, falta de caráter dos envolvidos nesse golpe, e a justiça também desestabilizada. Tendendo também há proteção de políticos corruptos e desonesto.

  2. Haroldo Rego disse:

    Sou otimista, pois, uma democracia com apenas 29 anos é natural ter alguns percalços e não existe ”caminho fácil”, portanto, é preciso passar por algumas dificuldades.

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