O que Magufuli faria em Brasília?

John Magufuli limpa as ruas de Dar es Salaam: em vez de comemorações, mutirão no dia da Independência

Presidente da Tanzânia já varreu ruas e prendeu funcionários públicos por chegarem atrasados, inspirando hashtag nas redes sociais

Por Adriana Barsotti | Economia VerdeODS 1ODS 14 • Publicada em 15 de janeiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:44

John Magufuli limpa as ruas de Dar es Salaam: em vez de comemorações, mutirão no dia da Independência
John Magufuli limpa as ruas de Dar es Salaam: em vez de comemorações, mutirão no dia da Independência
John Magufuli limpa as ruas da capital: em vez de comemorações, mutirão no dia da Independência da Tanzânia

As limusines oficiais foram banidas. É proibido aos funcionários públicos viajar ao exterior, à exceção do presidente, vice-presidente e primeiro-ministro. Nem mesmo cartões de Natal puderam ser enviados às custas do contribuinte. Medidas austeras de algum país nórdico? Não. Foram decisões tomadas pelo presidente da Tanzânia John Magufuli, eleito em outubro. País africano mais conhecido pelas suas belezas naturais, como as ilhas Zanzibar e o Monte Kilimanjaro, a Tanzânia começa a atrair a atenção por uma cruzada pela moralização da política num continente em que predominam as denúncias de corrupção. Ao ponto de o novo governante ter inspirado a hashtag #WhatWouldMagufuliDo (O que Magufuli faria) nas redes sociais (veja galeria abaixo). Imaginem quantos memes da campanha “O que Magufuli faria” Brasília inspiraria se os brasileiros tomassem conhecimento do que acontece do outro lado do oceano…

A fúria disciplinadora do presidente levou-o a cancelar as celebrações do Dia da Independência da Tanzânia, dizendo que seria vergonhoso gastar milhões de dólares em paradas militares em um país que luta contra a cólera. Este ano, a epidemia já registra 8.185 casos, com 116 mortes confirmadas . No lugar das celebrações, ele promoveu um mutirão de limpeza na capital, Dar es Salaam, indo ele mesmo às ruas munido de vassoura. As reuniões oficiais serão agora à base de água e suco. Os funcionários devem tomar café da manhã em casa, avisou.

Cortar verbas públicas é apenas parte da agenda do presidente, ex-professor e químico. Ele também espera melhorar a qualidade dos serviços públicos. Inesperadamente e quebrando o protocolo, Magufuli, em seu primeiro dia como presidente, fez uma visita surpresa ao gabinete do ministro das Finanças. Lá chegando, encontrou apenas duas das oito mesas destinadas aos funcionários ocupadas e perguntou pelos ausentes. “Foram tomar chá”, disse um dos funcionários, visivelmente constrangido. A tática de surpreender parece ser sua preferida: o presidente também fez uma visita-relâmpago ao Muhimbili National Hospital, um dos mais importantes, e encontrou pacientes dormindo no chão. Não deu trégua: o diretor do hospital foi demitido.

Em Swahili (língua local), existe um ditado que diz: ‘Se você quer varrer as escadas, deve começar pelo topo’. Existe impunidade em todos os níveis.

Os médicos, por sua vez, estão esperançosos de que seus salários vão subir. “Essa tem sido uma queixa de longa data. Os médicos do serviço público ganham, em média, US$ 6 mil por ano”, afirmou Billy Haonga, presidente da Associação Médica da Tanzânia à NPR, rádio pública americana. Em seu posto anterior, como ministro de Obras, Magufuli foi apelidado de Bulldozer (escavadeira). E ele está fazendo jus à fama: há algumas semanas, prendeu 20 funcionários que chegaram atrasados a uma reunião.

O estilo personalista do presidente gera algumas ressalvas. O diretor da fundação de estudos políticos Friedrich-Ebert-Stiftung, Rolf Paasch, diz que as intervenções de Magufuli são encorajadoras, mas que não resolverão o problema da corrupção por si só. “Em Swahili (língua local), existe um ditado que diz: ‘Se você quer varrer as escadas, deve começar pelo topo’. Existe  impunidade em todos os níveis. Mas o presidente não tem como basear suas ações em visitas surpresa. Ele precisa de uma abordagem mais eficaz”, disse Paasch ao jornal ingles “The Guardian”. Cética, a oposição, cunhou o slogan “o poder do refrigerante” para a cruzada moralizadora de Magufuli. Ela aposta que o espírito reformador do presidente não perdurará por muito tempo tal qual uma garrafa de refrigerante não resiste ao sol africano.

Não foi esse espírito crítico, entretanto, que contagiou as redes sociais. Os tanzanianos e demais africanos aderiram com entusiasmo e bom humor à hashtag #WhatWouldMagufuliDo. O usuário Inkalimeva postou no Twitter uma foto de seu primo com uma placa de automóvel nas costas: “Meu primo trabalhou para comprar o próprio carro, mas depois de pensar o que Magafuli faria, esse foi o resultado”. Outro usuário, Kenyan Tweets, também fez piada: “Queria pegar um táxi para casa, mas depois de pensar o que Magafuli faria… (e postou a foto de um homem preso ao estepe traseiro de um carro).” Já Jackie Lumbase deu uma solução criativa: sugeriu aos seus seguidores que, em vez de comprarem calendários, reciclem o de 2015, começando janeiro de 2016 por maio de 2015. A criatividade não parou por aí: há dicas de trocar a chapinha por ferro de passar, colar uma etiqueta com a marca Nike num sapato qualquer, presentear a namorada com “jóias” feitas de talheres e até mesmo usar canetas pretas como delineadores. A campanha se espalhou por países vizinhos, onde já há memes comparando chefes de Estado acusados de corrupção à Magufuli. Agora é torcer para a hashtag chegar a Brasília.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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