Força, Brumadinho! E não se esqueçam de Inhotim

Inhotim: museu a céu aberto reúne arte contemporânea, jardim botânico e educação (Foto: Reprodução Instagram @inhotim)

Em relato sobre a tragédia, morador faz apelo para que turistas não deixem de visitar o museu

Por Brayan Vieira Lana | ODS 11ODS 15 • Publicada em 30 de janeiro de 2019 - 11:38 • Atualizada em 4 de julho de 2019 - 20:05

Inhotim: museu a céu aberto reúne arte contemporânea, jardim botânico e educação (Foto: Reprodução Instagram @inhotim)
Inhotim: museu a céu aberto reúne arte contemporânea, jardim botânico e educação (Foto: Reprodução Instagram @inhotim)
Inhotim: museu a céu aberto reúne arte contemporânea, jardim botânico e educação (Foto: Reprodução Instagram @inhotim)

Era uma bela sexta-feira, como muitas outras, de muito sol e calor. Eu estava com a minha esposa na nossa loja, na cidade de Mário Campos, situada a pouco mais de 7 km de distância de Brumadinho, onde nasci, cresci e estou formando minha família. Estávamos fazendo planos para o fim de semana, até que o meu telefone tocou. Do outro lado da linha, uma ligação que jamais vou esquecer: meu grande amigo e vizinho Fabrício com a notícia que daria início para mim ao pesadelo que já havia começado para muitos aqui da região.

Minha primeira reação foi tentar contato com três dos meus grandes amigos que trabalhavam na Vale e que poderiam ter sido atingidos pelo rompimento da barragem: a analista Lecilda de Oliveira (mãe de amigos com quem convivo desde a infância e com quem eu estive durante toda a tarde do dia anterior), a Gislene Amaral (proprietária do imóvel onde funciona a minha loja em Mário Campos) e o operador de máquinas na companhia Djener Las Casas (com quem eu estive dois dias antes, em um momento de descontração na rua da nossa casa). Foram horas ao telefone fazendo chamadas. Mas do outro lado da linha, ninguém atendeu.

Gislaine, Djener e Lecilda: vítimas da tragédia de Brumadinho (Fotos: arquivos pessoais)
Gislaine, Djener e Lecilda: vítimas da tragédia de Brumadinho (Fotos: arquivos pessoais)

Junto ao meu pai, desde a abertura de Inhotim, trabalho com transporte turístico e de funcionários das mineradoras na cidade. Frequentávamos a pousada Nova Estância de terça a sábado, com ida às 14h30m e retorno às 23h. Nesta fatídica sexta-feira, meu pai esteve lá, como estava na noite anterior à tragédia. Meu irmão estaria lá mais à noite com o cliente que havia contratado um jantar em família no restaurante da pousada, que, por sinal, oferecia uma das melhores opções gastronômicas da cidade.

A Nova Estância jamais será esquecida por nós: foi ao Paulo Mascarenhas, o grande Paulinho, dono da pousada, que eu pedi a primeira oportunidade de indicação para realizar nossos serviços de transporte turístico para Inhotim. Nós estávamos começando a nossa empresa. Ao saber que a Nova Estância também havia sido atingida, liguei para outra grande amiga que trabalha lá, a Néia. Desta vez, ouvi uma voz do outro lado da linha. Aos prantos, ela me dizia ao telefone: “Brayan, acabou tudo: as meninas (funcionárias da casa), o Sr Márcio, Dona Cléo (pais do Paulinho) estavam todos lá. Eu escapei, pois tinha acabado de sair para o almoço. A lama tomou conta de tudo”.

Nós, que ficamos vivos, precisamos continuar. Ainda temos Inhotim

Em Mário Campos, onde eu estava, não paravam de passar carros da Polícia Militar, dos Bombeiros, Defesa Civil e outras entidades e autoridades, que seguiam para Brumadinho. Uma grande agonia foi tomando conta do meu peito. Logo pensei: “Meu Deus, o que está acontecendo? Não é possível acreditar que, em minutos, uma barragem destruiu uma cidade inteira”. Mas Infelizmente era possível. Comecei, então, a me recordar de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, que há pouco mais de três anos sofria a mesma dor de destruição que estamos vivendo agora em Brumadinho.

Fechei a minha loja bem antes do horário normal e, junto a minha esposa, seguimos para nossa casa em Brumadinho. Logo na entrada da cidade, conseguimos ter certeza de que aquele pesadelo era conosco, que a nossa cidade pacata viveria longos dias de muita angústia e devastação. Chegando a Brumadinho, fui direto para a casa dos meus amigos Luiz e Victor, filhos da Lecilda de Oliveira. Lá, junto a outros amigos, começamos a busca incessante de notícias sobre ela e dos nossos outros amigos desaparecidos. Era só o início do pior fim de semana da minha vida.

Nós, que ficamos vivos, precisamos continuar. Ainda temos Inhotim, este parque que coloca comida na minha mesa desde a sua abertura. Podem dizer que estou aproveitando a oportunidade para divulgar o parque e me favorecer de alguma forma, mas eu só quero dizer que o Instituto Inhotim, como nós, está vivo e intacto. Precisamos, mais do que nunca, alavancar ainda mais este parque que, ao contrário das barragens construídas por todo Brasil, só traz benefícios para a cidade: Inhotim trouxe empregos, renda, projetos so custo de evitar x o potencial de risco. Os executivos da Vale erraram a conta. Jogaram com a vida de funcionários e moradores da região e perderam. socioeducativos, artísticos e ambientais, que são reconhecidos em todo o mundo. Inhotim transformou positivamente uma parte da população de Brumadinho, principalmente os jovens. Foi lá que eu tive meu primeiro emprego, aos 17 anos.

Minha família chegou em Brumadinho em 1997, quando meus pais montaram uma pequena loja de conveniência em posto de combustível da cidade. Antes de Inhotim, a fonte de renda do município era quase que exclusivamente a mineração e o comércio, que, como em todo interior, é limitado em vários seguimentos. Brumadinho não tinha sequer um hotel que fosse capaz de hospedar com o mínimo de conforto os visitantes, que vinham basicamente a trabalho. Cenário que desde 2006, após a abertura do museu, vem mudando a olhos vistos. Já na adolescência, eu pensava, como grande parte de meus amigos, em ir para uma cidade maior, buscar mais oportunidades. Com a abertura do museu, consegui um emprego e nunca mais pensei em sair daqui.

Eu e minha família realmente vivemos do turismo devido a Inhotim, parque pelo qual temos orgulho, gratidão e carinho. Quem dera que no lugar de barragens para armazenar rejeitos de minério, que após alguns anos vai arrasar tudo e todos pela frente, fossem construídos mais lugares como Inhotim. Certamente não teríamos tantos mortos e desaparecidos, pelo contrário, teríamos mais Cultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social.

 

É por tudo isso que peço a todos da imprensa nacional e internacional que divulguem o que de melhor restou de Brumadinho, além dos moradores sobreviventes e de suas famílias: o nosso Instituto Inhotim.

Por favor, Brasil e turistas de todo o mundo: não deixem de vir a Brumadinho, de vir ao Inhotim. Precisamos agora de todos vocês para que, no futuro, além de ser lembrada pela tragédia que jamais será esquecida, Brumadinho seja ainda mais lembrada por ser a terra de Inhotim!

Brayan Vieira Lana

Morador e microempreendedor de Brumadinho/MG

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