Lula pede aliança pelo clima e contra a fome e cobra países ricos

No Egito, presidente eleito garante que "o Brasil está de volta" e anuncia que combate à mudança climática terá "o mais alto perfil" na estrutura do seu governo

Por Oscar Valporto | ODS 10ODS 13 • Publicada em 16 de novembro de 2022 - 14:22 • Atualizada em 23 de janeiro de 2023 - 13:14

O presidente eleito Lula discursa na COP27: “precisamos com urgência de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da mudança do clima” (Foto: Ricardo Stuckert)

Num pronunciamento que começou e terminou com o canto de “Olê, olê, olá, Lulá, Lulá”, puxado por integrantes de ONGs e ativistas ambientais que estão em Sharm el-Sheikh, no Egito, para a COP27 – a 27ª Conferência do Clima da ONU – e foi interrompido pelo coro, emprestado às arquibancadas dos estádios de futebol de “Oh, o Brasil voltou, o Brasil voltou, o Brasil voltou”, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva cobrou ação mundial contra a fome, criticou os países ricos pela não implementação dos acordos climáticos, defendeu a ampliação do Conselho de Segurança da ONU e o fim do veto, e defendeu o multilateralismo.

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Lula não deixou de fazer críticas ao governo Bolsonaro. “Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos – no combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação do meio ambiente”, afirmou.

Em 2009, os países presentes à COP 15 em Copenhague comprometeram-se em mobilizar 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática. Não sei quantos representantes dos países ricos estão aqui mas eu quero dizer que a minha volta é também para cobrar aquilo que foi prometido na COP15

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente eleito do Brasil

Mas o presidente eleito priorizou, no discurso, suas visões para o futuro. “Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia. Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos”, enfatizou Lula no discurso escrito de 30 minutos, em que acrescentou de improviso a defesa de uma “nova governança global” e um “fórum multilateral com poder de decisão”.

Para seu terceiro mandato, o petista confirmou a prioridade ao combate a crise climática. “Quero aproveitar esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo. Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas. Nos três primeiros anos do atual governo, o desmatamento na Amazônia teve aumento de 73 por cento. Somente em 2021, foram desmatados 13 mil quilômetros quadrados. Essa devastação ficará no passado”, destacou, repetindo o compromisso com os indígenas. “Vamos criar o Ministério dos Povos Originários, para que os próprios indígenas apresentem ao governo propostas de políticas que garantam a eles sobrevivência digna, segurança, paz e sustentabilidade. Os povos originários e aqueles que residem na região Amazônica devem ser os protagonistas da sua preservação”, destacou.

Esperem um Lula muito mais cobrador para que a gente possa fazer um mundo efetivamente mais justo e um mundo humanamente muito melhor para cada um de nós

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente eleito do Brasil

Lula também anunciou duas iniciativas, a serem apresentadas formalmente pelo seu governo: a realização da Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica, “para que Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela possam, pela primeira vez, discutir de forma soberana a promoção do desenvolvimento integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática” e oferecer o Brasil como sede da COP 30, em 2025, confirmando a proposta de realizar a conferência na Amazônia.

Lula na COP27: "Não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades" (Foto: Ahmad Gharabli/AFP)
Lula na COP27: “Não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades” (Foto: Ahmad Gharabli/AFP)

Seguem trechos do pronunciamento do presidente eleito Lula:

“Este convite, feito a um presidente recém-eleito antes mesmo de sua posse, é o reconhecimento de que o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta e de todos os seres que nele habitam”

“É preciso tornar disponíveis recursos para que os países em desenvolvimento, em especial os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande medida pelos países mais ricos, mas que atinge de maneira desproporcional os mais vulneráveis”

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“Estou hoje aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável. De um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes – e não apenas uma minoria privilegiada”

“Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade. Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz”

“Do resultado da eleição no Brasil dependia não apenas a paz e o bem estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta”

“No pronunciamento que fiz ao fim da eleição, disse que não existem dois Brasis. Quero dizer agora que não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres”

“Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram na Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas. A luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo”

“Estou certo de que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência, tecnologia e educação, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais”

“A meta que vamos perseguir é a da produção com equilíbrio, sequestrando carbono, protegendo a nossa imensa biodiversidade, buscando a regeneração do solo em todos os nossos biomas, e o aumento de renda para os agricultores e pecuaristas”

“Não podemos ficar prometendo e não cumprindo pois assim seremos vítimas de nós mesmos”.

Em 2009, os países presentes à COP 15 em Copenhague comprometeram-se em mobilizar 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática. Não sei quantos representantes dos países ricos estão aqui mas eu quero dizer que a minha volta é também para cobrar aquilo que foi prometido na COP15. É triste mas este compromisso nem foi e nem está sendo cumprido”.

“Isso nos leva a reforçar, ainda mais, a necessidade de avançarmos em outro tema desta COP 27: precisamos com urgência de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da mudança do clima. Não podemos mais adiar esse debate. Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas”

“Se pudermos resumir em uma palavra a contribuição do Brasil neste momento, que essa palavra seja aquela que sustentou o povo brasileiro nos tempos mais difíceis: esperança. A esperança combinada com uma ação imediata e decisiva, pelo futuro do planeta e da humanidade”

“Esperem um Lula muito mais cobrador para que a gente possa fazer um mundo efetivamente mais justo e um mundo humanamente muito melhor para cada um de nós”

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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