ODS 1
Polícia mata uma pessoa negra a cada quatro horas
Monitoramento da Rede de Observatórios em oito estados mostra que, em 2022, dos 3.171 registros de morte por ação policial, com informação de cor/raça, os negros somaram 87%
Em 2022, a cada quatro horas, uma pessoa negra foi morta pela polícia nos oito estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança, de acordo com dados do novo boletim ‘Pele Alvo: a bala não erra o negro’, divulgado, nesta quinta (16/12). O novo monitoramento, o quarto realizado pela organização, confirma o alto e crescente nível da letalidade policial contra pessoas negras. “O número de negros mortos pela violência policial representar a imensa maioria e a constância desse número ano a ano ressaltam a estrutura violenta e racista na atuação desses agentes de segurança nos estados, sem apontar qualquer perspectiva de real mudança de cenário”, alerta a cientista social Silvia Ramos, coordenadora-geral da Rede.
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No ano passado, a Bahia ultrapassou o Rio de Janeiro no número de casos registrados nos estados incluídos no estudo. Bahia e Rio foram responsáveis por 66,23% do total dos óbitos. As operações letais da polícia baiana estão se repetindo em 2023: em apenas uma semana, de 28 de julho a 4 de agosto, foram noticiadas 32 mortes decorrentes de intervenção policial na Bahia. Esse ultrapassagem da violência policial baiana sobre a da polícia do Rio de Janeiro em 2022 é particularmente alarmante pois, em maio do ano passado, 25 pessoas foram mortas apenas durante uma operação policial na Vila Cruzeiro, na Zona Norte da capital fluminense.
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Veja o que já enviamosOs dados reunidos pela Rede de Observatórios da Segurança – projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), do Rio, desenvolvido em parceria com organizações de outros sete estados – foram obtidos junto a secretarias estaduais de segurança pública de Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo via Lei de Acesso à Informação (LAI). Os coordenadores do estudo alertam que os números reais podem ser ainda maiores, tanto pela subnotificação de casos como pelo não registro de dados sobre cor e raça, que ocorre principalmente nos estados do Maranhão, Ceará e Pará.
Em todos os estados a quantidade de negros entre as vítimas da letalidade policial é maior do que a porcentagem desse grupo na população. “É necessário tomar a letalidade de pessoas negras causada por policiais como uma questão política e social. As mortes em ação também trazem prejuízos às próprias corporações que as produzem. Precisamos alocar recursos que garantam uma política pública que efetivamente traga segurança para toda a população”, destaca Silvia Ramos.
Neste novo boletim Pele Alvo, a Rede de Observatórios de Segurança aumentou a área analisada, com a inclusão do Pará, o primeiro estado da Região Norte na amostra. No ranking de 2022, o Pará já aparece em segundo lugar no percentual de negros mortos em operações policiais, com 93,90% dos casos; a Bahia ficou em primeiro lugar, com 94,76%. Mas os pesquisadores lembram que, na Bahia, a população negra significa 80,80% do total e, no Pará, 80,46%. Rio de Janeiro e São Paulo também chamam a atenção pela alta letalidade de pessoas negras por agentes de segurança. No Rio de Janeiro, 54,39% da população é negra, mas o número de óbitos representa 86,98%. Em São Paulo, com 40,26% de negros, as mortes destas pessoas por policiais somam 63,9% do total.
Os pesquisadores apontam que, através dos dados, “é possível entender a estratégia de associar práticas ilegais a corpos negros – como uma forma de neutralizar a participação desses indivíduos na sociedade –, e também o processo de criminalização da pobreza como política de controle social”.
O relatório destaca que “a sociedade brasileira tem se mostrado incapaz de pautar uma real mudança deste cenário, dando a entender que é preferível fazer vista grossa para a situação e manter a estrutura imposta pela branquitude. Essa é mais uma estratégia de manutenção e promoção de subjetivações que autorizam práticas diversas de violações de direitos, principalmente contra pessoas negras”. A Rede de Observatórios defende um redirecionamento da política de segurança pública “visando, acima de tudo, respeito à vida, sem qualquer distinção”.
Barbárie da polícia baiana
Os dados da Rede de Observatórios confirmam o descontrole da violência policial na Bahia já apontado por outras organizações da sociedade civil: em 2022, a Bahia, pela primeira vez, chegou ao topo do ranking dos estados que mais matam pela ação de agentes de segurança, com um total de 1.465 vítimas. A escalada da violência policial na Bahia, com a esfarrapada desculpa de guerra às drogas, não tem equivalente no país: entre 2015 (quando o estado registrou 354 mortes) e 2022, houve um aumento de 300% nessa taxa de letalidade, que atingiu principalmente jovens negros. De acordo com a Rede, a população negra representou 94,76% do total de mortos por agentes de segurança no ano passado: a maioria (74,21%) com idade entre 18 e 29 anos.
O levantamento mostra que o viés racial das vítimas da letalidade policial repete-se em outros estados do Nordeste, apesar de não ter sido registrado outro aumento escandaloso do número de mortes como na Bahia. Em Pernambuco, o número de mortos por agentes de segurança em Pernambuco teve ligeira queda (de 105 para 91), mas manteve-se o alto índice de vítimas negras: 89,66% do total dos 87 casos informados. no Piauí, o número de mortes em intervenções policiais subiu de 32 (em 2021) para 39 (em 2022), mas o viés racial foi semelhante: das vítimas da letalidade causada por agentes de segurança com registro de cor, 88,24% eram negras.
No Ceará, a análise da Rede destaca duas constantes – “o aumento do número de mortos pela polícia e a negligência com as informações sobre as vítimas da violência”. No comparativo entre os anos de 2021 e 2022, houve registro de 27 mortes a mais por agentes de segurança do Estado. Do total de 152 mortes, em quase 70%, não foi registrada raça/cor das vítimas. Na análise dos casos com esta informação, o relatório aponta que 80,43% das mortes foram de pessoas negras e que sete de cada dez vítimas tinham entre 18 e 29 anos. Entre os oito estados monitorados, o Maranhão – estado que foi governador pelo hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, por oito anos -segue como o único com um apagão total nas informações sobre raça e cor. Das 92 vítimas da violência, quase 60% (59,78%) eram jovens de 18 a 29 anos.
Tendências diferentes no Rio e em São Paulo
O Rio de Janeiro, apesar de ter caído da primeira para a segunda posição do ranking das unidades federativas com maior número de mortes por agentes de segurança, registrou um crescimento do número total de óbitos – de 1.214 em 2021 para 1.330 em 2022 – para confirmar a rotina de de violência e medo vivida em favelas e periferias do estado. Os agentes de segurança do Rio de Janeiro mataram 1.042 pessoas negras em 2022 (86,98% dos casos com informações completas de cor e raça) – a cada oito horas e 24 minutos uma pessoa negra morreu em decorrência de intervenção policial.
Em 2022, São Paulo registrou queda no número de mortes por intervenção policial, tendência registrada desde 2019. Neste período, o número de vítimas caiu de 867 para 419, redução de 48,32%. “Os números decorreram de uma política de redução da letalidade aliada ao uso de câmeras corporais, mostrando que é possível a polícia ser menos violenta, se houver fortalecimento de mecanismos de controle e responsabilização das instituições de controle”, lembra o relatório. O viés racista da violência policial, entretanto, se repete: no estado onde 40,26% da população é negra, 63,90% das vítimas dos policiais eram pretas e pardas .
Os números de mortes por policiais em São Paulo, entretanto, aumentaram em 2023: de acordo com os dados oficiais do governo, a letalidade das ações policiais subiu quase 10% no primeiro semestre do ano – de 202 vítimas em 2022 para 221 no mesmo período de 2023. Estes dados saõ anteriores à violenta intervenção da polícia paulista no litoral do estado após o assassinato de um soldado da PM. Pelo menos, 23 pessoas morreram na chamada Operação Escudo.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade